O milagre chinês revisitado

Os excepcionalistas ocidentais podem continuar a surtar 24/7 ad infinitum: isso não vai mudar o curso da história

Evento de 100 anos de fundação do Partido Comunista da China reúne milhares de participantes em Pequim
Evento de 100 anos de fundação do Partido Comunista da China reúne milhares de participantes em Pequim (Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters)


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Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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A comemoração dos cem anos do Partido Comunista Chinês (PCC) ocorre nesta semana, no cerne de uma incandescente equação geopolítica.

A China, a superpotência emergente, está de volta à proeminência global que teve por longos séculos de história registrada, enquanto o Hegêmona em declínio vê-se paralisado pela "ameaça existencial" colocada à seu transitório e unilateral domínio. 

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Uma mentalidade de confrontação de espectro total, já esboçada na Emenda à Segurança Nacional dos Estados Unidos, de 2017, vem rapidamente degenerando em medo, aversão e sinofobia implacável.

Acrescente-se a isso a parceria estratégica ampla Rússia-China expondo de forma evidente o supremo pesadelo mackinderiano das elites anglo-americanas desgastadas por "dominar o mundo"  por apenas dois séculos, na melhor das hipóteses.

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O Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping talvez tenha cunhado a fórmula suprema para aquilo que muitos ocidentais definem como o milagre chinês:

"Buscar a verdade nos fatos, e não em dogmas, quer orientais ou ocidentais".

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Nunca se tratou de intervenção divina, portanto, mas sim de planejamento, trabalho duro e aprendizado por tentativa e erro.

A mais recente sessão do Congresso Nacional do Povo oferece um nítido exemplo. Não apenas foi aprovado um novo  Plano Quinquenal, mas também um mapa completo para o desenvolvimento chinês até 2035: três planos em um.

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O que o mundo inteiro viu, na prática, foi a óbvia eficiência do sistema de governança chinês, capaz de formular e implementar estratégias geoeconômicas extremamente complexas após intensos debates locais e regionais sobre uma vasta gama de iniciativas políticas. 

Compare-se isso às incessantes rixas que praticamente paralisam as democracias liberais do Ocidente, incapazes de planejar sequer para o próximo trimestre, quanto mais para quinze anos.

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As melhores e mais brilhantes mentes chinesas seguem Deng à risca e não ligam a mínima para a politização dos sistemas de governança. O importante é o que é definido como um sistema altamente eficaz de formular planos de desenvolvimento SMART (específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e temporalmente delimitados) e pô-los em prática.

85% de aprovação popular

No início de 2021, antes do começo do Ano do Búfalo de Metal, o Presidente Xi Jin Ping ressaltou que "condições sociais favoráveis" estariam em vigor por ocasião das celebrações do centenário do PCC.

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Ignorando as ondas de demonização vindas do Ocidente, o que importa para a opinião pública chinesa é o sucesso alcançado pelo PCC. E sucesso foi de fato alcançado (mais de 85% de aprovação popular). A China controlou a covid-19 em tempo recorde, o crescimento econômico está de volta, o alívio da pobreza foi alcançado e o estado-civilização tornou-se uma "sociedade moderadamente próspera" - bem a tempo para o centenário do PCC.

Desde 1949, a economia chinesa cresceu 189 vezes em tamanho. Ao longo das duas últimas décadas, o PIB chinês aumentou em 11 vezes. De 2010 para cá, o PIB mais que dobrou, de 6 trilhões para 15 trilhões de dólares, e hoje responde por 17% da produção econômica global.

Não surpreende que os resmungos ocidentais não tenham a menor relevância. Eric Lee, chefão do Shangai Capital Investments, descreve o abismo existente entre as duas formas de governar: nos Estados Unidos, o governo muda, mas não as políticas. Na China, o governo não muda, mas as políticas, sim.

Esse é o pano de fundo para o próximo estágio de desenvolvimento - quando o PCC irá de fato dobrar a aposta em seu singular modelo híbrido de "socialismo com características chinesas".

