O neoliberalismo já acabou e só Paulo Guedes não viu

"Enquanto a maioria dos economistas aponta a necessidade de gastos públicos na reconstrução de um país devastado, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro se agarram num pensamento nefasto para manter o Brasil paralisado, sem emprego nem investimentos, "escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia



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Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia - O mundo corporativo ensina seus quadros mais experientes a manter uma reação indispensável em horas de perigo -- dar a impressão de que tudo segue normal.

Este ensinamento explica a postura de Paulo Guedes, ministro da Economia de Bolsonaro. Num país que enfrenta a pior tragédia econômica já registrada pelo IBGE, Paulo Guedes é um ventríloquo de si próprio.

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Como faz desde que foi recrutado por Bolsonaro, sua única reação tem sido pedir empenho naquilo que chama de "reformas" -- eufemismo enganoso para encobrir o desmantelamento apressado do Estado.

Guedes pediu reformas quando o coronavírus fez o primeiro óbito no Brasil. Repetiu a sugestão quando os óbitos já passavam de 40.000 e o presidente mandava a população invadir hospitais para flagrar leitos vazios.

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A conta que definiu um benefício de 600 reais para informais e desempregados reafirmou uma típica mesquinharia de Casa Grande, jogando milhões na rua para aceitar trabalho a qualquer preço -- inclusive da própria vida.

Na tétrica reunião ministerial de 22 de abril, Paulo Guedes fez questão de repetir a mesma ideia, só inovando no vocabulário. Referindo-se à privatização do Banco do Brasil, instituição que em 2019 teve um lucro recorde de R$ 18,6 bilhões, Guedes empregou uma linguagem de fim de feira -- ou fim de noite. Disse que era preciso vender "essa porra".

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A fé de Paulo Guedes no mercado seria um problema dele e do governo Bolsonaro se não fossem as graves consequências que o país já está pagando e irá pagar no próximo período.

Como os professores Esther Dweck e Paulo Gala deixaram claro em entrevista a TV 247 (17/6/2020), Guedes não trabalha apenas para defender ideias absurdamente inadequadas para quem se encontra no fundo do poço.

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O grave, lembraram os dois, é que este empenho pró-reformas tem um efeito duas vezes nocivo. Não só impede que a economia brasileira já comece a trilhar caminhos para vencer uma situação desesperadora. Também elimina pontes que poderiam ser úteis no futuro, quando o país estivesse sob cuidados de outros governos.

O aspecto imperdoável da privatização do BB, do BNDES, da Caixa, da Eletrobrás, reside aí. Ao esvaziar o núcleo econômico do Estado, o governo enfraquece a soberania da nação brasileira para planejar o destino de de 210 milhões de habitantes, uma das dez maiores economias do planeta. 

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Outro economista, Luciano Coutinho, presidente do BNDES entre 2007-2016, uma das vozes de referências para recuperação de 2008-2009, quando a atuação do governo brasileiro ganhou reconhecimento universal, lembra que em 2020 não existem elementos espontâneos para o país livrar-se de uma recessão que logo irá se transformar em depressão (TV 247, 10/6/2020).

Com isso Coutinho quer dizer que a saída para a crise não será produzida pela ação dos mercados, mas terá de ser provocada de fora para dentro, pela injeção de recursos  do Estado, mesmo em forma de créditos de longo prazo. Ele observa que a destruição de forças produtivas foi tão acentuada que a economia perdeu energia para se recuperar por conta própria. Nem empresários nem investidores externos têm confiança para fazer os necessários desembolsos. Muito menos as famílias se arriscam a mexer na poupança.

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Exposto numa entrevista a TV 247 (10/6/2020), o projeto de Luciano Coutinho envolve a construção de um programa de investimentos de infraestrutura de longo prazo -- envolvendo investimentos que ele próprio calcula em R$ 2 trilhões.

