O mau selvagem

Claudio Castro
Claudio Castro (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)


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Entre as contribuições que nos legou com a sua obra, uma das mais importantes, com impacto na teoria política posterior, Jean-Jacques Rousseau nos deixou o conceito de “bom selvagem”. Herdado de Montaigne, como resultado de uma festa de indígenas brasileiros em Rouen, o contraste entre a nobreza daqueles indivíduos, ao mesmo tempo desprovidos de quaisquer demonstrações de riqueza, impressionou a sociedade francesa. Daí as elaborações do autor de O contrato social, afirmando a ideia de uma bondade natural do homem, deformado e corrompido, em contrapartida, pela convivência no grupo social. Ouvindo-o, a época não seria mais a mesma. O próprio marxismo se inspirou nele, imaginando uma revolução na economia e nos costumes que nos libertasse das amarras da opressão e nos devolvesse ao que, de fato, éramos. 

Pois o que se passa hoje no Brasil e, em particular, no Estado do Rio de Janeiro, com o Sr. Cláudio Castro à frente, aí se acha para inverter as equações e, no lugar do bom, impor, ao contrário, o mau selvagem. Este não habita nas florestas, ainda preservadas e valorizadas pelas populações originais. Habita, ao que parece, nos salões da administração púbica, quando as autoridades se põem a planejar e decidem, com apoio dos quadros da polícia, civil e militar, como matar mais e eficientemente os pobres nas favelas. E que não venham a afirmar que o seu alvo são bandidos dispostos a assaltar e vitimar o comum da população. Os massacres promovidos pelo Sr. Castro ultrapassam as razões do senso comum. Ele acredita que, assim agindo, por força de uma propaganda insistente e ardilosa, contará com a adesão dos eleitores em sua campanha (macabra) para a reeleição. 

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O “bom selvagem”, segundo Rousseau, seria aquele que, com a sua simplicidade, salvaria o mundo. O “mau”, o que atualmente pulula nos quadros da política brasileira e fluminense, ávido por dinheiro e prestígio, sem noção de cidadania, expõe, provavelmente, o que há de pior em nossa época, representada pela hipótese da repressão e das balas de fuzil. A população, confundida entre valores distorcidos de toda ordem, tem de caminhar no meio de teias de aranha as mais densas e venenosas. De qualquer forma, a violência dos massacres escandalizou a opinião geral. Entidades como a OAB, a ABI, a Anistia Internacional, entre outras, se mobilizaram para denunciar o fato e criar uma atmosfera de indignação que, pelo menos, se erga contra o arbítrio. É difícil, a esta altura, calcular como chegamos tão longe na má qualidade da nossa política. Os fatores são inúmeros. Um deles resultou do golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff do poder e nos abriu a caixa de pandora de maldições incrustadas em nossa mentalidade desde a colonização – e guardada a sete chaves. 

No entanto, nem todos os espaços, em nosso ambiente, foram ocupados pela barbárie. O mau selvagem, a pé ou de motocicleta, anda à solta a passear pelos edifícios públicos da capital e dos palácios de governo. Quer, com certeza, exibir os seus tristes talentos, intimidar e acuar nossa visão de cidadania. Contra ele, vale a pena reler Rousseau e fincar um pé nas tradições do humanismo. É bom pensar três vezes para impedir que estes indivíduos se perpetuem no poder.

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