O liberalismo fundamentalista do governo Bolsonaro e a privatização da Petrobras
Quase mais ninguém no mundo defende que o livre jogo das forças de mercado vai produzir crescimento ou desenvolvimento econômico
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O governo de Bolsonaro tem revelado uma visão bem particular de liberalismo - o liberalismo fundamentalista. A ideia é reduzir o tamanho do Estado, a qualquer custo, e deixar que os preços flutuem ao livre jogo das forças de mercado. Intervenção, somente para controlar gastos públicos de forma a garantir recursos para pagar o serviço da dívida interna. O aumento de juros só agrava esse quadro favorecendo os rentistas, desviando recursos da economia real para o mercado financeiro e para os beneficiários de um modelo de capitalismo perverso, desigual, concentrador de renda e riqueza e alimentador de desemprego e pobreza. Quase mais ninguém no mundo defende que o livre jogo das forças de mercado vai produzir crescimento ou desenvolvimento econômico. Olhando para a experiência internacional nesse momento de reordenamento geopolítico, essa é uma tese desacreditada levando o Brasil a transitar na contramão da história e na direção de uma economia cada vez menos soberana. Para Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia 2001, um dos principais economistas críticos da gestão da globalização e do mercado livre, “o fundamentalismo de mercado, a agenda neoliberal, dominou por quatro décadas e fracassou”.
Os liberais fundamentalistas nesse governo não são anônimos, são representados por pessoas como o Ministro da Economia, Paulo Guedes, e seu discípulo Adolfo Sachsida, agora no comando do Ministério de Minas e Energia, e por outros lobistas que atuam no mercado privado, a serviço do grande capital internacional, como o Adriano Pires, que justamente por essa razão se viu impedido de assumir a presidência da Petrobras.
O manifesto divulgado pela Associação de Economistas pela Democracia (ABED), após a criação do factoide relativo à privatização da Petrobras, ilustra, de maneira bastante contundente, o descolamento da equipe do ministro com a realidade de economias como Estados Unidos e China, as duas maiores do mundo em termos de Produto Interno Bruto (PIB), e serve como alerta para a situação de fragilidade e dependência que esse liberalismo fundamentalista pode nos levar.
De acordo com o manifesto da ABED, intitulado Pela Soberania Energética e Controle Estatal da Petrobras:
“Não há país que tenha grandes reservas de petróleo, capacidade de refino e amplo mercado doméstico de derivados que abandone sua soberania energética e se submeta às flutuações dos mercados.
Acontece assim com os EUA, que têm na garantia energética o principal balizador de sua política diplomática e movimentações de suas Forças Armadas, utilizando todo o seu poder geopolítico para impedir qualquer ameaça ao fornecimento de petróleo e gás para os norte-americanos. Suas empresas atuam em conjunto com seus soldados e diplomatas.
É assim com os países do Oriente Médio, que utiliza seu enorme potencial de produção para se impor nos mercados mundiais.
É assim com a China, grande consumidor mundial, que amplia suas relações internacionais para garantir acesso ao petróleo e ao gás, além de ampliar sua capacidade interna de refino, diversificando suas fontes de suprimento.
É assim com os países da Europa, que buscam desvencilhar-se da dependência do gás natural russo, orientando ações da OTAN na guerra Rússia-Ucrânia.
É assim com a Venezuela, que sofre sanções dos EUA exatamente por ter uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Não é assim com o Brasil. Temos no pré-sal a maior reserva de petróleo novo do mundo, um mercado interno de derivados que é dos maiores do planeta e com uma capacidade de refino que era quase suficiente para atender às demandas nacionais de derivados.
Desmontaram a Petrobras, empresa integrada do poço ao posto, que produzia, refinava, distribuía o petróleo e atuava estruturando o mercado de gás natural, incluindo a garantia de oferta de eletricidade por meio das suas térmicas a gás. Essa empresa era a principal fornecedora de biocombustíveis, de fertilizantes e atuava estrategicamente na petroquímica.
Um projeto de soberania energética estava por trás do modelo de atuação da Petrobras. Um projeto de soberania nacional envolvia a criação de uma cadeia de supridores, localizados no Brasil, para atender as necessidades dos equipamentos críticos para o desenvolvimento dos projetos do pré-sal, do refino e da integração vertical da empresa. Criava-se assim uma política de geração de emprego e renda para os brasileiros.
Tudo isso vem sendo destruído a partir de 2016, depois da derrubada da Presidenta Dilma. As leis, regulações, portarias e políticas têm sido modificadas na direção de um modelo que transforma a pujança da Petrobras em uma média empresa apenas exportadora de petróleo cru, sem papel relevante no gás natural, saindo da produção em terra, diminuindo sua capacidade de refino, abandonando a distribuição de derivados e de gás de cozinha, paralisando os projetos de suas novas refinarias, deixando de atuar nos setores de biocombustíveis, fertilizantes e petroquímica.
Com o desmonte da Petrobras, o Brasil abre mão da soberania energética e se submete às flutuações de curto prazo dos mercados, garantindo alta lucratividade para os investidores, que desejam extrair o máximo de retorno no curto prazo, mesmo que isso custe a morte da empresa nos médio e longo prazos, por insuficiência dos investimentos para seu crescimento.
O abandono da soberania nacional se agravará ainda mais se os projetos de privatização completa da empresa se concretizarem. As forças vivas do país precisam se levantar contra esse modelo de subordinação a um mercado profundamente dominado por interesses geopolíticos de outras nações e movimentações especulativas dos capitais financeiros em busca de rápida valorização.
Esse modelo coloca os consumidores brasileiros à mercê dos importadores de derivados, com riscos de desabastecimento de produtos indispensáveis para o crescimento do país, principalmente se os preços internacionais continuarem nos atuais patamares, em consequência das movimentações de interesses nacionais de outros países. O que está em jogo é a subordinação da soberania nacional a empresas privadas estrangeiras, abrindo mão de ter o principal instrumento para uma política de autonomia de garantia de fornecimento de energia indispensável e produtos estratégicos para a retomada do crescimento.
A Petrobras ficará submissa aos interesses de curto prazo dos acionistas que, além do controle objetivo que hoje têm da empresa, passarão a ter o direito formal de conduzir os destinos de uma área estratégica para o desenvolvimento do país.
Petróleo não é uma mercadoria qualquer e não pode apenas ficar dependendo dos interesses privados. Todas as potências do mundo já nos ensinaram isso. Muitas guerras, conflitos, derrubadas de governo mostram a importância do controle do petróleo ao longo da História. O povo brasileiro não deixará que a Petrobras seja destruída e se insurgirá contra esses vendilhões da nossa Pátria.
É com essa visão estratégica e preocupação macroeconômica com a disparada da inflação, que empobrece a população no curto prazo, com a perda de autonomia energética que se configura como um impedimento a qualquer projeto de desenvolvimento nacional no médio e longo prazos e com a possível perda de um instrumento poderoso para levar adiante todas as preocupações aqui apontadas, é que a ABED se manifesta contra a casuística possibilidade de privatização da Petrobras ao apagar das luzes deste governo. Ação de ataque à soberania nacional que somente serviria para aumentar ganhos especulativos de curto prazo, assim como ao desmonte de qualquer futura estratégia de regulação do setor de energia e de desenvolvimento do país.”
Congratulo-me com a Associação Brasileira de Economistas pela Democracia por esse manifesto corajoso em defesa da Petrobras e da soberania nacional.
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