O ponto principal é que as lideranças chinesas, por meio de ajustes contínuos em suas políticas (tentativa e erro, sempre) fez surgir um modelo de "ascensão pacífica" - na sua própria terminologia - que essencialmente respeita as imensas experiências históricas e culturais da China.

Neste caso, o excepcionalismo chinês significa respeitar o confucionismo - que privilegia a harmonia e repudia o conflito - bem como o Taoísmo - que privilegia o equilíbrio - de preferência ao modelo ocidental turbulento, antagônico e hegemônico.

Essa postura se reflete nos grandes ajustes nas políticas, tais como a "dupla circulação", que coloca ênfase maior no mercado interno, ao contrário de ver a China como a "fábrica do mundo".

Passado e futuro se entrelaçam estreitamente na China: o que foi feito em dinastias anteriores ecoa no futuro. O melhor exemplo contemporâneo são as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) - o grande conceito chinês de política externa para o futuro previsível.

Tal como detalhado pelo Professor Wang Yiwei, da Universidade de Renmin, a ICR está em vias de dar nova forma à geopolítica, "trazendo a Eurásia de volta a seu lugar histórico ao centro da civilização humana". Wang demonstrou que as "duas grandes civilizações do Oriente e do Ocidente eram ligadas até que a ascensão do Império Otomano interrompeu a Antiga Rota da Seda".

O impulso marítimo europeu levou à "globalização por colonização", ao declínio da Rota da Seda, ao deslocamento do centro do mundo para o Ocidente, à ascensão dos Estados Unidos e ao declínio da Europa. Agora, afirma Wang, "a Europa se vê confrontada com uma oportunidade histórica de retornar ao centro do mundo com a revitalização da Eurásia".

E é exatamente isso que o Hegêmona fará o possível e o impossível para evitar.

Zhu e Chi

Seria justo afirmar que o contraparte histórico de Xi é o Hongwu imperador Zhu, fundador da dinastia Ming (1368-1644). O imperador gostava de apresentar sua dinastia como uma renovação chinesa apos o domínio mongol da dinastia Yuan.

Xi apresenta a mesma ideia como o "rejuvenescimento chinês": "A China era uma potência econômica mundial. Ela, no entanto, perdeu sua chance na esteira da Revolução Industrial e das mudanças radicais que daí derivaram, ficando assim para trás e sofrendo humilhações sob o jugo da invasão estrangeira... não podemos deixar que essa história trágica se repita".

A diferença é que a China do século XXI não se recolherá para dentro, como ocorreu sob a dinastia Ming. O paralelo para o futuro próximo seria a dinastia Tang (618-907), que privilegiou o comércio e as interações com o mundo externo.

Comentar a enxurrada de interpretações equivocadas provenientes do Ocidente é perda de tempo. Para os chineses, para grande parte da Ásia e para o Sul Global é muito mais relevante registrar que a narrativa imperial - "somos os libertadores da Ásia-Pacífico - foi totalmente desmoralizada.

Na verdade, é bem possível que o Presidente Mao acabe rindo por último. Como ele escreveu em 1957, "se os imperialistas insistirem em desencadear uma terceira guerra mundial, é certo que muitas centenas de milhões se voltarão para o socialismo, e então não sobrará muito espaço sobre a terra para os imperialistas. É também muito provável que toda a estrutura do imperialismo venha a cair por terra ".

Martin Jacques, um dos poucos ocidentais que de fato estudaram a China a fundo, apontou, com razão, que a "China, por cinco períodos separados, desfrutou de uma posição de preeminência - ou preeminência compartilhada - mundial: parte da dinastia Han, a dinastia Tang, possivelmente a Song, os primeiros tempos das dinastias Ming e Qing".

Historicamente, portanto, a China representa uma renovação e um "rejuvenescimento" contínuos (Xi). Estamos bem em meio a uma outra dessas fases - agora conduzida pela dinastia PCC que, incidentalmente, não acredita em milagres, mas em rigoroso planejamento. Os excepcionalistas ocidentais podem continuar a surtar 24/7 ad infinitum: isso não vai mudar o curso da história.

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