O fascismo a um passo do retorno
"O povo, explorado e silenciado, tem dificuldades de responder à pirotecnia, ainda que patética, do bolsonarismo, enquanto a esquerda segue com diálogos intelectualizados"
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"O cônsul alemão Hertz adorava as artes plásticas modernas, os cavalos azuis de Franz Marc, as figuras alongadas de Wilhelm Lehmbruck. Era uma pessoa sensível e romântica, um judeu com séculos de herança cultural. Perguntei-lhe uma vez: ‘E esse Hitler, cujo nome aparece de vez em quando nos jornais, esse chefe antissemita e anticomunista, não acha que ele pode chegar ao poder?’; ‘Impossível’, disse; ‘Como impossível se o absurdo é o que mais se vê na história?’; ‘Éque você não conhece a Alemanha”, sentenciou, ‘Ali é totalmente impossível um agitador louco como esse poder governar sequer uma aldeia’.”
“Pobre amigo, pobre cônsul Hertz! Aquele agitador louco por pouco não governou o mundo. E o ingênuo Hertz deve ter terminado numa anônima e monstruosa câmara de gás com toda a suacultura e seu nobre romantismo.”
O trecho, extraído das memórias do escritor Pablo Neruda, registradas em sua autobiografia “Confesso que Vivi”, bem poderia retratar o Brasil e principalmente suas instituições, quando fazem pouco caso do fascismo que flerta com o puro e simples nazismo que surge com o bolsonarismo.
Cada vez mais à vontade, dada a inação institucional, Bolsonaro está em vias de registrar um partido, o Aliança Pelo Brasil, cuja legenda remete às armas de fogo e teve sua logo, no dia de lançamento da proposta de fundação, que agora busca assinaturas, apresentada com um mosaico de projéteis de diferentes calibres de revólveres, fuzis e metralhadoras.
Como apontou o jornalista Kennedy Alencar no meio da semana, não há mais características restantes ao bolsonarismo para ser qualificado como corrente fascista, sendo a negligência de instituições como a metade lúcida do Congresso (incluindo aí petistas acomodados na cadeira parlamentar e psolistas presos à sua agenda indentitária muitas vezes egoísta, e vice-versa), os tribunais superiores, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), as Forças Armadas e a grande mídia acuada ou conivente, o alicerce sobre o qual cresce esse movimento que ameaça o Brasil.
A desmobilização causada pelo conflito entre interesses menores, dentro da própria esquerda e entre a esquerda e a centro-direita, é um cenário que reproduz aquele mesmo da década de 1930 na República de Weimar, na Alemanha. Os liberais aceitando moderada ascensão do nazismo para evitar os partidos comunista e social-democrata. E esses, à esquerda, considerando-a conveniente por buscarem o protagonismo na oposição, não uma aliança para o seu banimento.
O resultado é que, o que a princípio era uma corrente restrita a loucos extremistas, passou em poucos anos a uma força moderada da débil democracia alemã no pós-Primeira Guerra, que depois a engoliu e levou àdestruição.
Justo nessa semana, igualmente, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) prepara uma homenagem ao ditador chileno Alberto Pinochet, cujo regime (1973-1990) matou mais de 3 mil pessoas e forçou outras 200 mil ao exílio. O responsável, deputado estadual Frederico d’Ávila, pertence ao Partido Social Liberal (PSL), do qual saiu Bolsonaro para fundar seu projeto fascista. Em breve deve seguir o rumo de seu líder.
Por enquanto, a única iniciativa contrária veio dabancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na Assembleia, que pediu a cassação do parlamentar, por quebra de decoro ao atentar contra a Constituição, a democracia e os direitos humanos.
O que importa é que, ante todos esses fatos, cada vez mais nos parecemos com o cônsul Hertz, sobretudo nós da classe média dita “informada”.
Amantes da cultura e cientes do flerte do absurdo com o ridículo do Governo Bolsonaro, vamos permitindo que tudo se passe como um momento ruim, que há de ter fim naturalmente quando “o povo se der conta”.
O povo, explorado e silenciado, tem dificuldades de responder à pirotecnia, ainda que patética, do bolsonarismo, enquanto a esquerda segue com diálogos intelectualizados (inclusive este) e com a defesa (sobretudo em redes sociais) de questões que ora se mostram pormenores.
Ao mesmo tempo, a direita chamada “democrática” se cala, por conivência ou consternação ante o monstro que ajudou a criar.
Na aviação, existe uma expressão que se chama “ponto de não retorno”, isto é, aquele ponto do trajeto em que já não resta combustível para tornar ao local de origem, não restando opção que não viajar até o destino.
Se o destino for o fascismo escancarado, estamos próximos ao ponto, onde já havia chegado a Alemanha do pobre cônsul Hertz, sem que ele ainda soubesse.
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