O espírito de ralé irá moldar nosso futuro?
Após dois anos de governo Bolsonaro, capítulo seguinte ao golpe que derrubou Dilma e abriu passagem para o flagelo Michel Temer, a ralé assumiu um papel de relevo na política brasileira, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

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Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
Não há dúvida que a ralé terá uma função importante -- quem sabe decisiva -- na encruzilhada de 2022.
Embora a visão comum entenda o termo "ralé" como sinônimo de miséria e desamparo num padrão próximo do absoluto, capaz de lhe dar até um tom pejorativo, os trabalhos de Hanna Arendt (1906-1975) renovaram nossa visão a respeito.
Pioneira nos estudos sobre o nascimento de regimes totalitários nas primeiras décadas do século XX, Arendt mostrou que a ralé não é uma condição econômica, apenas.
Acima de tudo, envolve uma visão de mundo e um projeto de sociedade. Seu alimento ideológico é o ressentimento. Sua resposta aos dramas da vida cotidiana tem uma contrapartida coerente -- o ódio -- combustível necessário para o aplauso a atos de selvageria que podem variar na forma e estilo.
Podem implicar na tortura permanente de prisioneiros, na execução pública de populações indefesas, na perseguição a minorias. Todas variações possuem um traço comum, que é sua verdadeira razão de existir -- rebaixar o grau de humanidade da espécie.
Ainda que a ralé tenha uma base popular óbvia, reproduzindo-se ao sabor das permanentes contradições materiais e morais que fazem o cotidiano de povos e países, sua importância adquire outra dimensão quando uma parcela da elite de determinado país passa a pensar e agir com modos e atitudes semelhantes. Isso permite transformar o ressentimento em instrumento de poder e o ódio, em estratégia política, cujo objetivo é a conquista do Estado.
No resultado final, os sistemas políticos se transformam em ditaduras, com a peculiaridade de não ter vergonha de assumir a própria condição. Até são capazes de vangloriar-se e bater no peito, num esforço para pisotear e humilhar as lembranças democráticas de um povo.
Dois anos e quatro meses depois de sua chegada ao Planalto, é difícil negar o avanço do governo Jair Bolsonaro nessa direção. Todos sabemos o que tem feito.
Não custa lembrar, contudo, que enfrenta percalços típicos de uma nação que resiste, tentando atrasar e quem sabe impedir que catástrofe se transforme em destino.
Num povo silenciado pela pandemia, com um Congresso comprado por favores indecorosos e orçamentos secretos, o Supremo cumpriu tarefas indispensáveis.
Ao eliminar entraves à participação de Lula, garantiu o caráter democrático à eleição presidencial de 2022.
Permitiu a realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito capaz de apurar o papel do governo Bolsonaro numa catástrofe que se aproxima dos 500 000 mortos.
Se ainda fosse pouco, o mesmo STF assumiu outras responsabilidades. Definiu regras e limites para a proteção da população pobre e massacrada dos morros do Rio de Janeiro -- alvo de intervenções cruéis que apenas confirmam, com Elza Soares e Renegado, que a carne mais barata do mercado é a carne negra. Foi assim que se produziu a chacina do Jacarezinho.
Por razões que tem ficado cada vez mais claras, é fácil compreender a origem da ira contra os "ativistas jurídicos". Suas togas representam, hoje, uma barreira contra um futuro mau.
Alguma dúvida?
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