O grotesco no bolsonarismo e a inépcia das oposições

Lideranças das oposições "têm dispendido uma energia enorme em atacar o fascismo de Bolsonaro. Trata-se de uma luta inglória, pois nem mesmo a maioria esmagadora dos apoiadores do presidente sabe o que é o fascismo", afirma o colunista Aldo Fornazieri. "A exemplo dos movimentos autoritários e totalitários do passado, os seguidores de Bolsonaro seguem o líder, o suposto mito, não uma ideologia", destaca

(Foto: ADRIANO MACHADO - REUTERS)


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Existe uma falsa crença no pensamento democrático e intelectual de que os apoiadores de Bolsonaro fariam parte de algum movimento ideológico radical. Contrariando essa premissa, os melhores estudos acerca dos movimentos totalitários do passado, particularmente acerca do nazismo e do fascismo, mostram que os adeptos desses movimentos seguiam muito menos uma ideologia e muito mais o líder. Os elementos ideologizados daqueles movimentos eram muito reduzidos, mais ligados aos núcleos dirigentes. Com o bolsonarismo esse aspecto é ainda mais acentuado, dado o atraso político, cultural e educacional da população brasileira. Assim, talvez nem mesmo 1% dos 30% da população brasileira que apoia Bolsonaro tenha alguma noção do conteúdo ideológico, das atitudes, das propostas e das ideias que o presidente defende. A exemplo dos movimentos autoritários e totalitários do passado, os seguidores de Bolsonaro seguem o líder, o suposto mito, não uma ideologia. Como constata Hannah Arendt, bastou a queda de Hitler para que o próprio nazismo como expressão de massa desaparecesse. O elemento mobilizar e catalizador, de fato, era a figura do líder.

A percepção da natureza do bolsonarismo é fundamental para que se possa definir uma estratégia de enfrentamento. Por exemplo, lideranças das oposições e representantes intelectuais das esquerdas têm dispendido uma energia enorme em atacar o fascismo de Bolsonaro. Trata-se de uma luta inglória, pois nem mesmo a maioria esmagadora dos apoiadores do presidente sabe o que é o fascismo. A forma mais eficaz de luta nesses casos consiste num fogo cerrado contra a figura do líder, na sua desconstrução política e programática a partir do plano dos interesses concretos e reais dos grupos sociais.

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Os líderes autocratas e totalitários preferem travar a luta no plano dos valores nacionais e morais, no plano das pautas culturalistas porque este terreno lhes é vantajoso. Isto porque as sociedades são naturalmente conservadoras. Os líderes não só expressam o conservadorismo natural das sociedades, como confortam moralmente o desespero e o ressentimento das pessoas, principalmente nos momentos de crise. O discurso moralista dos líderes é repleto de fórmulas vazias e o seu conteúdo, tanto no discurso, quanto na propaganda é sistematicamente mentiroso. Os seguidores do líder não julgam o conteúdo do discurso e da propaganda porque isto pouco importa. O que importa é a crença que eles têm no líder, a fé que depositam nele. 

Outro elemento que atrai os seguidores dos líderes autoritários e totalitários é o caráter grotesco e violento de suas manifestações. Várias pessoas ficaram chocadas com o fato de Bolsonaro ter elevado o torturador coronel Brilhante Ustra à categoria de “herói nacional”. Este não é um fato novo. É bastante comum os ditadores glorificarem os crimes do passado preparando terreno para os crimes do futuro. Como disse um dos biógrafos de Hitler, os nazistas estavam convencidos de que o mal exerce uma atração mórbida no nosso tempo. 

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Assim, quando Bolsonaro afirma que os índios deveriam ter sido exterminados pela cavalaria brasileira, que os petralhas deveriam ser fuzilados, que as reservas deveriam ser entregues ao garimpo, que a floresta amazônica deve ser derrubada para dar lugar ao progresso, toda essa retórica da violência e da destruição é excitante e faz parte desse contexto da atração mórbida. Bolsonaro não apresenta nenhuma novidade ao atacar agressivamente a cultura, a ciência, as universidades, os institutos de pesquisa, as pesquisas, a arte e assim por diante. Ele têm consciência do valor propagandístico e persuasivo do mal, da atração que ele exerce e, por isso, alimenta um desprezo solene aos padrões morais do senso comum e às práticas e valores tidos como consensuais em uma sociedade. Aquilo que ele chama de “politicamente correto”. 

