O general Santos Cruz e as falsas dissidências no partido dos generais
"Santos Cruz desempenhou papel dirigente na campanha bolsonarista. Ele estava presente, por exemplo, em Juiz de Fora naquele 6 de setembro, dia da suposta facada no 'mito'", escreve Jeferson Miola
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“O partido do Exército é o Brasil. Homens e mulheres, de verde, servem à Pátria. Seu Comandante é um Soldado a serviço da Democracia e da Liberdade. Assim foi no passado e sempre será. Com orgulho: ‘Estamos juntos General Villas Boas’. Jair Bolsonaro / Capitão / Deputado Federal” - Saudação de “orgulho” do Bolsonaro [4/4/2018] pelo twitter do general Villas Bôas intimidando o STF.
O general Santos Cruz anunciou sua candidatura na eleição de 2022 com o objetivo, segundo ele, de “não deixar que o presidente arraste as Forças Armadas para ser uma ferramenta de uso político pessoal”. Não faltaram aplausos iludidos com aparente altruísmo.
Este general, do mesmo modo que alguns militares [Mourão e outros], costuma aparentar contrariedade com o envolvimento das Forças Armadas na política – fenômeno, aliás, no qual ele próprio e seus “correligionários” do partido dos generais tiveram protagonismo central.
Bolsonaro foi o veículo; o dispositivo eleitoral capaz de dar corpo e materialidade ao projeto de poder dos militares, acalentado desde longa data pelos remanescentes do porão da ditadura.
Santos Cruz desempenhou papel dirigente na campanha bolsonarista. Ele estava presente, por exemplo, em Juiz de Fora naquele 6 de setembro, dia da suposta facada no “mito”.
Além de oficiais da reserva como Santos Cruz, militares da ativa também atuaram militantemente na campanha do Bolsonaro. E não apenas com engajamento frenético nas redes sociais propagando ódio antipetista e fake news em escala industrial.
O general Luiz Eduardo Ramos, por exemplo, na época Comandante Militar do Sudeste, deixou escapar em audiência na Câmara [18/8] que atuou na coordenação da campanha do Bolsonaro. É um fato de suma gravidade: um chefe militar exercendo o comando de tropas armadas do Estado e, ao mesmo tempo, atuando como líder partidário! [aqui]
Há inúmeros outros episódios e circunstâncias que evidenciam a militância política ilegal dos comandantes militares. Um dos mais representativos foi o twitter do general Villas Bôas para emparedar o STF [3/4/2018].
Conforme o próprio Villas Bôas confessou no livro-entrevista organizado por Celso Castro, a ameaça golpista ao Supremo não foi um ato pessoal, mas uma ação decidida coletivamente pelo Alto Comando do Exército [“comitê central”]. Portanto, uma política institucional [“partidária”] do colegiado superior do Exército para avançar a interferência militar na política e na tutela das instituições civis.
Hoje se sabe que o ativismo político dos comandantes militares nunca foi interrompido desde o fim da ditadura. A escalada incremental deste processo culminou na atuação decisiva deles na conspiração para derrubar a presidente Dilma [aqui].
A primeira notícia acerca desta assombrosa realidade que já se pronunciava no subterrâneo da cena política não foi produzida pela mídia nativa, mas no exterior. Mais precisamente na Argentina, em matéria de abril de 2018 do jornalista Marcelo Falak, na qual ele alertou para algo “temível: em pleno século XXI, os militares voltam a ser um fator de poder no Brasil”.
Com uma abordagem antecipatória da catástrofe atual, Falak alertou que “o mero estado de coisas, independentemente de uma improvável concretização das ameaças de golpe, permite já falar, ao menos, de uma democracia condicionada, vigiada no Brasil. O complô político que derrubou Dilma com base em tecnicismos pouco defensáveis, começa a mutar em algo, todavia, mais perigoso”.
Em reportagem posterior, desta vez publicada na véspera do 1º turno da eleição [6/10/2018], Falak denunciou que Bolsonaro representava o projeto secreto da cúpula militar; uma espécie de cavalo de Tróia dos militares para assaltarem o poder.
