O manual do golpista amador

"Chamar aquilo que aconteceu em Brasília em 8/1 de tentativa de golpe de estado é um insulto aos verdadeiros golpistas", diz Alex Solnik

Forças de segurança diante de apoiadores de Jair Bolsonaro em Brasília
Forças de segurança diante de apoiadores de Jair Bolsonaro em Brasília (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)


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Pensando bem, passado quase um mês, chamar aquilo que aconteceu em Brasília em 8/1 de tentativa de golpe de estado é um insulto aos verdadeiros golpistas. 

Tentativa de golpe de estado foi o que ocorreu na Venezuela, a 11 de abril de 2002. O presidente Hugo Chávez foi detido pelo Exército. Congresso e Supremo foram dissolvidos. Mas, em 47 horas, os generais, sem encontrar consenso e apoio internacional, deram para trás. Esse é um exemplo de tentativa de golpe de estado fracassada. 

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Há exemplos “bem sucedidos”. A 1o. de fevereiro de 2021, a líder de Mianmar, Aung San Suu kyi, foi presa pelo comando do Exército, tal como o presidente do país, Win Myint e outros líderes do partido que estava no poder. Os militares continuam mandando e desmandando em Mianmar.

Tanto na Venezuela quanto no país asiático, os golpes tinham imagens em comum: tanques deslizando nas ruas, generais no comando. 

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Os episódios golpistas de Brasília foram: 1) uma bomba que iria explodir no aeroporto, mas não explodiu; 2) minuta de um decreto impondo estado de defesa no TSE (o que não existe no ordenamento jurídico brasileiro); 3) depredação de uma delegacia de polícia e queima de ônibus na capital da República, contida em algumas horas; 4) plano de grampear e prender o ministro do TSE Alexandre de Moraes e 5) invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes que durou duas horas. 

Foram episódios tão mequetrefes quanto o governo que as gerou. Se o golpe tivesse sido engendrado por profissionais, o foco não seria a depredação do Palácio do Planalto, e sim a prisão do presidente da República. Não adianta ocupar o prédio. Isso não é tomar o poder. Tomar o poder é ocupar e governar. O que só é possível afastando o presidente. 

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Assim como não adianta quebrar a sede do STF para consumar um golpe. É preciso prender os ministros. Ou impedi-los de exercer suas funções. 

Para serem bem sucedidos na aventura, os golpistas tinham que mandar “tropas” para Araraquara, onde Lula estava e tentar prendê-lo. Isso jamais foi tentado. E nem seria possível prender o presidente, a não ser que as Forças Armadas tivessem decidido fazê-lo. 

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Mas sob qual pretexto iriam prender um presidente da República eleito uma semana antes e que não era acusado de crime algum? O governo que substituiria o de Lula teria alguma credibilidade? Algum país sério o reconheceria?

O mesmo argumento cabe para rebater a hipótese de que o golpe foi evitado porque Lula rejeitou a GLO. A GLO é uma operação militar, mas o comandante-em-chefe é o presidente da República. Não há hipótese de o general que assume o comando da operação derrubar o presidente. A não ser, mais uma vez, que ele mandasse prender Lula. Mas por que o prenderia?  

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A tese de que o plano seria quebrar tudo e em seguida receber reforço do Exército também não se sustenta. Não havia conflito entre bolsonaristas e lulistas; se houvesse, ainda seria plausível conjecturar que o Exército viria em defesa dos bolsonaristas.

Ocorre que os bolsonaristas estavam quebrando bens públicos e não enfrentando petistas. O Alto Comando das Forças Armadas mandaria tanques e tropas com o objetivo de protegê-los? Proteger vândalos?  

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Para serem “bem sucedidos” em seu crime, os golpistas tinham que ocupar os principais veículos de comunicação do país, ou seja, a TV Globo, para impor a sua narrativa. No entanto, a TV Globo desde o início da invasão definiu-os como golpistas e terroristas.      

Para serem bem sucedidos, os bolsonaristas tinham que ter apoio dos principais governadores, a exemplo do que ocorreu em 1937 e em 1964. Mas governador algum os apoiou.

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Para serem bem sucedidos, os invasores tinham que ter armas. Não tinham. Assim que a polícia foi acionada para expulsá-los, foram rapidamente expulsos. E presos. Não todos, mas muitos. Não estavam preparados para resistir.

Para serem bem sucedidos, os invasores precisavam de tanques e canhões. Mas estes não saíram do Forte Apache.

Tudo indica que eles se guiaram pelo manual do golpista amador. O que não os isenta, nem inocenta. Eles tentaram derrubar o governo Lula, do seu jeito, mas tentaram. 

E todos têm que ser enquadrados na lei que preserva o estado democrático de direito, que tem penas pesadas, mas necessárias, desde os executores até os mentores, o principal dos quais fugiu do Brasil.      

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