Embora Paulo Guedes seja um adversário histórico das idéias dos economistas mencionados acima, não custa recordar o que a  profundidade da crise já motivou mudanças  nas várias camadas do espectro político. Os governos da Alemanha e da França discutem, na União Européia, um pacote de 500 bilhões de euros para reforçar o sistema de saúde, facilitar a recuperação de emprego e renda, além de inovações tecnológicas.

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Apesar da biografia de reacionário espalhafatoso, Donald Trump injetou 2 trilhões de dólares na economia norte-americana. Conseguiu produzir um salto de 17,7% nas vendas do varejo de maio, contra 16,4% negativos. Mesmo assim a conta não zerou. Na média atual, o saldo é 6% negativos -- o que ajuda a manter as perspectivas de uma derrota republicana nas eleições presidenciais.  

O mesmo debate ocorre no Brasil, com a diferenças que as boas ideias estão fora do governo. No lançamento de um livro que já no título diz uma questão essencial ("Curto Circuito -- o vírus e a Volta do Estado"), a economista Laura Carvalho fez uma advertência importante para quem pensa o futuro.

Numa entrevista a TPM, ela disse que "a crise de 2008 já tinha começado a questionar a ideia neoliberal dos mercados autorregulados, que predomina desde os anos 80. Essa pandemia acelera essa crise do neoliberalismo, sem dúvida. Tratar da volta do Estado tem a ver com isso." O debate sobre o passado e o futuro do neoliberalismo começa aí.

A economista recorda que  não "há razões para pensar que esse mundo pós-pandemia vá ser mais justo", num raciocínio que reforça a importância do debate político sobre os rumos que uma nova economia pode assumir.

Laura Carvalho acredita que a diferença do próximo período será feita pela atuação do Estado, em particular em cinco esferas, onde seu papel se mostrou mais necessário: "estabilizador da economia, investidor em infraestrutura física e social, protetor dos mais vulneráveis, provedor de serviços à população e, por fim, empreendedor. " 

Repetindo, em outras circunstâncias, um desempenho coerente com a postura na crise de 2008-2009, quando disse que era possível transformar o tsunami dos derivativos numa marolinha, Lula foi um dos primeiros líderes de nosso tempo a assinalar a profundidade da crise em que a humanidade se encontra.  Em seu discurso distribuído no 1 de Maio virtual, ele fez um registro da situação:

"A pandemia deixou o capitalismo nu. Expôs à luz do sol uma verdade inquestionável: o que sustenta o capitalismo não é o capital. Somos nós, os trabalhadores. É essa verdade, nossa velha conhecida, que está levando os principais jornais do mundo, as bíblias da elite mundial, a anunciarem que o capitalismo está com os dias contados. E está mesmo".

Depois de recordar que as "grandes tragédias costumam ser parteiras de grandes transformações", Lula apontou um sentido para a recuperação econômica, deixando claro que não se trata de reconstruir a velha máquina do neoliberalismo, engrenagem que deglutiu as principais conquistas e direitos acumulados pelos trabalhadores e ao longo do século XX.

Lula disse esperar que o mundo que virá depois do coronavírus  se torne  "uma comunidade universal em que o homem e a mulher, em harmonia com a natureza, sejam o centro de tudo e que a economia, e a tecnologia estejam a serviço deles - e não o contrário, como aconteceu até hoje".

Este é o debate. A invencível desigualdade brasileira, herança de um passado escravocrata que não pode ser esquecido, nos trouxe uma missão suplementar além de combater a epidemia.

Cabe ao Estado incluir uma imensa parcela da população – metade ou até mais – prejudicada por uma história de injustiça e exclusão que não lhe permitiu formar renda nem ter meios próprios para proteger-se nessa hora terrível.

Há dois meses, aqui neste espaço, fiz uma afirmação que continua desesperadamente  atual:  

"Ou nosso país renascerá unificado e solidário da maior catástrofe do século. Ou não sairá". 

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