O Encontro de Fernández com Putin e Xi Jinping abre portas para debelar a crise econômico-política deixada pelo FMI na Argentina

Alberto Fernández, Xi Jinping e Vladimir Putin
Alberto Fernández, Xi Jinping e Vladimir Putin (Foto: Reuters)


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“A Argentina tem uma dependência muito grande do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos EUA.  Necessitamos abrir outras portas e apostar no multilateralismo, sem ser satélites de ninguém." Com estas palavras dirigidas a Putin em Moscou, Alberto dá um importante passo para aprofundar os laços decisivos entre os governos argentino e russo. “O contexto é muito favorável a estabelecer maiores vínculos entre a Rússia e a Argentina. Precisamos ver a maneira para que a Argentina se converta numa porta de entrada da Rússia na América Latina para que a Rússia ingresse de uma maneira mais decidida”, diz A. Fernandez, que também presidirá a CELAC neste ano. Assim, iniciam-se projetos de cooperação mútua entre empresas russas e argentinas nas áreas da saúde, transporte e energia, além de futuros investimentos em gás, petróleo, energias renováveis e também eólica. Após já ter experimentado com êxito a vacina Sputnik V contra o coranavirus (recorde-se que foi o primeiro país a registrar a vacina demonizada como “comunista” e que inaugurou a sua entrada na região), fala-se em fabricação nacional de produtos farmacológicos russos com tecnologia argentina. Além disso, discutiram projetos na área de transporte, inclusive o investimento no trem da zona de Vaca Muerta-Bahia Blanca.  Deverá chegar ao país a empresa Kamaz, para a fabricação de caminhões com consequente produção de empregos na Argentina, como revela a matéria no Página12.

No passo seguinte, a viagem à China, além da participação na inauguração dos Jogos Olímpicos de Inverno e o encontro com Xi Jinping, A. Fernandez incluiu entre suas visitas o Museu do Partido Comunista Chinês e, colocou na Praça de Tiannanmen uma oferenda floral no mausoleu de Mao-Tsé-Tung. A China é o primeiro sócio comercial da Argentina fora do Mercosul, o segundo destino das exportações agroindustriais argentinas e o primeiro investidor de energias renováveis. Recentemente se anunciou que a China contribuirá com o investimento de 8,3 bilhões de dólares na construção da central Nuclear Atucha III na Argentina. Há que ver ainda os detalhes dos vários acordos assinados, inclusive com a participação, na comitiva, de Axel Kicillof (FdT), governador da Província de Buenos Aires, a mais populosa do país. 

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Evidentemente, a sinalização dada a Putin pelo governo de Alberto/Cristina com esta viagem, tem um peso político no contexto global de ameaças da Otan/EUA a uma guerra militar contra a Rússia na questão da Ucrânia. Uma guerra que não interessa sequer a alguns governos da burguesia europeia, da Alemanha, França à Itália, quando o acordo Nord Stream-2 com a Rússia oferece, entre outras, um gás mais conveniente para a região, bem como a nova “Rota da Seda”, via Eurásia, abrindo chances de superação econômica ao povo europeu. Esse é o cenário de uma profunda crise de hegemonia dos EUA. Não há como ignorar duas potências econômicas unidas, como a China e a Rússia (na era do 5G, com chances de implementar uma moeda alternativa ao dólar), com as quais a Argentina contou exemplarmente no combate à catástrofe da Pandemia, através das efetivas vacinas Sptunik-V e Sinopharm. Ao finalizar esta Matéria, chega a importante notícia da reunião de três horas em Pequim entre Putin e Xi Jinping sobre acordos econômicos e militares que rejeitam as intenções bélicas da OTAN e da AUKUS contra a soberania dos povos. Diz-se que "as novas relações interestatais entre a Rússia e a China são superiores às alianças políticas e militares da época da Guerra Fria". É nesse contexto mundial que a Argentina receberá um investimento de 23 bilhões de dólares da China em vários projetos, ao aderir ao “Cinturão e Rota da Seda”. Além de tudo a Argentina acaba de solicitar à Rússia e à China a sua incorporação ao BRICS.

