O evangelho miliciano de Nikolas Ferreira e o deus quebrador de mandíbulas

O deputado federal e um pastor chamado Anderson Silva ensinam os cristãos a defenderem os seus valores desejando a morte de seus opositores

Deputado bolsonarista Nikolas Ferreira
Deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)


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Fiquei assustado ao saber da existência de um vídeo onde Anderson Silva declara que deseja ver Lula com a mandíbula quebrada. Mais assustado ainda fiquei, ao assistir o vídeo e descobrir que o tal Anderson Silva não era o lutador brasileiro campeão de UFC, mas um pastor evangélico que, ao lado do deputado federal Nikolas Ferreira, também evangélico e que ministra um curso chamado “O cristão e a política”, onde ensina os cristãos a defenderem os seus valores, incitava os seus fiéis a fazerem orações pedindo à Deus a morte dos seus inimigos, para que ele quebrasse a mandíbula do presidente Lula e colocasse os ministros do STF enfermos sobre uma cama, para que conhecessem o seu poder. Antes de propor uma reflexão com base no que prega esse cristianismo que passou a vigorar a partir de Constantino, e que nada tem a ver com os ensinamentos de Jesus Cristo, para que não sejamos convencidos de que a única saída é a entrada num sistema alienante, manipulador e estruturado nos mesmos moldes de um estado fascista, que pretende dominar o maior número de pessoas possíveis em nome de Deus e como se fosse o próprio Deus, é importante entendermos que, por mais que nos pareça escabroso, a oração do pastor kickboxer tem base bíblica e, portanto, seria aprovada por Deus. Pelo menos, pelo deus da Bíblia.

Dizer que o ódio destilado por cristãos bolsonarista é bíblico, não é uma visão de mundo. É uma constatação da realidade. E não me venham os de boa-fé, falar sobre o contexto da época ou que isso é coisa do velho testamento, porque estamos falando de um livro que nos é apresentado como a palavra de Deus e a sua verdade divina e absoluta. Portanto, seja no velho ou no novo testamento, é Deus quem estaria falando e ordenando através dos profetas, que tais coisas fossem executadas. E, em vários livros da Bíblia, ele “ordena" aos seus “preferidos” que ajam da mesma forma que esse pastor com cara de skinhead misturado com guerrilheiro talibã pede para que os evangélicos façam. No livro do Êxodo, capítulo 22, versículos 18 e 20, respectivamente, Deus pede para que “não deixem viver a feiticeira” e determina que “Quem oferecer sacrifício a qualquer outro deus, e não unicamente ao Senhor, será destruído. ” Aqui temos a instituição da intolerância religiosa, obedecida fielmente por muitos “cristãos” brasileiros. No livro de 1 Samuel, capítulo 15, temos o “Senhor” rejeitando a Saul como rei, por este não ter sido tão sanguinário como ele havia ordenado. A ordem dada por Deus, e que foi transmitida a Saul por meio do profeta Samuel, dizia: “Agora vão, ataquem os amalequitas e consagrem ao Senhor para destruição tudo o que lhes pertence. Não os poupem; matem homens, mulheres, crianças, recém-nascidos, bois, ovelhas, camelos e jumentos”

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Porém, Saul poupou Agague, o rei dos amalequistas, e tudo o mais que considerava bom e aproveitável. Entre os quais, bois, ovelhas, cordeiros e bezerros gordos. O que fez Deus dizer para Samuel que havia se arrependido de ter confiado a missão a Saul, que não obedeceu às suas instruções. O curioso nessa passagem, é quando nos damos conta de que Deus, mesmo sendo onisciente, não esperava que Saul desobedecesse às suas instruções e se decepcionou com o seu escolhido. Talvez, pelo fato desse deus ser uma criação da mente de Samuel, para fazer Saul pôr em prática um plano de ataque que, na verdade, era da sua vontade executar. Sinceramente, eu não consigo acreditar num Deus que ordene a execução de pessoas que, de acordo com a sua onipotência, ele mesmo permitiu que viessem a nascer. Sobretudo, de crianças e recém-nascidos. Ou Deus, na sua plena onisciência, não saberia que essas pessoas iriam adorar a outros deuses? Quando o pastor Anderson Silva propaga o evangelho segundo Quentin Tarantino, ele apela para o “poder apostólico da igreja”, algo herdado de Moisés, Samuel e do apóstolo Paulo, que ele cita como quem teria rogado uma praga em nome de Deus e deixado um feiticeiro cego por três dias, como arma de destruição daqueles que não pensam socialmente como eles. O que acaba impedindo que eles instituam o “governo de Deus” no Brasil. Um governo de um deus adaptado à imagem e semelhança de suas, digamos, ideias.

