O estranho alvoroço em torno dos cargos civis ocupados por militares
"O poder civil não pode se sujeitar às barganhas, pressões, chantagens, ameaças e tutelas das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas", escreve Jeferson Miola
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Por Jeferson Miola, para o 247
“O Jair [Bolsonaro] foi eleito para colocar militar lá dentro. Se fosse ladrão, votava no PT. Ninguém aguentava mais sindicalistas, pessoas que não tinham nada a ver….”.
Flávio Bolsonaro, 3 de dezembro de 2018.
Na rotina de troca de comando do governo federal, a dispensa de ocupantes de cargos comissionados e de funções temporárias de comando e direção na Administração Federal é automática.
Enquadram-se nesta categoria os cargos DAS – de Direção e Assessoramento Superior, que podem ser atribuídos tanto a servidores concursados como a qualquer pessoa sem vínculo com o serviço público; como também as FG’s – Funções Gratificadas, essas de atribuição exclusiva a funcionários de carreira.
Os cargos e as funções de comando não são vitalícios. E tampouco são sujeitos à tutela ou ao domínio privativo de corporações, como as Forças Armadas, porque são cargos e funções de confiança e, por isso, de livre nomeação e de livre exoneração do governo que assumirá o comando do país a partir de 1º de janeiro.
A expectativa de que o governo eleito governe com dirigentes nomeados pelo governo derrotado e com cosmovisão antagônica a do programa eleito, só pode ser fruto de mentes delirantes de pessoas portadoras de algum distúrbio cognitivo ou, também, com más intenções.
Esta expectativa de continuidade pode significar, na realidade, uma fantasia de quem confiava na eternização do governo militar e, até mesmo, na instalação de uma ditadura militar mais longeva que a anterior.
O desmoronamento desta expectativa fantasiosa e a consequente perda das boquinhas de salários duplex [e em muitos casos extra-teto] colide, agora, com a realidade das parcelas acumuladas do cartão de crédito e das longas prestações de compra de carros, imóveis e planos de nirvana eterno.
Aliás, devem saber que o militar que ultrapassar dois anos [contínuos ou não] de exercício de cargo, emprego ou função pública civil temporária tem de ser transferido para a reserva – inciso III do parágrafo 3º do famigerado artigo 142 da Constituição, tão evocado por eles.
A observância de procedimento republicano e democrático respeitoso recomendaria que o governo que encerra seu mandato desastroso publique no Diário Oficial da União [DOU] de 31 de dezembro os atos de exoneração de todos os cargos desta natureza nomeados durante seu período de governo. Tanto dos civis como dos militares.
Tudo leva a crer, no entanto, que isso não acontecerá, pois o governo militar deverá manter os cargos ocupados, o que inclui os entre seis mil e oito mil cargos de funções tipicamente civis e que foram colonizados por militares da ativa e da reserva. E, também, por filhos, filhas, esposas, parentes e amigos de militares.
O governo derrotado evidentemente opera com o objetivo de causar constrangimentos ao governo eleito. E, também, para alimentar tensões, crises e animosidades militares.
Esta inaptidão republicana e democrática não causa, em absoluto, nenhum impedimento para que em 1º de janeiro de 2023 o governo Lula nomeie os profissionais e dirigentes que executarão o programa eleito.
A única e irrelevante consequência disso será um Diário Oficial com tamanho duplicado, no qual serão publicadas as exonerações dos milhares de ocupantes desses cargos e a nomeação dos novos ocupantes.
Chama atenção que uma questão tão banal e corriqueira da rotina republicana e democrática, como a exoneração e nomeação de cargos de confiança pelo governo eleito, desta vez ocupe o noticiário como um assunto “preocupante”, “desafiador”, “sensível” …
O governo Lula foi eleito para restaurar a democracia e salvar o Brasil do abismo fascista e do descalabro. A desmilitarização do Estado, da política e da sociedade é um requerimento fundamental para esta missão.
O poder civil não pode se sujeitar às barganhas, pressões, chantagens, ameaças e tutelas das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que assim como na ditadura, outra vez legaram à sociedade brasileira um país destroçado.
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