O infinito fica muito longe



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No prefácio do livro Tudo o que é sólido desmancha no ar, Marshall Berman, a propósito de um filho que perdera, comenta a respeito do cotidiano “infinitamente frágil e precário” que todos vivemos e que exige esforços frequentemente desesperados e heroicos. Não se escapa de semelhante quadro, a não ser quando um acidente grave, talvez a morte, nos pega de surpresa, levando de roldão tudo o que imaginávamos de estável e consistente. Berman ainda acrescenta, com uma citação de Ivan Karamazov: “acima de tudo o mais, a morte de uma criança dá ganas de devolver ao universo o seu bilhete de entrada”. Pois, enquanto providenciávamos afazeres do cotidiano, a mídia nos pôs a par do inimaginável, a insuportável morte de seiscentas ou mais crianças Yanomamis – por doença e fome. Onde, em devaneios fantásticos, voltados para nossos umbigos, supúnhamos nos aproximar do infinito, com as nossas providências, ele se foi para o espaço e levou o bilhete de entrada que reservávamos para o universo.

Realmente, nada compensa uma tragédia de tamanha dimensão. E sabemos que o governo anterior, com Bolsonaro e Damares Alves à frente, sedentos por ouro, causaram, pela poluição de rios e matas, a desgraça que agora atinge aqueles povos. Não houve irresponsabilidade. Foi coisa pior. A insensibilidade acoplada à indiferença pautou os últimos quatro anos de administração pública aos olhos da nação. Por ironia e pela gastança das verbas do Estado, caíram das nuvens ao verificar que o resultado eleitoral os retirou da presidência. Graças a isso, o que se passava em Roraima nos chegou em cores cruas numa tragédia de escandalizar o mundo. Hoje, com um governo sensível no poder, há medidas sendo tomadas. No entanto, o crime ambiental se revela de tal monta que a região aparece envenenada por pelo menos cinquenta anos, sem condições de sobrevivência. 

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Por uma vez, tomamos conhecimento de esforços desesperados empregados para alimentar, tratar e salvar aquela gente esquecida. E imaginar que ela se encontra ali desde antes da chegada dos portugueses... Difícil calcular maior poder de resistência frente à virulência de ataques de toda ordem, em especial agora, com os garimpeiros sedentos de dinheiro. Desprovidos de bens materiais, os indígenas não possuem meios de defesa diante do volume do assalto. Um grupo de pessoas amparadas por setores das forças armadas devem segurar as lágrimas tal a intensidade das cenas. A mãe entrando num helicóptero, com um bebê em cada braço, mais quinhentos anos de resistência, é grande demais para nos provar a força da vida. Por ela adquirimos de volta, quem sabe, os bilhetes de entrada para o universo.

Agora com o apoio do governo e da estrutura montada em campo, talvez seja possível recuperar a saúde de um bom número de velhos e crianças atingidos por uma situação de fato pior ainda do que qualquer epidemia - e a epidemia também está lá. Não é trabalho para dias ou mesmo anos. Será necessário fornecer água potável e comida para os desnutridos e criar laços de confiança, quando antes havia ganância e violência. Sabemos, assistindo a tudo, nas grandes capitais, que o infinito fica muito longe, terrivelmente longe. Mesmo assim, se for possível salvar alguém, continuaremos a sonhar com ele.

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