O debate aberto sobre as negociações com o FMI

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A comunicação oficial do governo do presidente Alberto Fernandez à nação sobre o recente acordo com o FMI, diante da premência de cumprir com o vencimento da primeira quota do ano, de 731 milhões de dólares (dos 44,5 bilhões contraídos por Macri) a 4 dias antes da viagem a Moscou e Pequim, deixava claro que não era o acordo “desejado pelo próprio governo, nem comemorável”, mas dava a entender que era um “mal menor”; que haveria que contar com outras variáveis futuras, medidas de governo a médio e longo prazo (nas quais se incluiriam acordos com a Rússia e a China) que poderão sustentar as promessas de que se reduzirá o déficit fiscal não às custas de cortes sociais, e que se poderá crescer sem reduzir gastos. Segundo o governo, declarar o fim do acordo com o FMI, o default, esperado por uma parte da Frente de Todos e a esquerda radical (FIT), levaria em seguida a um catastrófico “feriado cambial” provocado com a alta já disparada do dólar paralelo, com enormes danos e paralisia incontrolável na economia do país, baseada numa histórica duplicidade de moeda. Tudo às vésperas da viagem presidencial à Rússia/China.Nesse contexto, deu-se a renúncia do deputado e importante líder social do “La Campora”, Máximo Kirchner, à presidência da bancada oficialista da Frente de Todos, destapando um debate público de diferenças no campo progressista e nas alianças de governo. Compreensível, diante da urgência frente à calamidade pública resultado da pandemia e da dívida criminosa e impagável contraída por Macri com o FMI. Porém, chama-se a levar adiante um debate com maturidade para não romper a unidade da Frente de Todos e a governabilidade.
Torna-se essencial a comunicação popular, explicações ao povo sobre o que é o FMI e o quanto a dívida macrista incide na vida atual do povo argentino. Macri acabou com a Lei da Mídia, e o governo não retomou devidamente a comunicação oficial, via meios públicos, frente ao poder hegemônico do Clarin e La Nación na Argentina. Agora vem o debate parlamentar, após um resultado preocupante nas últimas eleições legislativas. O debate com a sociedade é essencial. Por exemplo, 40% não sabe que a dívida com o FMI foi contraída pelo Macri e a atribui ao Alberto e à Cristina. Uma boa ideia seriam microcanais nacionais de comunicação alternativa à rede nacional (vídeos institucionais com publicidade obrigatória) para sensibilizar e apoderar a sociedade. O ex-vice-presidente, Amado Boudou, do grupo Soberanxs (que defende levar Macri e o FMI à Corte Internacional de Justiça), reitera, entre outras, a necessidade de retomar as cadeias nacionais de Rádio e TV para comunicação de medidas de governo.
Entre as leituras cuidadosas sobre um debate político com tanta complexidade, recomendo análises de L. Bruschtein. Sua matéria sintetiza alguns pontos de contestação por trás do protesto de M. Kirchner: “Muito além dessa discussão, é evidente que ele procurou gerar um fato político, que tomou a forma de protesto – e até de advertência – contra o presidente Alberto Fernández por não levar em conta outras posições ao longo de uma negociação em que se produziram empurrões sobre questões estratégicas: a redução do déficit em meio ponto a mais do que o esperado, a redução da emissão e o aumento das taxas de juros. A partir das propostas públicas do governo, criaram-se expectativas sobre alguns pontos que não foram alcançados, como a prorrogação de prazos e o cancelamento de sobretaxas. As críticas se concentram nesses pontos, alguns dos quais continuarão sendo discutidos com o Fundo. E metas mais flexíveis eram necessárias nas três mencionadas acima.”
M. Wainfeld alerta a liderança e a militância peronista para o seu dever de cuidar a unidade. “Isso não requer silenciar debates, nem privar-se de diferenças honestas, mas sim evitar agressões, não se apaixonar pela luta interna. Olhe para o contexto, entenda que os adversários políticos ou inimigos da democracia estão bastante organizados para tirá-los do campo, com eleições ou com golpes de mercado”. Evidentemente, é preciso acompanhar este debate e pontualizar propostas concretas que neutralizem mais danos que qualquer acordo ou não com o FMI possa causar à cidadania. Cristina Kirchner no seu discurso na Praça de Maio, ao lado de Lula, no dia Internacional dos Direitos Humanos lançou uma proposta: chamou a que o FMI considere “cada dólar que foi ao exterior na fuga de capitais promovida no governo de JxC (Cambiemos), para que se pague a dívida com o Fundo”. Do empréstimo contraído pelo Macri, 100 grupos econômicos levaram 27 bilhões de dólares para paraísos fiscais.