Observemos que, quase sempre, a referida “vontade de Deus” coincide com o desejo de satisfação da vontade dos homens. Quando, por exemplo, o autodeclarado bispo Estevam Hernandes, aquele que já foi preso carregando dólares dentro da Bíblia, e um dos fundadores da marcha para Jesus, incita o público a se manifestar odiosamente contra as religiões de matriz africana, conclamando os evangélicos ali presentes a lutarem contra uma possível maioria “macumbeira” na sociedade brasileira, a pretexto de que a vontade de Deus é a de que um estado que deve ser laico, seja cristão, ele, na verdade, expressa apenas a sua vontade e o seu interesse social e econômico de que a maioria da população permaneça submetida ao cristianismo de estado do qual ele é um dos “governantes”, e, dessa maneira, continuem transferindo para ele e para os seus pares de liderança, o poder de Deus sobre a terra. Uma vez que eles teriam sido escolhidos para liderar a igreja do Cristo sistêmico, contra qualquer tipo de ameaça ao seu poder e domínio absoluto. De modo que “as portas do inferno”, assim como preconiza a Bíblia, não prevaleça sobre ela. Mas, quais são as portas do inferno? Os outros. Todos aqueles que não se submetem a tal domínio institucional através desse sistema religioso. Jean Paul Sartre explica.

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Podemos começar refletindo sobre o conceito de igreja como sendo “a casa de Deus”, observando se as práticas compartilhadas pelos líderes dos milhares de templos existentes no país, se assemelham com alguma proposta de amor ao próximo e de bem comum para a sociedade. A resposta, obviamente, é não. Até porque, em cada denominação dita evangélica ou cristã, a chamada palavra de Deus é propagada com interpretações diferentes e ministradas por quaisquer pessoas que se auto intitulam escolhidas por ele. Uma prova disso, são as chamadas “revelações”, onde o profeta ou algo que o valha, diz estar transmitindo uma mensagem de Deus para os fiéis. Igualzinho na Bíblia. E cada um desses tais “escolhidos” podem nos trazer revelações diferentes vindas do mesmo Deus e sobre um mesmo tema. Para exemplificar melhor, podemos falar sobre as profecias acerca de quem seria eleito presidente da república nas últimas eleições, quando a maioria dos “profetas” diziam que Deus lhes revelara que Bolsonaro seria reeleito, porque essa era a vontade do “senhor” para esta nação. Erraram. Ou Deus errou?

Demonizar pessoas, suas culturas, crenças e pensamentos, não tem nada de ineditismo nessa chamada civilização. O modus operandi, apesar de ser mais antigo do que as tábuas da lei mosaica, ainda tem um efeito eficaz em muitas mentes. Isto se dá pelo fato de que os argumentos sob os quais se sustentam tal método, partem da premissa de que Deus determinou que assim o fosse. E, sendo assim, não cabe contestação, sob pena de estar desobedecendo a ele. Caberia, talvez, procurar saber se fora realmente Deus a instituir tais ordens, ou, pelo menos, suspeitar das intenções de algumas delas. E a própria Bíblia, que esses fiéis dizem ter como livro de fé e verdade absoluta, lhes apresentam respostas por meio do Jesus Cristo que eles juram amar e seguir até a morte. Eles marcham para ele sob o comando do mesmo estado religioso que o crucificou há dois mil anos, por ele ter desmascarado a sua hipocrisia e as suas reais intenções usando o nome de Deus. Jesus foi “os outros”, uma “porta do inferno” que ameaçou o domínio e o poder religioso dos Estevam Hernandes de sua época. Os doutores da lei e os sumos e supremos sacerdotes que exerciam o papel de Deus na terra.

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Não foram os adoradores de outros deuses, os ateus, os homossexuais, os adúlteros ou os chamados “ímpios” de qualquer outra natureza, que levaram Jesus à morte na cruz. Foram os representantes de Deus, os cidadãos de bem, os defensores da família tradicional, iguais a Nikolas Ferreira e a esse pastor Anderson Silva, que planejaram a execução do filho do Deus que eles diziam adorar. Ou será que o deus deles era outro?  Assim como nos dias de hoje, os profetas de ontem agiam de acordo com as suas visões de mundo, que eram recortes de uma realidade distópica sob a qual suas mentes conseguiam "raciocinar", e usavam o nome de Deus para legitimar uma barbárie que lhes beneficiam social e economicamente, sob a égide da defesa do bem contra o mal. O Deus da Bíblia é o homem e muitas das "verdades" ali descritas são ideias, pensamentos e ações que eles julgavam mais convenientes para que o mundo fosse melhor para eles. Apenas para eles. Eu creio apenas em Deus. Na Bíblia, nem tanto. E que ele nos proteja de boa parte dela e dos seus seguidores.

 

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