O Enem e a violência contra a mulher

Pela primeira vez em nossa história, sete milhões de jovens se debruçaram sobre uma prova e se puseram a pensar sobre a violência contra as mulheres, cada um deles teve que parar para pensar sobre isso. A força simbólica disso é imensurável

Pela primeira vez em nossa história, sete milhões de jovens se debruçaram sobre uma prova e se puseram a pensar sobre a violência contra as mulheres, cada um deles teve que parar para pensar sobre isso. A força simbólica disso é imensurável
Pela primeira vez em nossa história, sete milhões de jovens se debruçaram sobre uma prova e se puseram a pensar sobre a violência contra as mulheres, cada um deles teve que parar para pensar sobre isso. A força simbólica disso é imensurável (Foto: Lelê Teles)


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no momento em que se acentua a misoginia e a violência contra a mulher, vem o ENEM e nos redime.

é que o Estado brasileiro, infelizmente, está a ser tomado de assalto por um bando de idiotas fundamentalistas que querem impor a ideologia misógina de sua religião a todos os cidadãos, não importando a crença ou a falta de crença dos outros.

querem proibir, por exemplo, a mulher de abortar um filho fruto de estupro e querem também impedi-la de tomar a pílula do dia seguinte, obrigando-a a ter o filho do estuprador, quem sabe?

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e querem dizer, ainda, que família é a composição de pai, mãe e filho; talvez querendo obrigar a mulher a se casar com o seu estuprador.

não é demais lembrar que são todos homens estes que fazem leis bisonhas contra as mulheres.

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ainda esse mês, uma garota de doze anos, Valentina, que participa de um reality show sobre gastronomia, foi assediada sexualmente nas redes sociais por um bando de marmanjos que não consideram pedofilia a agressão sexual, pública, explícita, contra uma garota de 12 anos.

são diversos tipos de violência às quais as mulheres estão submetidas, econômica, psicológica, física e institucional; mas o grande problema, o maior deles, ainda é a sua banalização. é o deixar por isso mesmo.

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há mais de 500 anos é assim.

a miscigenação brasileira é fruto do estupro de escravas e de índias.

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os filhos da Casa Grande levaram a cultura do estupro para os seus lares. o assédio e o abuso sexual de empregadas domésticas - por seus patrões adultos e mirins - é motivo de piada entre adolescentes burgueses.

as secretárias são vítimas de assédios constantes.

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há uma hierarquização de gêneros nos ambientes de trabalho em que o macho não só recebe uma maior remuneração, como tem reservado para si os postos de comando das empresas e ainda se arvoram no direito de terem poder sobre os corpos das mulheres.

essa hierarquização de gênero, transportada para o lar, gera a violência doméstica, das quais são vítimas as empregadas, as esposas e as filhas.

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nas ruas, assumem a forma do beijo à força, da cantada despudorada e ofensiva e do estupro.

na semana passada, milhares de mulheres, estimuladas por uma hashtag que versava sobre a violência sofrida pela pequena Valentina, decidiram contar - a maioria pela primeira vez - os assédios sexuais que sofreram ainda na infância.

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e olha que teve muito misógino infame que tripudiou dessas declarações, fazendo troça das garotas e achando que elas estavam a se vitimizar de forma gratuita.

Roger, o inútil, foi um destes imbecis.

portanto, o ENEM foi uma lufada de vento a espantar esse ar pesado.

pela primeira vez em nossa história, sete milhões de jovens se debruçaram sobre uma prova e se puseram a pensar sobre a violência contra as mulheres, cada um deles teve que parar para pensar sobre isso.

a força simbólica disso é imensurável.

sem falar que logo que foi divulgado o tema da redação, “a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, estava o Brasil inteiro a falar sobre isso.

de forma inédita, o país parou para discutir essas formas de violência. e parou para pensar: o que é um homem e o que é uma mulher?

porque se ainda, século XXI, tem gente que não consegue compreender o que quer dizer o trecho de Simone de Beauvoir utilizado no ENEM - “ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino” – eu ajudo.

cara, essa é mole. o que a filósofa disse, em 1949 é bom que se diga, é que o conceito de mulher é definido culturalmente, não é determinado pela biologia.

não é mole essa? pense comigo, a biologia não determina que uma pessoa do sexo feminino deva receber um salário menor que a outra do sexo masculino; quem diz isso é a cultura.

a biologia, veja que coisa simples, não determina que meninas brinquem com bonecas e meninos joguem futebol, é a cultura quem o faz.

logo, é a cultura quem diz o que é mulher, o que deve ser, como deve agir, e como devemos tratá-la.

é a cultura também quem diz quem é homem, o que é um homem, como age um homem etc.

fácil essa, hein?

e a cultura, cara, muda tudo.

lembra que você considera uma violência contra o conceito de mulher, ocidental, quando você vê uma oriental de burqa, chador, niqab ou hijab?

lembra que as freiras e as madres superiores usam vestes similares e isso nunca deixou você revoltado?

é a cultura agindo, cara.

sabe por que você joga cantadas agressivas contra as mulheres que passam desacompanhadas na rua?

por que você acha que elas gostam; mesmo que elas digam que odeiam.

é você abusando do seu direito de ser escroto. isso também é cultural, cara.

porque você jamais vai dar uma cantada nojenta em uma mulher que esteja acompanhada por um amigo, um irmão, um namorado ou um pai.

sabe por quê?

porque há um código cultural que não lhe permite fazer isso: um homem deve respeitar um outro homem; eu não vou fazer com um cara o que eu não gostaria que um cara fizesse comigo.

sacou?

a cultura, cara, te ensina a ter mais respeito por um homem do que por uma mulher.

sacou?

palavra da salvação.

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