O novo mapa russo para o mundo multipolar

Bem-vindos a São Petersburgo, a verdadeira capital do mundo multipolar que vem surgindo

Vladimir Putin
Vladimir Putin (Foto: Sputnik)


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O Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo é não apenas a principal plataforma para a discussão de tudo o que importa em questões de negócios e geoeconomia relativos à Rússia e à Eurásia em geral.

Ele é também um espaço privilegiado, onde as tendências do passado, presente e futuro são exploradas em detalhe: um microcosmo da multipolaridade em ação.  

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O programa do evento costuma ser uma festa intelectual. É impossível comunicar sua amplitude e alcance em apenas algumas linhas, para não falar da atmosfera vibrante e da excitação de pular de sala em sala em busca da exposição perfeita.  

O que se segue pode ser visto como uma espécie de resumo dos Grandes Sucessos das sessões de 15 de junho – com poder de fogo suficiente para alimentar debates sobre a multipolaridade durante semanas, se não meses.

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O painel repleto de pesos-pesados 'Como a Economia Russa irá se Desenvolver' trouxe a Presidenta do Banco Central Russo Elvira Nabiullina, o Ministro das Finanças  Anton Siluanov e o principal assessor de Putin,  Maksim Oreshkin.

A imperturbável Nabiullina ressaltou que a "interoperabilidade" irá ajudar "o sistema de pagamentos russo a se integrar ao sistema global". Ela continua a defender uma "privatização seletiva", a manutenção da confiança dos mercados de capital e a inflação baixa.  

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Siluanov tratou de forma muito pertinente "a necessidade de mudar o paradigma", a importância dos Estado para a criação e demanda, e a necessidade de reduzir os subsídios. A macroestabilidade é importante – "mas não podemos exagerar". Oreshkin concorda: o governo deve se livrar dos ativos "de que realmente não precisa". 

Um painel sobre a desdolarização debateu a plausibilidade de fazer a transição entre o dólar dos Estados Unidos e uma "moeda supranacional fundamentalmente nova, supervisionada por um amplo consórcio de estados operando sob o princípio da parceria".  Isso é o que, em essência, vem sendo discutido no cerne tanto da União Econômica Eurasiana (UEEA) quanto dos BRICS.

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O futuro da Rússia esteve no cerne do debate Horizonte  2040. Andrey Bezrukov, presidente da Associação das Exportações Tecnologicamente Soberanas e professor na  MGIMO, ressaltou que, em 2024, a Rússia ocupará a Presidência dos BRICS: chegou a hora de "transformá-los não apenas em uma aliança de parceiros iguais mas também em uma força  financeira, tecnológica e econômica". 

Alexander Dugin lançou-se a uma surpreendente apresentação, explicando os caminhos rumo ao desenvolvimento, paralelamente a como os russos devem entender a identidade, o que levou a uma inevitável crítica do etnocentrismo: "O Ocidente escolhe a si próprio como o único sujeito e defende um sistema de valores tido como universal – a ser necessariamente seguido por todos". Isso é, "o Ocidente como a totalidade da humanidade", acoplado à intenção de "des-subjetivizar" os demais". A subjetividade global é inerente ao Ocidente". Dugin a descreve como um "vírus" desenvolvido "ao longo dos anos". 

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A integração ao Ocidente Global, segundo Dugin, "deixa a Rússia sem futuro". Ela, ao contrário, deve declarar que o Ocidente é "uma força entre muitas, não uma ameaça existencial". A Rússia pode se autoproclamar um estado soberano. Exercer uma "descolonização mental da sociedade". É assim que um "estado-civilização que define seus próprios objetivos deve agir". 

Mostrando um diagrama em três passos, "indo do vermelho ao lilás", Dugin ilustrou de que forma a Rússia pode fazer a transição entre "entender a si própria no mundo ocidental" rumo a um "desenvolvimento soberano". 

