O doce guerreiro partiu

"Fez canções inesquecíveis como "Zelão", "Folha de Papel", "Esse Mundo é Meu", "O Nosso Olhar", "Enquanto a Tristeza não Vem", "Barravento" e "A Fábrica", além da antológica trilha do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha", escreve Miguel Paiva sobre a morte do cantor e compositor Sérgio Ricardo

Sérgio Ricardo em ilustração de Miguel Paiva
Sérgio Ricardo em ilustração de Miguel Paiva (Foto: Miguel Paiva/ilustração/ artigo)


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Por Miguel Paiva, do Jornalistas pela Democracia

Por incrível que pareça conheci Sérgio Ricardo quando tinha 10 anos. Morava na Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio e Sérgio estava filmando O menino da Calça Branca ali pertinho, na favela Macedo Sobrinho. Uma das cenas era do menino protagonista que ganhara uma calça branca de presente de Natal e descia para o asfalto todo prosa. Eu fui arregimentado junto com amigos para encenar uma pelada na ria que acabava sujando a calça branca do menino. Apareci de bunda como goleiro, mas era eu o figurante. Anos mais tarde fiquei amigo de verdade do Sérgio, do Ziraldo que participava do filme e do Pitanga. Sérgio sempre foi um querido. Convivemos muito desde 1967. Ele era amigo do Ziraldo e por conseguinte meu. Era um combatente da música e do cinema. Fez muitos filmes, todos fortes, bons e que marcaram a história do Cinema brasileiro como Esse Mundo meu, A Noite do espantalho e , recentemente, Bandeira de Retalhos com o pessoal do Vidigal onde morava. 

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Sérgio morreu hoje. Estava internado há alguns meses com insuficiência renal e outras complicações. Resistiu o que pode como bravo guerreiro que era. Seus filhos Adriana, Marina e João o acompanharam, fizeram shows, festejaram seu último aniversário remotamente e deram hoje a triste notícia.

Ultimamente tinha retomado minha relação com ele e estava muito feliz. Sérgio além de tudo era um excelente pintor. Na mesma época que comecei a pintar estivemos junto, na sua casa no Vidigal, no seu vernissage na Villa Riso no Rio e em outras ocasiões. Sérgio estava mais sábio com a idade. Sempre foi um contestador, um artista com a política correndo nas veias. Desde a famosa cena do violão na plateia no Festival da Canção quando emudecido pelas vaias à sua música Beto Bom de Bola,  quebrou o instrumentou e o arremessou, junto com sua raiva, no público, Sérgio sempre soube juntar muito bem o amor com a luta. Era um romântico militante, um político doce a agudo, um resistente como somos todos nós, hoje, diante de um Brasil tão árido. 

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Fez canções inesquecíveis como "Zelão", "Folha de Papel", "Esse Mundo é Meu", "O Nosso Olhar", "Enquanto a Tristeza não Vem", "Barravento" e "A Fábrica", além da antológica trilha do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha. Sérgio participou do concerto do Carnegie Hall que lançou a Bossa Nova no mundo e acabou se tornando um compositor único, destacado do resto e que se caracterizou não só pela música de cinema como pelos temas políticos mais fortes. Era um paulista com sangue nordestino e espírito carioca. Irmão do grande fotógrafo de cinema Dib Lutfi realizou com ele quase todos os seus filmes fazendo da fotografia esplêndida uma ilustração perfeita para suas ideias.

No início dos anos de 1970 lançou o disco Arrebentação e em seguida um show no Teatro Casa Grande chamado Conversação de Paz. Fui convidado para fazer o cenário e o cartaz. Foi a retomada da nossa relação e no show Sérgio mostrava o trecho do filme onde eu aparecia ainda menino. Foi uma consagração dessa relação de amizade que durou tantos anos.

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Sérgio era um craque em tudo o que fazia. Seu pequeno apartamento no Vidigal estava lotado de quadros, todos lindos, todos muito fortes. Além disso era um indignado constante. Foi morar no Vidigal, ao pé da favela, quase que num gesto de se assumir parte do povo. Gostava daquela proximidade e com a comunidade fez seus trabalhos mais importantes dos últimos anos. Merece uma homenagem de todos nós vendo seus filmes, ouvindo suas músicas, lendo sua poesia e guardando os olhos não só sua postura firme e doce mas a imagem de lutador que sempre passou. Vá em paz, Sérgio que aqui tentaremos manter viva essa Conversação.

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