O pai da nação e o fascismo possível

Quando declarações como de FHC e Meirelles deixam de ser cínicas e provocativas aos olhos de uma opinião pública customizada pela grade mídia, é porque a situação está próxima do impossível

SÃO PAULO, SP - 20.05.2013: FHC/PALESTRA/EXECUTIVOS/SP - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dá palestra para executivos da Thomson Reuters no hotel Unique, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, na zona sul da capital paulista, nesta segunda-feira. (F
SÃO PAULO, SP - 20.05.2013: FHC/PALESTRA/EXECUTIVOS/SP - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dá palestra para executivos da Thomson Reuters no hotel Unique, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, na zona sul da capital paulista, nesta segunda-feira. (F (Foto: Tarso Genro)


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Na época da influência máxima do comunismo tipo "soviético" sobre todo o espectro da esquerda, o discurso inaugural do líder comunista Gottwald, no Parlamento tcheco (1929), declara expressamente a sua renúncia a qualquer compromisso democrático e anuncia: "somos o partido do proletariado tcheco e nossa sede está em Moscou. Vamos a Moscou para aprender com os bolchevistas russos como torcer os pescoços dos senhores. E, como sabem todos, os bolchevistas russos são mestres nessa arte."

O que serve de parábola para essa desastrada política de "torcer pescoços", que após é minuciosamente empenhada por Hitler na tomada de vastas regiões da Europa pelas tropas alemãs, é o que ocorreu, recentemente, aqui no Brasil: os golpistas que assaltaram o poder para derrubar a Presidente da Dilma, não disseram, mas poderiam ter dito: "somos o partido do capital financeiro e como as Forças Armadas não querem um golpe militar, vamos ao Paraguai dar uma estudada num outro tipo de Golpe. E, como todos sabem, os paraguaios são craques nisso."

Os últimos lances políticos – embora não mais importantes desta tragicomédia – depois das declarações de fé contra a corrupção, homenagem aos tios, avós, pais, filhos, tudo "pelo Brasil", na votação do impeachment, foram – primeiro – a entrevista elegante de um dos personagens mais importantes do golpe paraguaio, o presidente Fernando Henrique (que salientou que tudo já está melhor, mas ainda não chegou no bolso do povo), entrevista na qual não declarou que tudo está, até agora, no bolso dos banqueiros globais. E – segundo – as declarações do Ministro Meirelles, com a sua afirmação de que daqui a dez anos a situação vai estar tão boa que "vai ser possível até baixar impostos."

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Sobre a primeira entrevista, é de notar como a mídia tradicional, ao omitir numa entrevista determinados temas fundamentais na vida de um personagem -que enriqueceriam muito a própria sinceridade das suas afirmações – molda os seus prediletos de acordo com as necessidades da conjuntura. De repente FHC nunca foi um democrata que mudou e apoiou um golpe paraguaio, mas passou a ser apenas um árbitro, pai da nação, acima das contingências do desastre, que dá serenos conselhos a todos e defende que o Senador Aécio só estava fazendo um módico empréstimo com a JBS.

Quanto às declarações de Meirelles, sem comentários. Hoje, voltaram às esquinas crianças, adultos, velhos -mulheres e homens- cada vez mais miseráveis e tristes, que certamente não esperarão dez anos para verem os impostos baixar, para gozarem os benefícios da reforma da previdência, para fruírem uma escravidão do trabalho intermitente -precisando de 4 empregos de duas horas por dia- para quem sabe um dia chegar a perceber um salário-mínimo. FHC e Meirelles, são personagens emblemáticos da nossa crise.

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Ambos demonstram a inviabilidade do sistema político atual e a falência da sua estrutura de Partidos. O primeiro porque, sendo o inspirador de um partido supostamente social-democrata, apoiou a destituição ilegal e ilegítima da Presidenta, que derrotara o seu Partido, comprometendo-se, tanto com a oposição como com o Governo, quando convém, sem abdicar de ser um macro-Juiz, aparentemente isento, do Golpe, que ele mesmo ajudou a promover. O segundo porque, livre-atirador, Meirelles só se compromete com as adrenalinas do mercado e já transitou por Governos, orientando a economia de fora do sistema político, apenas cumprindo as tarefas que o mercado lhe encomenda.

Alguém disse que a tragédia de 1918-1919, no fracasso da Revolução Alemã, não foi propriamente a incapacidade "de impor uma revolução socialista", que só poderia vir através de uma longa e sangrenta Guerra Civil, para qual não havia nem preparo nem recursos disponíveis, num país devastado pela Guerra, com uma população exausta e empobrecida. A verdadeira tragédia teria sido a "noção excessivamente legalista" (com a direita rompendo com todos os limites da legalidade) "impassivelmente sem imaginação e totalmente conservadora" do Partido Social-Democrata, que não ousou defender a democracia com o mesmo denodo e o uso de força, que caracterizava os que já estavam no roteiro da sua destruição.

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Lula, Requião, Boulos, Freixo, Haddad, Ciro, Lupi, Manoela, Randolfe, Ivan Valente – e outros líderes com visibilidade nacional que a minha memória pode estar excluindo – sem deixar de se comprometer com as suas responsabilidade partidárias e sem "fechar" candidaturas definitivas para o próximo pleito presidencial, deveriam compor uma Mesa da Esquerda Plural, para começar a pensar os pontos de união de uma nova Frente Política, para retirar o país do atual atoleiro.

Dar asas à imaginação, para ajustar uma programa mínimo de governabilidade democrática pela esquerda sem o pai-da-nação, pode ser o primeiro passo para, pelo menos num segundo turno unitário, repor a esperança na democracia e na república. Quando declarações como de FHC e Meirelles deixam de ser cínicas e provocativas aos olhos de uma opinião pública customizada pela grade mídia, é porque a situação está próxima do impossível. E depois do impossível, quando não há revolução à vista para instaurar uma nova ordem como novos valores, pode sobrevir a anarquia total ou o fascismo. Anarquia e fascismo são gêmeos univitelinos, tanto nos seus sofrimentos como nos seus resultados.

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