O milagre chinês revisitado
Os excepcionalistas ocidentais podem continuar a surtar 24/7 ad infinitum: isso não vai mudar o curso da história
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Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
A comemoração dos cem anos do Partido Comunista Chinês (PCC) ocorre nesta semana, no cerne de uma incandescente equação geopolítica.
A China, a superpotência emergente, está de volta à proeminência global que teve por longos séculos de história registrada, enquanto o Hegêmona em declínio vê-se paralisado pela "ameaça existencial" colocada à seu transitório e unilateral domínio.
Uma mentalidade de confrontação de espectro total, já esboçada na Emenda à Segurança Nacional dos Estados Unidos, de 2017, vem rapidamente degenerando em medo, aversão e sinofobia implacável.
Acrescente-se a isso a parceria estratégica ampla Rússia-China expondo de forma evidente o supremo pesadelo mackinderiano das elites anglo-americanas desgastadas por "dominar o mundo" por apenas dois séculos, na melhor das hipóteses.
O Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping talvez tenha cunhado a fórmula suprema para aquilo que muitos ocidentais definem como o milagre chinês:
"Buscar a verdade nos fatos, e não em dogmas, quer orientais ou ocidentais".
Nunca se tratou de intervenção divina, portanto, mas sim de planejamento, trabalho duro e aprendizado por tentativa e erro.
A mais recente sessão do Congresso Nacional do Povo oferece um nítido exemplo. Não apenas foi aprovado um novo Plano Quinquenal, mas também um mapa completo para o desenvolvimento chinês até 2035: três planos em um.
O que o mundo inteiro viu, na prática, foi a óbvia eficiência do sistema de governança chinês, capaz de formular e implementar estratégias geoeconômicas extremamente complexas após intensos debates locais e regionais sobre uma vasta gama de iniciativas políticas.
Compare-se isso às incessantes rixas que praticamente paralisam as democracias liberais do Ocidente, incapazes de planejar sequer para o próximo trimestre, quanto mais para quinze anos.
As melhores e mais brilhantes mentes chinesas seguem Deng à risca e não ligam a mínima para a politização dos sistemas de governança. O importante é o que é definido como um sistema altamente eficaz de formular planos de desenvolvimento SMART (específicos, mensuráveis, alcançáveis, relevantes e temporalmente delimitados) e pô-los em prática.
85% de aprovação popular
No início de 2021, antes do começo do Ano do Búfalo de Metal, o Presidente Xi Jin Ping ressaltou que "condições sociais favoráveis" estariam em vigor por ocasião das celebrações do centenário do PCC.
Ignorando as ondas de demonização vindas do Ocidente, o que importa para a opinião pública chinesa é o sucesso alcançado pelo PCC. E sucesso foi de fato alcançado (mais de 85% de aprovação popular). A China controlou a covid-19 em tempo recorde, o crescimento econômico está de volta, o alívio da pobreza foi alcançado e o estado-civilização tornou-se uma "sociedade moderadamente próspera" - bem a tempo para o centenário do PCC.
Desde 1949, a economia chinesa cresceu 189 vezes em tamanho. Ao longo das duas últimas décadas, o PIB chinês aumentou em 11 vezes. De 2010 para cá, o PIB mais que dobrou, de 6 trilhões para 15 trilhões de dólares, e hoje responde por 17% da produção econômica global.
Não surpreende que os resmungos ocidentais não tenham a menor relevância. Eric Lee, chefão do Shangai Capital Investments, descreve o abismo existente entre as duas formas de governar: nos Estados Unidos, o governo muda, mas não as políticas. Na China, o governo não muda, mas as políticas, sim.
Esse é o pano de fundo para o próximo estágio de desenvolvimento - quando o PCC irá de fato dobrar a aposta em seu singular modelo híbrido de "socialismo com características chinesas".
O ponto principal é que as lideranças chinesas, por meio de ajustes contínuos em suas políticas (tentativa e erro, sempre) fez surgir um modelo de "ascensão pacífica" - na sua própria terminologia - que essencialmente respeita as imensas experiências históricas e culturais da China.
