O muro do Corpo de Bombeiros e a ousadia de enfrentar

O jornalista Mauro Lopes, editor do 247 e fundador do canal Paz e Bem escreve sobre a energia e paixão que deve mover aqueles que desejam um mundo de justiça, paz e partilha. Há muros enorme e gente muito poderosa do lado de lá, mas, mesmo assim "devido à coragem e ousadia de tanta gente que enfrentou o muro as utopias encontram, aqui e ali, tempo e lugar de se tornarem vida".



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Lá estávamos nós, um grupo de 5 jovens, três meninos e duas meninas de 16-17 anos, diante daquele enorme muro branco. Dois ficaram encostados à parede, de cada lado, a uns dois metros, enquano a artista dentre nós começou o trabalho. Era janeiro de 1977, pouco depois do Massacre da Lapa, quando dirigentes do PC do B haviam sido chacinados pelos militares na zona oeste de São Paulo.

O trabalho começou: "Abaix...". A palavra não foi teminada, o pincel ficou parado enquanto brotou atrás de nós um homem do Corpo de Bomebeiros, arma em punho. "Mas o que é que vocês estão pensado de vir pichar o muro do Corpo de Bombeiros?". Ele tinha razão. Hoje dou risada, mas não havia razão alguma para risos na época. 

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Estávamos ali, à beira da Praça da Sé, que fora palco, ano e meio antes, do ato inter-religioso em memória da Valdimir Herzog. Respirávamos ainda o ar pesado da ditadura.

Encaminhados ao Departamento de Ordem Social e Política (DOPS),  ali perto, passamos o resto da madrugada sem violência física, mas intimidados e meio vexadas e vexados pela escolha do muro. 

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Fomos embora na manhã, com mais uma anotação nas nossas fichas; para uma menina e um menino do grupo, foi abertura de suas fichas no órgão de repessão política. 

Todos continuamos a atuar no movimento estudantil, no combate à ditadura. 

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O fiasco de nossa ação remete, claro, às perguntas do cálculo racional: "Vocês não pensaram? Não planejaram? Qual foi o resultado?"

Pensamos, planejamos, esquecemos do um detalhe de quem estava do lado de lá do muro... O resultado foi talvez irrisório. De qualquer forma, até o começo da tarde daquele dia, enquanto os bombeiros aindsa não haviam repintado o muro, quem passou diante do Corpo de Bomeiros viu o "Abaix" pichado e soube que ali houve resistência. 

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Sim, é preciso, na luta política, estratégia, tática, mensurar forças, estabeler ações factíveis, obter resultados. Mesmo porque esses resultados efetivos da ação política têm o condão de  definir a vida de milhões de pessoas.

Mas há também um "para além" dos cálculos, estratégias e táticas. Há nosso dever, nosso desejo, nosso coração. Eles são os motores de nossa ação. Sem eles, não chegaremos aos cálculos e estratégias. 

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E é em boa medida devido  à coragem e ousadia de tanta gente que enfrentou o muro que as utopias encontram, aqui e ali, tempo e lugar de se tornarem vida.

Do lado de lá do muro sempre há gente muito poderosa, armada, capaz de tudo, sem freios. Os que se apresentam diante do muro, os sem-terra, sem teto, estudantes, professores, gentes sem conta de tantas cores e jeitos e histórias muitas veze não têm ideia da força do lado de lá do muro.

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Mas ousam enfrentar. São anunciadoras e anunciadores do tempo bom, da terra farta, da mesa abundante, das rodas e risadas.

É gente que, como um dia disse Jean Cocteau, sem saber que era impossível vai lá e faz. E está fazendo, neste exato instante, diante de cada muro no Brasil.  

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