O mensageiro

A jurista Carol Proner considera que a conversa do dono do BTG Pactual, André Esteves, com seus clientes, pode ter sido vazada intencionalmente. "Uma jogada bastante vulgar de autopromoção e para mandar recados econômicos e políticos a quem possa interessar", escreve

André Esteves
André Esteves (Foto: Reuters)


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Por Carol Proner

Por estes dias tem circulado nas redes um áudio – veiculado pelo Brasil 247– revelando uma conversa franca e sincera entre o banqueiro André Esteves e jovens estrategistas do mercado financeiro.

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O bilionário, famoso pela capacidade de se regenerar economicamente e voltar ao jogo (Back to The Game – possível referência para o acrônimo do BTG Pactual) dedica 60 minutos a uma espécie de áudio-aula (áudio-lecture) buscando tranquilizar o mercado diante do que foi entendido como “ataques ao teto de gastos” com a aprovação dos 400 reais para o novo Bolsa Família visando a reeleição de Jair Bolsonaro.

Pelo conteúdo das lições transmitidas de forma “aberta e transparente entre pessoas inteligentes, gente boa”, nas palavras banqueiro, não seria de espantar que o vazamento fosse intencional, uma jogada bastante vulgar de autopromoção e para mandar recados econômicos e políticos a quem possa interessar.

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Sentado sobre almofadas em nível mais baixo do que o da plateia, o humilde professor pediu um copo d’água para em seguida gabar-se dos contatos com a alta cúpula do poder político, de consultar e ser consultado por ministros, deputados e por autoridades da alta administração federal e arrancou gostosas risadas com frases de efeito como “os políticos não são nem bons nem maus”(...) “nossa obrigação é conversar, explicar, ensinar as causas e consequências dos seus atos”, referindo-se com naturalidade ao que considera erros políticos.

Ressalvando a importância da âncora fiscal prevista na Constituição, Esteves minimizou a fissura no teto e referendou o Auxílio Brasil comparando-o ao Bolsa Família de Lula, que na verdade teria sido invenção do tucano Paulo Renato quando Ministro da Educação de FHC. E repetindo um mantra do liberal-igualitarismo estadunidense dos anos 80-90, as chamadas políticas de ação afirmativa, teorizou: “nós que temos privilégios, se a gente puder fazer uma pequena transferência de renda para aqueles que não tiveram educação, não tiveram acesso, (isso) traz uma enorme paz social para a sociedade.

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O áudio vazou e circulou amplamente transmitindo muitos recados: De que os 400 reais mudam pouco o problema de déficit do Brasil, de que a âncora segue firme assim como a credibilidade do teto, e de que se o mercado se estressa é por não saber o que o governo fará a partir de agora.

Enaltecendo a autonomia do Banco Central, também minimizou o problema dos juros e confidenciou ter recebido telefonema do próprio Roberto Campos Neto sinalizando qual seria o piso ideal da taxa de juros no país.

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Neste ponto, embora tenha sido uma ostentação um tanto genérica, Esteves pode ter se arriscado no terreno da ortodoxia do mercado financeiro, pois confessa abertamente o tráfico de informações privilegiadas que podem muito bem ser interpretadas como graves distorções.

E então chega ao ponto mais interessante de uma estratégia política que pode ser aproveitada no espalhamento do áudio, as wishful thinkings, o raciocínio baseado no desejo transformado em “advertências”: o vento da sociedade é de centrodireita, nossas pesquisas internas indicam forte apoio da população a Jair Bolsonaro, a população apoia amplamente a reforma administrativa, Lula tem uma falsa baixa rejeição, o problema não é Lula mas o PT e a esquerda só terá vez dentro de uns 10 anos com Tábata Amaral.

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E por que é importante destacar esse aspecto “mensageiro” do áudio vazado? Percebe-se claramente que o mercado do qual André Esteves é orgulhoso porta-voz está disposto a tudo, respaldando um Guedes heterodoxo, minimizando offshores, monetizando informações  privilegiadas, e garantindo apoio a Bolsonaro – se necessário - sem qualquer pudor. Não há crise ética nem limites de bom senso diante de 600 mil mortos, nada que possa limitar um sociopata de fazer cálculos e ventilar cenários políticos ideais para o rentismo financeiro o.

Ao final da entrevista, e já respondendo às perguntas dos pupilos entusiasmados, André Esteves admite simetrias entre o golpe militar de 1964 e o impeachment de Dilma Rousseff como sendo, comparativamente freios e contrapesos necessários do “centrão” na preservação do centenário republicanismo do Brasil, signo da sofisticação social de um país de imigrantes europeus convivendo com japoneses, sírio-libaneses, afrodescendentes e indígenas em movimento incontornavelmente centrípeto. 

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O áudio termina com aplausos de uma claque disposta a tudo para destruir o que resta de Brasil.

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