O domínio das pautas negativas

O primeiro ponto da pauta negativa foi a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro

Rui Costa, Lula e Fernando Haddad
Rui Costa, Lula e Fernando Haddad (Foto: Flickr/Lula Oficial)


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Este início de terceiro mandato de Lula está sendo marcado pelo predomínio das pautas negativas. Algumas independem das iniciativas e das ações do governo. Outras, contudo, têm alguma relação com as ações que poderiam mitigar efeitos negativos. O domínio das pautas negativas não é um bom cenário para o início de um governo. Principalmente numa conjuntura que é necessário imprimir um sentido de virada em relação ao ambiente extremamente negativo do governo anterior. Gerar um ambiente positivo é uma das condições para que o governo tenha sucesso e para que consiga enfraquecer as cabeças de ponte políticas ainda fortes do bolsonarismo. 

A pesquisa IPEC, divulgada no final de semana, que confere 41% de bom e ótimo ao governo, não é ruim, mas também não é confortável. É superior ao mesmo período do início do governo Bolsonaro (34%), mas inferior ao início do primeiro mandato de Lula em 2003 (51%), ao segundo mandato em 2007 (49%) e ao primeiro mandato de Dilma em 2011 (56%). 

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O primeiro ponto da pauta negativa foi a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro, com a invasão da sede dos três poderes da República. Os desdobramentos deste negativismo se fazem sentir até hoje. Foi um evento que, do ponto de vista da ação do governo federal, não tinha como ter sido evitado. As ações corretas de Lula e do governo naquele contexto não impediram a disseminação da percepção negativa daqueles eventos. 

Outros acontecimentos que pautaram negativamente o ambiente e que independeram das ações do governo foram a tragédia Yanomami, o desastre ambiental em São Sebastião e uma sucessão de casos de trabalho escravo, envolvendo centenas de trabalhadores. Todos esses eventos, claro, são consequências de omissões, políticas criminosas e de equívocos de governos. Mas o governo Lula herdou essas tragédias todas, buscando soluções de emergência. 

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A tragédia Yanomami, com forte repercussão internacional, causou indignação, espanto e vergonha. As chocantes cenas de corpos esquálidos, vitimados pela fome, desnutrição e violência, remeteram a rememorações de algumas das piores tragédias da humanidade, como os campos de concentração nazistas e a fome na África. 

As tragédias ambientais recorrentes em cidades não chegam a ser surpresas, dado o descaso do poder público no planejamento urbano e a omissão na adoção de medidas preventivas nas áreas de risco. Com os efeitos do aquecimento global, essas tragédias tendem a se repetir.

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O trabalho análogo à escravidão, incluindo práticas de violência contra os trabalhadores, está em alta no Brasil nesse período de saída da pandemia. Em 2022 foram mais de 2,500 trabalhadores resgatados. Em 2023, até 9 de março, já são 523 vítimas resgatadas. Os números são assustadores e indicam sintomas de uma sociedade esgarçada moralmente e desumanizada. 

É nas questões propriamente políticas que poderia ter havido ações de determinados agentes no sentido de atenuar e impedir impactos negativos. Nos últimos dias outra pauta de grande repercussão nacional negativa são os atentados do crime organizado no Rio Grande do Norte. Se, por um lado, esses atentados são consequência de medidas do governo estadual de transferência de líderes de facções criminosas para presídios federais, por outro, há fortes evidências de que uma das causas são as péssimas condições prisionais, com superlotação, comida estragada, maus tratos e tortura generalizada. Essa situação poderia ter sido evitada se não existissem falhas clamorosas do governo estadual, principalmente considerando-se que a governadora Fátima Bezerra (PT) está em seu segundo mandato. 

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Outra pauta negativa derivou de algumas ocupações por parte do MST, particularmente na Bahia. O MST é um dos mais bem sucedidos movimentos sociais do Brasil. Tenho especial apreço pelo MST: alguns dos meus primos foram fundadores e ainda são dirigentes do movimento. A questão não está na estratégia de ocupações, mas no momento em que foram realizadas. Deixaram o governo numa situação delicada num momento em que ainda é preciso trabalhar os rescaldos da tentativa de golpe. Elas também deram munição para a direita investir contra o governo. Em política, a execução eficaz de uma ação justa depende da avaliação das circunstâncias e do momento oportuno. Se isto não for bem avaliado, a ação pode produzir um efeito contrário ao objetivo pretendido.

Todas as avaliações prudentes indicam que este é o momento decisivo para que o governo arrume a casa. É preciso conter a expansão da dívida e recompor receitas para que as políticas sociais possam ser executadas e para recuperar a capacidade de investimentos. Não fazer isto agora significa abrir um caminho de dificuldades e de descontroles nos próximos anos. A equipe econômica liderada por Haddad vem mostrando competência e responsabilidade na construção desta perspectiva positiva, com a qual o crescimento será retomado.

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Mas setores do PT, particularmente a presidência, decidiram investir contra essa construção da política econômica do governo. No episódio da reoneração dos combustíveis defenderam a mesma tese dos bolsonaristas do PL. De forma bisonha, vêm transformando o obscuro e desconhecido presidente do Banco Central em inimigo principal do partido. Todos sabem que há uma tendência dos juros recuarem e que a própria inflação dos alimentos, passado esse pico sazonal, tende a recuar. Os juros altos que estão ali foram elevados no governo Bolsonaro. Nenhuma manifestação contra os juros altos foi feita então.

Esses setores do PT parecem ter esquecido que o bolsonarismo é e continuará sendo o inimigo principal. A própria pesquisa do IPEC mostra a resiliência de Bolsonaro. O PT fez uma oposição tíbia nos quatro anos de governo bolsonarista. O preço pago pela sociedade foi extraordinariamente alto. Essa tibieza continua em voga. 

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O bolsonarismo continua forte e ativo nas redes. Se articula no Congresso visando uma oposição dura. Quanto mais articulado estiver o bolsonarismo, mais alto preço o governo terá que pagar para conseguir manter uma base viável no Congresso. Ao contrário do que muitos pensam, o fim do orçamento secreto não enfraqueceu Arthur Lira. A inabilidade política do PT e de alguns ministros contribui para criar uma dependência ainda maior do governo a Lira e a setores do Centrão. 

A única política de esquerda possível nesse momento consiste em buscar o equilíbrio entre as responsabilidades fiscal e social. Isto garantirá os programas sociais, a retomada futura de investimentos e crescimento. Não se pode vender como esquerda um esquerdismo subsidiário de teses bolsonaristas.

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