Neste caso, o excepcionalismo chinês significa respeitar o confucionismo - que privilegia a harmonia e repudia o conflito - bem como o Taoísmo - que privilegia o equilíbrio - de preferência ao modelo ocidental turbulento, antagônico e hegemônico.
Essa postura se reflete nos grandes ajustes nas políticas, tais como a "dupla circulação", que coloca ênfase maior no mercado interno, ao contrário de ver a China como a "fábrica do mundo".
Passado e futuro se entrelaçam estreitamente na China: o que foi feito em dinastias anteriores ecoa no futuro. O melhor exemplo contemporâneo são as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) - o grande conceito chinês de política externa para o futuro previsível.
Tal como detalhado pelo Professor Wang Yiwei, da Universidade de Renmin, a ICR está em vias de dar nova forma à geopolítica, "trazendo a Eurásia de volta a seu lugar histórico ao centro da civilização humana". Wang demonstrou que as "duas grandes civilizações do Oriente e do Ocidente eram ligadas até que a ascensão do Império Otomano interrompeu a Antiga Rota da Seda".
O impulso marítimo europeu levou à "globalização por colonização", ao declínio da Rota da Seda, ao deslocamento do centro do mundo para o Ocidente, à ascensão dos Estados Unidos e ao declínio da Europa. Agora, afirma Wang, "a Europa se vê confrontada com uma oportunidade histórica de retornar ao centro do mundo com a revitalização da Eurásia".
E é exatamente isso que o Hegêmona fará o possível e o impossível para evitar.
Zhu e Chi
Seria justo afirmar que o contraparte histórico de Xi é o Hongwu imperador Zhu, fundador da dinastia Ming (1368-1644). O imperador gostava de apresentar sua dinastia como uma renovação chinesa apos o domínio mongol da dinastia Yuan.
Xi apresenta a mesma ideia como o "rejuvenescimento chinês": "A China era uma potência econômica mundial. Ela, no entanto, perdeu sua chance na esteira da Revolução Industrial e das mudanças radicais que daí derivaram, ficando assim para trás e sofrendo humilhações sob o jugo da invasão estrangeira... não podemos deixar que essa história trágica se repita".
A diferença é que a China do século XXI não se recolherá para dentro, como ocorreu sob a dinastia Ming. O paralelo para o futuro próximo seria a dinastia Tang (618-907), que privilegiou o comércio e as interações com o mundo externo.
Comentar a enxurrada de interpretações equivocadas provenientes do Ocidente é perda de tempo. Para os chineses, para grande parte da Ásia e para o Sul Global é muito mais relevante registrar que a narrativa imperial - "somos os libertadores da Ásia-Pacífico - foi totalmente desmoralizada.
Na verdade, é bem possível que o Presidente Mao acabe rindo por último. Como ele escreveu em 1957, "se os imperialistas insistirem em desencadear uma terceira guerra mundial, é certo que muitas centenas de milhões se voltarão para o socialismo, e então não sobrará muito espaço sobre a terra para os imperialistas. É também muito provável que toda a estrutura do imperialismo venha a cair por terra ".
Martin Jacques, um dos poucos ocidentais que de fato estudaram a China a fundo, apontou, com razão, que a "China, por cinco períodos separados, desfrutou de uma posição de preeminência - ou preeminência compartilhada - mundial: parte da dinastia Han, a dinastia Tang, possivelmente a Song, os primeiros tempos das dinastias Ming e Qing".
Historicamente, portanto, a China representa uma renovação e um "rejuvenescimento" contínuos (Xi). Estamos bem em meio a uma outra dessas fases - agora conduzida pela dinastia PCC que, incidentalmente, não acredita em milagres, mas em rigoroso planejamento. Os excepcionalistas ocidentais podem continuar a surtar 24/7 ad infinitum: isso não vai mudar o curso da história.
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