O Neoliberalismo é sustentado pelos traficantes de drogas e parte do Poder Judicial corrupto

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A direita neoliberal, JxC (Juntos por el Cambio) e PRO, recentemente denunciados por articular a Gestapo Macrista, na Mesa Judicial na Província de Buenos Aires da ex-governadora Vidal, estão impunes e prontos para um novo golpe. Contra essa ameaça e a necessidade de concluir a Reforma Judicial e reformular a Corte Suprema de Justiça atual, houve no dia 1 de fevereiro uma manifestação massiva (1F) de movimentos sindicais, sociais, acompanhados de juristas diante do Tribunal de Justiça. A vice-presidenta, Cristina Kirchner, não deixa de enfocar uma das questões centrais na Argentina e na América Latina que é a ameaça constate do lawfare contra os governos progressistas e as lideranças sociais.Em Honduras, por ocasião de sua viagem à posse da presidenta Xiomara Castro, Cristina reiterou: “O grande desafio que tem a nossa região e o mundo é ver quais são os graves problemas que atingem a todos nós. A nível global, se queremos combater o narcotráfico, vamos ter que discutir seriamente que os Bancos das grandes potências deixem de lavar as fortunas dos traficantes de droga”.  Ao qualificar de ciclo virtuoso a primeira década do século XXI com governos progressistas, admitiu que há “retrocessos contra os povos que não se aplicam necessariamente através dos militares. Agora, há que conseguir juízes, educados em Fundos, que financiam da mesma forma. São aqueles que financiaram os golpes militares e que, agora, financiam os golpes judiciários na América Latina”. Certamente, o esvaziamento do Estado, intrínseco a governos neoliberais, dão campo a estruturas de poder mafioso sustentadas por uma Justiça inoperante e corrupta. A tragédia em curso no chamado subúrbio pobre de Buenos Aires onde o narcotráfico acaba de espargir cocaína adulterada, matando, em dois dias, 23 pessoas e hospitalizando 80, se dá num terreno detonado pelo saqueio da era Macri e não resolvidos a tempo na década virtuosa e combatida do kirchnerismo. Cristina Kirchner, no seu discurso em Honduras, previu e enfocou esta situação: “O neoliberalismo preme pela redução do Estado; os libertários querem suprimi-lo, mas, o que ocorre? O que ocorreu e o que está ocorrendo quando se instalam estas doutrinas neoliberais na região? Aparece o traficante de drogas”. “Os que impulsionam em toda a região a supressão do Estado e as políticas de ajuste são os mesmos que depois falam de combater os traficantes. Como se os traficantes pudessem ser combatidos somente através do Ministério da Segurança e não a partir do acesso ao trabalho, à saúde e à educação, ao progresso”.Por isso, tem razão a Cristina Kirchner que, em sintonia fina com a mobilização do dia 1F (apagada da tela, sobretudo pela mídia hegemônica, devido ao debate sobre o acordo com o FMI), protestou contra a decisão da Câmara Federal de Cassação que retirou da alçada do juiz de Lomas de Zamora a causa de espionagem ilegal que responsabilizava o ex-presidente Macri e a AFI, levando ao tribunal de Comodoro Py, controlado por juízes afins ao mesmo. Tudo isso, ocultado pela mídia, ignorado a priori pela Corte Suprema, mas não pela atenção e atuação política da vice-presidenta. Esta não abandona o campo. Está atenta a questões nevrálgicas do lawfare judicial-midiático-econômico. Enquanto cabe ao presidente Alberto Fernandez anunciar o acordo econômico com o FMI e viajar à Rússia e China, a vice-presidenta, Cristina Kirchner se mantém no centro-campo, contra-atacando a Corte Suprema e, cuidando-se para não dar nenhum gol contra.O grande desafio do movimento nacional e popular é construir uma agenda de medidas governamentais, debates, lutas e comunicação social, preservando a unidade da Frente de Todos e recuperando a hegemonia posta em questão nas últimas eleições legislativas. Continuar a negociação, para garantir um projeto de crescimento de produção com valor agregado, defesa salarial, controle da inflação, reforma tributária, reforma das entidades financeiras, imposto constante sobre grandes fortunas, controle de fuga de capitais, retenções nas exportações (como pretendem fazer com a Techint). Enfim, o debate está aberto para medidas concretas e, sem dúvidas, a médio e longo prazo, o Cinturão e a Rota da Seda abrirão muitos horizontes.

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