O duro e impopular exercício da crítica
Se as novas casas legislativas não estivessem tão desmoralizadas e destituídas de poder, seriam o contraponto necessário à vontade imperial do governante. A elas cabe o papel da fiscalização, do controle das atividades do Poder Executivo
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Dizia o cronista pernambucano Nelson Rodrigues que toda unanimidade é burra. É burra e perigosa, quando se trata da existência de uma sociedade democrática. Por melhor e infalível que seja o governante de turno (prefeito, governador e presidente), a necessidade do contraditório, da atividade crítica, vigilante e fiscalizadora dos cidadãos é fundamental para a oxigenação do sistema político-partidário. A busca, a qualquer preço, da unanimidade pelo governante é uma forma de despotismo suave, sobretudo quando se assenta na cooptação, no aliciamento ou compra de apoio político-parlamentar. A liberdade de expressão ou de opinião, num regime democrático, não é um beneplácito do gestor ou administrador. É uma garantia de que sua gestão seja republicana, realize o bem comum ou o interesse público.
Um administrador público – seja ele um político de carreira, um guarda-livros ou contabilista – não é eleito por um chefe, por uma família, uma oligarquia ou grupo político, para preservar e ampliar vantagens, conveniências e interesses desse grupo ou dessa oligarquia. A Ciência Política Clássica levou muitas centenas de anos para definir o conceito de representação ou mandato popular. Desde o abade Syeis até hoje, a essência, o garante, a base da representação é a soberania do povo. Ou seja, o mandatário governa em nome, com e para o povo. É portanto injustificável que produza-se uma curiosa inversão: de mandatário do povo em mandante do povo. Em vez, do compromisso com os interesses populares, compromissos com os financiadores ou patrocinadores de campanha. O governante deve fidelidade à Constituição e à vontade política da população, expressa na autorização dada, pelo voto, ao vencedor nas urnas. Mas isso o obriga a realizar sua vontade e, acima de tudo, a prestar contas de seu mandato àqueles que o elegeram e também aos que não o elegeram. Afinal, todos são contribuintes e cidadãos.
Um governante que não sabe conviver com o contraditório e se aborrece com as críticas de seus concidadãos ou governados confunde a gestão pública com a gestão privada (de sua casa ou de sua empresa) ou, como burocrata, pensa que a crítica é uma mera licença poética concedida por ele aos que desaprovam ou fazem reparos à sua gestão. Estes confundem a liturgia e os privilégios do cargo como autorização para fazerem o que quiserem com o erário público, sem prestar contas de sua gestão. E ai das daqueles que acharem ruim; estes vão se queixar ao bispo.
Um agravante desse modelo de gestão é a ausência efetiva da separação de poderes e o papel da mídia. Se as novas casas legislativas não estivessem tão desmoralizadas e destituídas de poder, seriam o contraponto necessário à vontade imperial do governante. A elas cabe o papel da fiscalização, do controle das atividades do Poder Executivo. Infelizmente, tornaram-se em instrumento de homologação da vontade do gestor, às custas do aliciamento e da cooptação. Como dizia a filósofo judia, se transformaram em mercados de compra e venda de apoios políticos. Pior é o papel da imprensa dita livre e independente, que se comporta com empresa e busca vantagens junto ao Poder Político e Econômico. De órgãos formadores da opinião pública, viraram máquinas de "produção" de um falso consenso, de uma pseudo-unanimidade em torno dos poderosos de turno.
Se quisermos desfazer a impressão de um famoso historiador paulista que chamou o nosso regime democrático de um profundo mal-entendido, num contexto de formação oligárquico-liberal, é preciso fazer da liberdade de opinião, da liberdade de crítica, da liberdade de consciência, mais do que uma simples reverência retórica nas cátedras e salões nobres dos Parlamentos. É preciso ter coragem de exercê-las diante daqueles que confundem o cargo com uma prebenda, e a crítica como crime ou desrespeito.
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