O mal-estar no direito

O desafio contemporâneo foi como reconstruir a ética e o direito depois da crítica nietzschiana ao iluminismo moderno. Essa tarefa não foi fácil nem controversa entre os filósofos posteriores a ele



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DEDICADO AOS MEUS COLEGAS DA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Foi com o filósofo alemão Immanuel Kant que se erigiu a moderna filosofia do Direito e da Moral. A partir da arquitetônica de suas três críticas (Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo), e mais a metafísica dos costumes, Kant - depois de Descartes - inaugura a chamada filosofia da consciência ou do sujeito. Depois do filósofo alemão, todos ficamos kantianos (uns mais, outros menos). Kant, como Hegel, nos obrigou a interpreta-lo ou reinterpretá-lo de mil e uma maneiras dando razão a quem disse que cada grande pensador obriga os pósteros a explicitar os seus pensamentos de diversas formas.

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O essencial da visão iluminista do autor era a defesa intransigente de um sujeito ético e epistemológico autônomo, crítico e individual, capaz de decidir e pensar por si próprio, sem ajuda de ninguém (Sapere aude). O fundamento do sujeito moral estaria exatamente nessa liberdade e autonomia da vontade, tornando-o inclusive imputável, moralmente responsável pelos seus atos.

Essa famosa autonomia da vontade conduziu à majestade do "imperativo categórico" e do caráter universalmente universalizante da ética e do direito kantianos, garantidos pela existência de um "eu transcendental" que uniformizaria os "eu" individuais da perspectiva da consciência normativa e moral.

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Essa visão majestosa da Ética foi impiedosamente criticada por Frederico Nietzsche, à luz de uma filosofia da "vontade de poder", segundo diz-se, baseado numa compreensão. A luta dos contrários, o devir, o fogo e o eterno movimento das coisas. Nietzsche desconstruiu a elegante filosofia do sujeito moral de Immanuel Kant, a partir da "Genealogia da Moral", e de seu pensamento cosmológico do acaso e da necessidade (além do retorno do mesmo), dando origem a uma filosofia da transvalorização dos valores (o niilismo positivo e criador) e do advento do super-homem.

O desafio contemporâneo foi como reconstruir a ética e o direito depois da crítica nietzschiana ao iluminismo moderno. Essa tarefa não foi fácil nem controversa entre os filósofos posteriores a ele. Aqui, se apresentaram aqueles autores que se colocam no campo da Pós-modernidade, do relativismo e da filosofia da Linguagem. E os que procuraram salvar o conteúdo emancipatório e crítico da modernidade, usando a teoria dos atos de fala comunicativos. De um lado, Foucault e os pós-estruturalistas. De outro, Habermas e seus discípulos. No meio, a filosofia da Linguagem, como o novo médium de explicação da realidade. Há, também, os intermediários que uniram a crítica da razão moderna ao historicismo cultural, político e social, como Boaventura Santos, hoje associado a uma cruzada de descolonização do saber.

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Na Pós-graduação de Direito, das nossas universidades, há uma diversidade de autores e professores que se aliam ora com uma espécie de ceticismo metrológico, na ciência, na ética e na filosofia, filiando-se à escola retórica do pensamento jurídico: há os pós-modernos e sua aproximação como os autores pós-estruturalistas (Deleuze, Guatari, Lacan, Nietzsche e Foucault) e há os que defendem a crítica à razão, inclusive à razão comunicativa, em nome de uma racionalidade alternativa que nem seria discursiva ou instrumental, mas produzida em outros contextos pós-coloniais e não-europeus, E aqui não há como não recordar as críticas de Mary Young à razão comunicativa e Boaventura de Souza Santos com a sua concepção multicultural dos direitos humanos e sua hermenêutica diatópica.

Mais uma vez, como fazer o diálogo entre a razão moderna e a diversidade étnica, cultural dos povos. Europa, América Latina, Ásia e África? - É possível? Sem cair no risco de um historicismo conservador que faça uma apologia do atraso (o jeitinho brasileiro, jeca tatu, a lei de Gerson, Macunaíma), ou se caia num relativismo ético e gnosiológico perigoso, em nome do respeito às diferenças?

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Esse é o "ponto dollens" da discussão. Qual é afinal a racionalidade alternativa à moralidade kantiana do sujeito moderno, da razão discursiva e do relativismo da pós-modernidade?

Como se ver, criticar é fácil: construir algo novo já é mais difícil. Antes de se exigir dos alunos uma moralidade jurídica e filosófica alternativa, é necessário ter\apresentar uma abertura para o diálogo e o diferente. O novo não sai por obediência ou submissão à vontade dos mestres. Só com generosidade intelectual e disposição de ouvir (até o que não se gosta).

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