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Tudo sobre OCX, UEEA, ASEAN, CITNS, BRICS – Zhang Ming, o secretário-geral da OCX, e Bakhtiyer Khakimov, representante especial de Putin na OCX, tiveram participações particularmente valiosas em um painel que veio com um divisor de águas: da mesma forma que o BRICS, com seu Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a OCX também vem trabalhando na criação de um banco de desenvolvimento, integrado em uma "economia mundial aberta", contra as sanções.

O secretariado da OCX em Tashkent já opera como um fórum para os governos locais e centro-asiáticos. Trata-se de uma verdadeira organização multilateral cujos membros já são responsáveis por nada menos que dois terços do movimento global de transporte de cargas.  

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Sergey Pavlov, Primeiro Vice-Diretor Operacional das Ferrovias Russas, fez uma conexão da maior importância: OCX-CITNS. O potencial do Corredor Internacional de Transporte Norte Sul, disse ele, é "inacreditável".  Ele fez lembrar a todos que a Rússia, recentemente, assinou um acordo visando a construir "a parte faltante do CITNS no Irã". E ressaltou que a estratégica fronteira cazaque-chinesa no porto seco de Khorgos está pronta para um forte crescimento das exportações. 

Uma muito aguardada discussão no âmbito dos BRICS examinou de que forma diferentes mecanismos podem aumentar a sustentabilidade socioeconômica. Um enorme potencial está em vias de ser explorado pela Área Continental Africana de Livre Comércio: 1,3 bilhões de pessoas, em sua enorme maioria jovens.  

Alexander Isaev, um especialista da Diretoria Internacional dos Corredores de Transporte, ressaltou a importância de "cadeias logísticas de boa qualidade". Como o comércio externo baseia-se fundamentalmente no transporte marítimo, os membros dos BRICS e do futuro BRICS+ terão que fazer seu dever de casa quanto à "infraestrutura de portos e melhorias das estradas". Para não falar em reduzir a burocracia: as empresas gastam 50% do total de seu tempo em expedição e trânsito de mercadorias. Temos que acelerar os processos de cruzamento de fronteiras".  

Uma pergunta crucial foi colocada: quando haverá um "Made in BRICS"? Não antes da harmonização das regulamentações técnicas, como já vem acontecendo com "diversos grupos" que operam entre a China e a Rússia.

Uma mesa-redonda da maior importância focou o CITNS, contando com representantes do Irã, Paquistão e Azerbaijão, bem como com Evgenii Moskvichev, presidente de uma comissão da Duma, e um dos maiores especialistas em transportes do mundo. O Ministro dos Transportes iraniano, Mehrdad Bazrpash, insistiu em afirmar que o Irã "tem um enorme potencial logístico". 

A ASEAN figurou em um painel celebrando o 5º aniversário de um memorando de entendimento firmado com a UEEA tratando de cooperação econômica, bem como a parceria estratégica Rússia- ASEAN.

Esta interligação Eurásia-Sudeste Asiático tem enorme potencial em termos de transportes, logística, economia digital e, é claro, sistemas de pagamentos que dispensem o dólar dos Estados Unidos.

O indispensável Sergey Glazyev, Ministro de Integração e Macroeconomia da Comissão Econômica Eurasiana, tinha que fazer parte da discussão.  Evgeny Zaganyov, representante da Rússia na ASEAN (que tem um escritório em Jacarta), enfatizou que a hora é agora para "estabelecer a  ASEAN como um centro de crescimento global", trabalhar para um "ambiente tributário conjunto" e investir em conectividade de transportes. 

Tudo isso dentro do arcabouço crucial de "pagamentos mútuos em moedas locais". As Filipinas, enquanto isso, estão interessadas em se anunciar como o portão ideal para o acesso da UEEA à ASEAN. 

Des-integração? – A tradicional discussão do Clube de Valdai, já no título, tentou descrever de forma concisa o novo mundo: "A Nova Economia Mundial: não  Global, mas Interconectada".

O Primeiro-Ministro Adjunto da Rússia,  Andrey Belousov, trouxe um breve e necessário resumo, apontando que "o grande beneficiário da globalização, na década de 90, foi a China, que dobrou seu PIB".   Mas então, "na segunda metade da década de 2000, os americanos começaram a demolir os padrões". O protecionismo tornou-se a norma. 