Falak afirmou que “uma alta autoridade das Forças Armadas que foi protagonista do processo minucioso de construção política” revelou que a aposta em Bolsonaro “começou quatro anos atrás” – ou seja, em 2014. De fato, Bolsonaro foi lançado candidato para a eleição de 2018 na AMAN, ainda em 29 de novembro de 2014, perante cadetes que o saudaram como Líder, Líder, Líder! [o equivalente a Führer, Führer, Führer!] [aqui e aqui].
“Atrás de tudo isso está a estratégia da cúpula das Forças Armadas de construir um presidente próprio, encarregado de impor o que denomina uma ‘nova democracia’. Esta consistirá em um programa político ultraconservador e econômico ultraliberal, com os condimentos de uma participação ativa dos militares na vida política e a missão de arrancar pela raiz a ‘esquerda que engana a sociedade’”, anotou o jornalista argentino.
Nas palavras da sua fonte militar, “o nacionalismo econômico já não é nosso programa, isso deixamos para o Partido dos Trabalhadores. Agora é o liberalismo. Isso é o que dissemos a Bolsonaro. Queremos um país o mais livre possível, o que nos situa radicalmente contra o que diz o PT”. E arrematou: “agora estamos em uma etapa nova, na qual exigimos ser tratados como cidadãos plenos, não de segunda [classe]”.
O sonho foi concretizado. Agora como “cidadãos de 1ª classe”, mais de 6 mil deles se refestelam em postos-chave do governo militar, se lambuzam com salários-duplex e extra-teto e brindam suas filhas com pensões milionárias vitalícias. Além, claro, de propinas na compra de vacinas, compras superfaturadas de artigos de luxo para os quartéis e, como mostra a CPI da COVID, envolvimento em muitos negócios tenebrosos.
Na arena política, os militares atuam como se estivessem num teatro de operações de guerra: dissimulam, mentem e se camuflam para enganar os inimigos. Com esta estratégia dualista, produzem o caos e se posicionam nas duas pontas deste caos criado por eles próprios – ao mesmo tempo como incendiários e bombeiros; ao mesmo tempo como promotores do caos e moderadores da ordem.
A escalada militar no Brasil tem a assinatura do general Santos Cruz. Ele foi e continua sendo um ator central do partido dos generais. Ele é, por isso, parte do problema, não da solução; ele está na gênese da catástrofe atual.
Santos Cruz e outros iguais a ele, como os Mourãos e Etchegoyens da vida, não se movimentam para pôr fim ao ativismo dos militares na política, mas para viabilizar uma alternativa viável para a continuidade do projeto de poder militar num contexto desfavorável, de potencial vitória do Lula e de absoluta inviabilidade eleitoral de todas candidaturas da direita e extrema-direita.
É notório que Santos Cruz não faça uma única crítica ao programa de desmonte ultraliberal, corrupto e entreguista executado pelo governo militar ao qual já serviu estando dentro.
Se fosse honesto no propósito de impedir que Bolsonaro “arraste as Forças Armadas”, Santos Cruz não deveria se candidatar, mas deveria exigir de modo peremptório a imediata saída de todos militares [inclusive ele] da política, fazer um pedido de desculpas pelo desastre social, econômico e humanitário que causaram ao povo brasileiro e se comprometer com o julgamento justo de todos supostos perpetradores de crimes contra a humanidade.
O anúncio da candidatura do Santos Cruz tem de ser comprado pelo valor de troca, não pelo valor de face. Representa uma estratégia política do partido dos generais para assegurar a continuidade do projeto de poder dos militares, e não a retirada deles da política.
Infelizmente há quem, inclusive na esquerda, caia no “conto da Carochinha” e pague pela imagem do Santos Cruz e quejandos como um militar legalista, democrata e respeitador da Constituição. E, portanto, um militar “desejável” no mundo da política [sic].
O lugar dos militares, é preciso repetir mil vezes, é nos quartéis, a milhares de quilômetros de distância da política.
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