Para líderes como Bolsonaro, interessa menos a força numérica e mais a força bruta, interessa menos a defesa de propostas racionais de governo e mais a manifestação de ideias que propaguem a fanatismo. Eles acreditam que conquistarão a força numérica pela pressão da força bruta. 

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Desta forma, Bolsonaro e o bolsonarismo não têm nada de surpreendente e de novo. São uma expressão tosca e deformada de movimentos ditatoriais e totalitários do passado. O que surpreende é a incapacidade, a inépcia e a falta de coragem das oposições de enfrentar o caráter grotesco, mentiroso e violento de Bolsonaro e do bolsonarismo. 

Os partidos de oposição não convocaram nenhuma manifestação contra o governo desde o início do ano. Não foram capazes de se articular na reforma da Previdência e sofreram uma derrota vergonhosa. Não estão sendo capazes de liderar a luta contra o desemprego. Não são capazes de formar frentes amplas em defesa das universidades, do ensino, da saúde e das instituições de pesquisa. Não tomaram nenhuma iniciativa para formar uma ampla rede política e social de defesa do meio ambiente e da Amazônia. As esquerdas sequer parecem ter consciência da gravidade que a degradação ambiental e a destruição da floresta amazônica representam para o Brasil e para a humanidade. Não por acaso, o desleixo para com as políticas ambientais e para com a destruição da Amazônia já havia começado no governo Dilma. 

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O que se cobra das oposições e das esquerdas é que tenham iniciativa política e estratégia para enfrentar o caráter grotesco, mentiroso e violento do governo Bolsonaro. É que tenham coragem de lutar contra a liga do mal que se articula em torno de Bolsonaro. O que falta é a formação de redes e frentes de luta em três planos: 1) no plano institucional e parlamentar envolvendo, inclusive, governadores, como no caso da defesa da Amazônia, do Nordeste etc.; 2) no plano do enfrentamento judicial em face dos atos de ilegalidades e inconstitucionalidades do governo e da agressão contra os organismos de defesa dos direitos humanos, dos direitos trabalhistas etc.; e 3) no plano das lutas e mobilizações populares e sociais, como desemprego, moradia, educação, meio ambiente, saúde etc.. 

Recentemente, Rodrigo Maia fez uma pergunta pertinente: “onde erramos” para permitir a vitória de Bolsonaro. O centrão, o PSDB, MDB e a grande mídia erraram ao patrocinar o golpe. O STF, o Judiciário, o Ministério Público validaram o golpe e permitiram que a Constituição e o Estado de Direitos fossem atacados. O PT cometeu erros em série no governo e albergou um sistema que já era corrupto.

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Na verdade, Bolsonaro é produto do colapso do sistema partidário e político que estava vigendo. Os partidos, além de se corromperem em grande escala, de serem os patronos e usufrutuários de privilégios inaceitáveis, se ossificaram, bloquearam a renovação e afastaram a juventude. Deixaram de dialogar com a sociedade, com aquelas pessoas que vivem afastadas da política e estas se tornaram presas fáceis para o bolsonarismo. 

Os partidos da oposição em geral e da esquerda em particular encontram uma enorme dificuldade de se reposicionarem na conjuntura. O PT, por exemplo, se tornou um partido nostálgico, apologético de si mesmo e de Lula e perdeu a capacidade de indicar o futuro. O PSol parece ter transformado as pautas culturalistas em programa geral. Assim, mergulhado na fragmentação não será capaz de se construir como uma alternativa ampla de poder. Ciro Gomes transformou a sua falta de controle em agenda principal de sua atuação política. Desta forma, ficou fácil para Bolsonaro, com seu caráter grotesco, mentiroso e violento deter o domínio absoluto da agenda de debate político do país. Com suas locuções agressivas e destrutivas ele pauta toda a mídia, incluindo os sites de esquerda, pauta todos os partidos e políticos e pauta o debate da sociedade. Prisioneiras de sua inépcia, as oposições mostram-se incapazes de reagir. 

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