O morto nosso de cada dia...

"Nas favelas, ninguém era suspeito: eram todos criminosos", escreve o jornalista Eric Nepomuceno

Operação policial no Complexo do Alemão
21/07/2022
Operação policial no Complexo do Alemão 21/07/2022 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Por Eric Nepomuceno, para o 247

Pois é: enquanto o pão nosso de cada dia da oração católica falta cada vez mais na mesa de milhões de brasileiros, sobram os mortos, principalmente no Rio de Janeiro.

continua após o anúncio

Em 2018, e na onda de Jair Messias, foi eleito governador um tal de Wilson Witzel, uma figurinha abjeta de quem ninguém jamais tinha ouvido falar. Começou pregando que a polícia assassinasse suspeitos. 

Nas favelas, ninguém era suspeito: eram todos criminosos.

continua após o anúncio

Afastado por corrupção, em seu lugar assumiu o vice, Claudio Castro, figurinha conhecida nos porões da política mais asquerosa e rasteira do Rio. 

Em pouco mais de ano e meio no posto de governador conseguiu um fato insólito: tornou-se o mais letal dos governantes do estado.

continua após o anúncio

Em maio de 2021 foram 28 mortos numa ação policial na favela do Jacarezinho. Exatamente um ano depois, maio de 2022, quase bate o próprio recorde: 25 mortos na favela da Vila Cruzeiro. Pois agora, quinta-feira passada, no Complexo do Alemão – um amontoado de favelas –, foram 20. 

Uma das vítimas foi um cabo da Polícia Militar. Outras duas foram mulheres que não tinham nada a ver com nada. Uma delas estava com o namorado num automóvel que sequer foi parado pelos policiais: eles atiraram direto. 

continua após o anúncio

Das outras 17 vítimas, seis não tinham nenhum antecedente policial. Mas estavam numa favela, e, portanto, eram do mal.

Faz tempo, e muito, que os criminosos, em suas duas vertentes – os criminosos-criminosos e os criminosos-milicianos protegidos pela família de Jair Messias –, dominam vastas áreas do Rio de Janeiro. 

continua após o anúncio

Sua presença foi detectada em quase 70% da área urbana, e mais da metade da região metropolitana do Rio de Janeiro está debaixo de seu controle direto e sanguinário.

Em semelhante cenário, não surpreende que a criminalidade atue à vontade, quando não em conluio com policiais, mediante a secular e sempre bem-vinda prática do suborno. 

continua após o anúncio

É compreensível, então, que as forças de segurança tratem de entrar em ação para conter a expansão do crime.

Quer dizer: compreensível seria, se essa ação fosse antecedida por um meticuloso trabalho de inteligência (em todos os sentidos da palavra: informação prévia e de raciocínio na hora de planejar o que seria feito), com o objetivo de prender criminosos e proteger a vida de quem mora nessas comunidades abandonadas à própria sorte.

continua após o anúncio

Pois o que vimos até agora é exatamente o contrário.

As polícias do Rio, tanto a Civil como a Militar, são de uma incompetência apenas comparável ao seu lado sanguinário, destruidor, e sua maciça vertente de corrupção deslavada.

Se é natural que um policial atacado trate de se defender, e que essa ação de defesa eventualmente resulte na morte do agressor, não tem nada de natural que uma polícia invada áreas residenciais atirando a esmo, eliminando não apenas criminosos que deveriam ser presos e não mortos, mas também habitantes da região. 

Pois é isso que acontece em dez de cada dez ações policiais no Rio.

Para pessoas como Claudio Castro, bolsonarista leal, bandido bom é bandido morto. 

E morador de favelas é, antes de tudo, um suspeito de ser bandido. Portanto, se não for e acabar morto, é, lamentavelmente, parte do jogo. 

Daí vem o morto nosso de cada dia, entre eles os que apenas buscavam o tal pão da prece dos católicos.

Uma coisa me impressiona há décadas no Rio: nas batidas policiais, principalmente nas de trânsito, eu, branco, quase nunca sou parado. 

Já os negros, especialmente os que dirigem motos e automóveis vistosos, são irremediavelmente parados – e submetidos a vexame por policiais igualmente negros, e igualmente vítimas de preconceito. 

É o racismo do racismo: se é um negro dirigindo um carro igual ao meu, claro que é suspeito. 

Já eu, branco, estou em meu pleno direito de ir e vir.

Cláudio Castro é, mais que uma figureta abominável, um ativo incentivador da criminosa tendência assassina das polícias do Rio.

É o retrato de uma sociedade que incendeia as ações de desigualdade, que condena trabalhadores à imagem de criminosos ou suspeitos de qualquer coisa, um retrato de até que ponto os brasileiros podemos ser abjetos.

O retrato de uma sociedade racista, misógina, imoral e assassina.

E tem gente que vota nessa estirpe asquerosa, confirmando a aberração que se chama de Brasil, o país – conforme afirmou, com toda razão do mundo, Darcy Ribeiro – que tem a elite mais atrasada e criminosa de toda a América Latina.

Mais mortos virão. A cada dia. 

Apoie a iniciativa do Jornalistas pela Democracia no Catarse

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247