Belousov "não acredita que a Organização Mundial do Comércio (OMC) venha a ressurgir". Ele prefere focar os "novos países" que serão os grandes atores na nova ordem mundial: Brasil, Índia, Indonésia, México. 

Ele vê três possíveis cenários futuros: uma nova "Pax Americana baseada em tecnologia digital, protecionista, um novo clube fechado ocidental", com o uso de força arregimentada basicamente contra a China; uma "regionalização em torno de centros de desenvolvimento, como China, Índia e Vietnã; ou o "caos controlado", submetido à crise de alimentos e a crise de recursos hídricos".  

Gong Jiong, da Universidade de Comércio Exterior e Economia, focou o que ele definiu como "A Grande Reorientação". A China, é claro, está no centro: seu maior parceiro comercial é, de fato, a  ASEAN. Paralelamente, o comércio da China com a Rússia cresceu em 40% no ano passado, podendo atingir muito mais que 200 bilhões ao final de 2023, com nada menos que 70% dele, proporção que só tende a aumentar, pagos em rublos e yuans. O Banco Central Russo já mantém 40% de suas reservas em yuans. Bem-vindos ao mundo da moeda multipolar.  

Eldor Aripov, do Uzbequistão, trouxe uma valiosa perspectiva centro-asiática. O custo das importações de alimentos é "considerável". Em muitos casos, "caminhões vindos da Europa  levam de dois meses a dois meses e meio para chegar ao Uzbequistão  – os custos do transporte tendo dobrado". 

Mesmo assim, Tashkent espera um forte crescimento de 5,5% neste ano. O mínimo que se pode dizer é que a previsão dos "Bálcãs Eurasianos" (de autoria do finado Zbig Brzezinski) colapsou. O Uzbequistão agora foca – o que mais seria – os corredores de transportes, através do Afeganistão para o Sul da Ásia, bem como o projeto chinês de uma ferrovia China-Quirguistão-Uzbequistão.

Belousov, de sua parte, observou que a Rússia é capaz de usar nada menos que quatro corredores básicos. Dois já estão em operação: o Corredor Leste, desenvolvido para carvão e agora sendo restruturado para fertilizantes, e o Corredor Sul, através do Mar Negro para a Turquia.  

Os dois corredores ainda em desenvolvimento são a Rota do Mar do Norte – mais curta e rápida em duas semanas que o Suez – e os três ramais do CITNS: o Leste, para o Cazaquistão e o Turcomenistão através do Irã; o Transcáspio – com Astrakhan como porto principal através do Irã rumo ao Sul; e o Corredor Oeste – também uma alternativa ao Suez.  

Não é de surpreender que, para que tudo isso funcione com a precisão de um mecanismo de relógio, são necessários "muito investimento e estabilidade política". 

Benedict Weerasena, do think-tank Bait al-Amanah, da Malásia,   introduziu um elemento jovial e entusiasmado nos procedimentos, ressaltando que o PIB  per capita da ASEAN, que congrega 690 milhões de pessoas, é "muito mais alto que a média global". Ele cantou louvores à ascensão do Fundo Monetário da ASEAN (FMA), enfatizando que os "órgãos regionais precisam lutar contra a supremacia do FMI. O FMA não é apenas um sonho". 

Arvind Gupta, da Índia, engajou-se em uma acerba crítica ao uso da tecnologia e dos sistemas financeiros, e também das cadeias de fornecimento como armas, "forçando-as sobre os países". Ele apresentou uma formulação bem clara: "O atual sistema promove a tecnologia ou para lucro ou para vigilância". A Índia tenta  "promover a tecnologia para o bem, para o desenvolvimento". 

Todo o exposto acima é apenas uma amostra de um dia inteiro das discussões ocorridas no fórum. Nada de remotamente similar, nem que vá tão fundo, ocorre em qualquer lugar do Coletivo Ocidental. Bem-vindos a São Petersburgo, a verdadeira capital do mundo multipolar que vem surgindo. (Tradução Patricia Zimbres)

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