O estranho alvoroço em torno dos cargos civis ocupados por militares

"O poder civil não pode se sujeitar às barganhas, pressões, chantagens, ameaças e tutelas das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas", escreve Jeferson Miola

Lula e Bolsonaro
Lula e Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil | Ricardo Stuckert | Reuters)


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Por Jeferson Miola, para o 247                   

“O Jair [Bolsonaro] foi eleito para colocar militar lá dentro. Se fosse ladrão, votava no PT. Ninguém aguentava mais sindicalistas, pessoas que não tinham nada a ver….”.
Flávio Bolsonaro, 3 de dezembro de 2018.

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Na rotina de troca de comando do governo federal, a dispensa de ocupantes de cargos comissionados e de funções temporárias de comando e direção na Administração Federal é automática.

Enquadram-se nesta categoria os cargos DAS – de Direção e Assessoramento Superior, que podem ser atribuídos tanto a servidores concursados como a qualquer pessoa sem vínculo com o serviço público; como também as FG’s – Funções Gratificadas, essas de atribuição exclusiva a funcionários de carreira.

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Os cargos e as funções de comando não são vitalícios. E tampouco são sujeitos à tutela ou ao domínio privativo de corporações, como as Forças Armadas, porque são cargos e funções de confiança e, por isso, de livre nomeação e de livre exoneração do governo que assumirá o comando do país a partir de 1º de janeiro.

A expectativa de que o governo eleito governe com dirigentes nomeados pelo governo derrotado e com cosmovisão antagônica a do programa eleito, só pode ser fruto de mentes delirantes de pessoas portadoras de algum distúrbio cognitivo ou, também, com más intenções.

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Esta expectativa de continuidade pode significar, na realidade, uma fantasia de quem confiava na eternização do governo militar e, até mesmo, na instalação de uma ditadura militar mais longeva que a anterior.

O desmoronamento desta expectativa fantasiosa e a consequente perda das boquinhas de salários duplex [e em muitos casos extra-teto] colide, agora, com a realidade das parcelas acumuladas do cartão de crédito e das longas prestações de compra de carros, imóveis e planos de nirvana eterno.

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Aliás, devem saber que o militar que ultrapassar dois anos [contínuos ou não] de exercício de cargo, emprego ou função pública civil temporária tem de ser transferido para a reserva – inciso III do parágrafo 3º do famigerado artigo 142 da Constituição, tão evocado por eles.

A observância de procedimento republicano e democrático respeitoso recomendaria que o governo que encerra seu mandato desastroso publique no Diário Oficial da União [DOU] de 31 de dezembro os atos de exoneração de todos os cargos desta natureza nomeados durante seu período de governo. Tanto dos civis como dos militares.

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Tudo leva a crer, no entanto, que isso não acontecerá, pois o governo militar deverá manter os cargos ocupados, o que inclui os entre seis mil e oito mil cargos de funções tipicamente civis e que foram colonizados por militares da ativa e da reserva. E, também, por filhos, filhas, esposas, parentes e amigos de militares.

O governo derrotado evidentemente opera com o objetivo de causar constrangimentos ao governo eleito. E, também, para alimentar tensões, crises e animosidades militares.

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Esta inaptidão republicana e democrática não causa, em absoluto, nenhum impedimento para que em 1º de janeiro de 2023 o governo Lula nomeie os profissionais e dirigentes que executarão o programa eleito.

A única e irrelevante consequência disso será um Diário Oficial com tamanho duplicado, no qual serão publicadas as exonerações dos milhares de ocupantes desses cargos e a nomeação dos novos ocupantes.

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Chama atenção que uma questão tão banal e corriqueira da rotina republicana e democrática, como a exoneração e nomeação de cargos de confiança pelo governo eleito, desta vez ocupe o noticiário como um assunto “preocupante”, “desafiador”, “sensível” …

O governo Lula foi eleito para restaurar a democracia e salvar o Brasil do abismo fascista e do descalabro. A desmilitarização do Estado, da política e da sociedade é um requerimento fundamental para esta missão.

O poder civil não pode se sujeitar às barganhas, pressões, chantagens, ameaças e tutelas das cúpulas partidarizadas das Forças Armadas, que assim como na ditadura, outra vez legaram à sociedade brasileira um país destroçado.

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