O futuro da América Latina

O maior dos desafios que temos pela frente é como encarar o futuro da América Latina, como dar forma a um novo mundo possível

Lula em encontro com parlamentares e a equipe de transição de governo
Lula em encontro com parlamentares e a equipe de transição de governo (Foto: Ricardo Stuckert)


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O século XXI tem sido o século da América Latina. Depois de ter sido a região do mundo com mais governos neoliberais – e os mais radicais –, o continente reagiu, transformando-se no continente com mais e mais destacados governos e líderes antineoliberais.

A primeira fase da resistência ao neoliberalismo, depois de pelo menos uma década de grandes mobilizações – que incluíram as reuniões do Fórum Social Mundial – contra esse modelo hegemônico em escala mundial, foram surgindo novos tipos de governos e de líderes na América Latina. Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador. Hugo Chávez, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, Pepe Mujica, Evo Morales, Rafael Correa desenharam o novo cenário do continente, que o projetou, ao mesmo tempo, como o território privilegiado do enfrentamento mais importante do nosso tempo: neoliberalismo x antineoliberalismo.

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Desde que o capitalismo assumiu o neoliberalismo como seu modelo hegemônico e difundiu, com uma rapidez inédita, esse modelo para praticamente todo o mundo, a América Latina foi uma vítima privilegiada desse modelo. Tendo chegado ao continente pela ditadura do Pinochet – que importou os Chicago Boys para implementar esse modelo -, ele se alastrou praticamente por todo o continente, ao mesmo tempo que a social democracia europeia – liderada por François Mitterrand e Felipe Gonzalez – fazia o processo de reconversão ao novo modelo do capitalismo.

Na América Latina, o nacionalismo do PRI mexicano e uma versão do nacionalismo peronista, com Carlos Menem, projetaram esse mesmo tipo de conversão no continente. Foram seguidos pela social democracia chilena, a venezuelana, a brasileira, entre outras, concluindo o novo cenário político no continente.

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O surgimento do antineoliberalismo, ainda no final do século XX, foi assumindo a prioridade das políticas sociais – no continente mais desigual do mundo –, ao invés do ajuste fiscal, característico do neoliberalismo. Resgatou o papel ativo do Estado, ao invés da centralidade do mercado. Implementou políticas de integração regional, no lugar dos Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos.

Já na sua primeira fase, esses governos conseguiram diminuir significativamente as desigualdades sociais e regionais, retomar o crescimento econômico, a expansão do mercado interno de consumo de massas e a geração de empregos, fortalecer e expandir os processos de integração regional, ao invés das relações privilegiadas e subordinadas aos Estados Unidos.

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Esses governos rompiam com a ideia do pensamento único e da inevitabilidade do neoliberalismo e projetavam uma nova etapa política em escala mundial, tornando-se referência central para os embates do século XXI. 

Em sua segunda fase, esses tipos de governo se estenderam para o México, com o governo de López Obrador, para Honduras, com governo de Xiomara Castro, para Colômbia, com o governo de Gustavo Petro, para o Chile, com o governo de Gabriel Boric, do Peru, com o governo de Pedro Castillo. Nunca os Estados Unidos estiveram tão isolados na América Latina como agora.

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A eleição do Lula completou esse quadro de governos progressistas, de esquerda, caracterizada está neste século como uma força antineoliberal. Colocando para o continente possibilidades e desafios de como se valer desse conjunto impressionante de governos progressistas, em mundo que continua sendo essencialmente neoliberal e conservador.

De imediato, os processos já existentes de integração política e econômica serão fortalecidos – do Mercosul a Celac, passando por Unasul. Para se valer dessa força política para avançar em processos de integração econômica, fortalecendo a luta contra o neoliberalismo, Lula propõe a criação de uma moeda sul americana – cuja sigla seria SUR -, que desdoliarizaria o comércio na região, o que demandaria, por sua vez, um Banco Central Sulamericano. Os países que o desejassem, poderiam usar essa moeda como moeda nacional dos seus países. O Brasil se disporia a colocar suas reservas – grandes, provenientes dos governos do PT – como apoio a essa moeda.

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Lula tem claro que é um processo complexo, que demanda muita elaboração e articulação política. Por isso, ele pretende começar a trabalhar nesse projeto logo no início do seu governo, no começo de 2023. Seria um passo inovador para passar da resistência ao neoliberalismo, do antineoliberalismo, ao pós-neoliberalismo.

Uma perspectiva que é vista com bons olhos pelo governo argentino que, além desse avanço na integração econômica da região, poderia ser a via para que a Argentina superasse os graves problemas da inflação que o país enfrenta. Equador, por sua vez, poderia se valer dessa nova moeda para superar a dolarização imposta pelo neoliberalismo ao país.

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Dessa forma, o processo de integração latino-americana poderia ingressar a uma nova etapa, apoiado na grande quantidade de governos progressistas e em projetos que permitiram avançar da integração política à econômica.

Essa nova etapa demandaria a elaboração de projetos do tipo de Estado e de sociedade que o continente e que cada país requer, para começar a desenhar a superação do neoliberalismo.

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A participação latino-americana intensa nos Brics permitirá à América Latina participar dos grandes embates internacionais do século XXI – de que o central se dá entre o declínio da hegemonia norte-americana e a ascensão de um mundo multipolar.

O maior dos desafios que temos pela frente é como encarar o futuro da América Latina, como dar forma a um novo mundo possível, 20 anos depois do surgimento do Fórum Social Mundial e dos primeiros governos antineoliberais.

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