O laboratório das manifestações golpistas: o abismo das fake news e a falência da razão

"A realidade paralela, que alguns sugerem ser uma patologia coletiva e inclui, por exemplo, a criação de um muro das lamentações"

Homem segura bandeira brasileira durante bloqueio na BR-251 em Planaltina 31/10/2022
Homem segura bandeira brasileira durante bloqueio na BR-251 em Planaltina 31/10/2022 (Foto: REUTERS/Diego Vara)


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Em 2006, na época da universidade, um colega de turma, durante a defesa do seu trabalho de conclusão de curso, buscava responder às inquietantes perguntas formuladas pela banca. Em um momento, durante a sua arguição, fez a seguinte afirmação: “os gráficos são reais, os dados é que são hipotéticos” e prosseguiu normalmente, seguro de si. Não sei até hoje se aquela afirmação passará despercebida ou se os professores simplesmente fizeram vista grossa. 

Mais tarde, depois de sua aprovação, perguntei a ele o que seria aquela afirmação. Ele mostrou-se perplexo, como se para ele mesmo aquilo fosse uma tremenda surpresa. Aquela fora uma frase de bate-pronto, formulada apenas para safar-se da sabatina. Embora mais de uma década tenha se passado depois daquilo, fui incapaz de olvidá-lo. 

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E o mais espantoso: o que eu não sabia era o fato de que esse viria a ser um fenômeno que invadiria de vez as nossas vidas. 

Voltei a presenciar o mesmo padrão na apresentação estapafúrdia do famoso power point apresentado por Dallagnol em que este acusava o Lula de chefiar uma estrutura criminosa, sem provas, obviamente, porque embora os gráficos fossem reais, os fatos eram apenas hipotéticos, como seria viralizado, mais tarde com a famosa frase: “não temos prova, temos convicção.

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”Desse universo falso, sem qualquer vínculo com a grande mídia, que apenas se retroalimenta de fontes fictícias, constatam-se os seguintes efeitos sociais: um grupo de manifestantes golpistas comemoraram o anúncio da prisão de Alexandre de Moraes; outro grupo de manifestantes, na Bahia, aparecem comemorando a chegada de containers acreditando que  o mesmo estaria carregado de fuzis em favor da tão propalada “Intervenção Federal”; e o jocoso vídeo em que o lutador Vitor Belfort aparece esperançoso dizendo que a “única solução para o Brasil (seria) esse general aparecer: o General Benjamin Arrola! Ele precisa aparecer!” - enfatiza o lutador!

A realidade paralela, que alguns sugerem ser uma patologia coletiva e inclui, por exemplo, a criação de um muro das lamentações em versão tupiniquim, nada tem de patológico. Ocorre que, como o sistema simbólico dos bolsonaristas não possui vínculo com a realidade oficial –, sua dinâmica assemelha-se a um jogo de xadrez sem regras, em que as peças movimentam-se livremente, obedecendo o capricho do jogador. Um jogo nonsense, portanto, mesmo que “dentro das quatro linhas” do tabuleiro.

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A tática da desinformação, neste caso, pode bem servir para os interesses da guerra híbrida, que depende da mobilização das massas e da desordem. Todavia, para a manutenção e reprodução da sociedade, isto pode significar uma revolução cognitiva sombria e sem retorno, cujos efeitos não dão a menor ideia para onde possam nos levar.

Em um rápido exercício de prospecção, podemos imaginar o acúmulo intelectual desse sistema falso (paralelo) de representações se avolumando como se os livros da Biblioteca de Babel imaginada por Borges, facilitada pelo manejo dos algoritmos, passasse a preencher os espaços do discurso e mesclando, aqui e ali, tratados canônicos e a esdrúxula e transloucada patafísica do universo fake. No início, o que vemos são duas realidades em colisão, sendo que a maior parte, ainda, é a realidade assentada nos fatos e nos consensos legítimos. Depois que outros absurdos saírem dos obscuros porões da mentira (ficção aplicada à realidade), talvez o retorno à realidade dos consensos não seja mais possível.

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Neste cenário distópico, mas não fictício, em um curto espaço de tempo estaríamos mergulhados em um sistema de apagões e flashes de lucidez intercalares, algo semelhante a uma montanha russa, pico e queda de pressão permanentes ou algo próximo a um mal de Alzheimer social.

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