O dia que o fascismo assustou o Uruguai
Colunista Jeferson Miola avalia que, no Uruguai, o general Guido Manini Ríos "decidiu dobrar a aposta no extremismo e na política de confrontação, de radicalização fascista, de demonização do adversário, a Frente Ampla, transformada, no debate eleitoral, no 'inimigo capital'". "Lacalle Pou, se tiver confirmada a vitória, terá mais problema que solução", avalia
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Era um quase consenso que o direitista Lacalle Pou, do Partido Nacional, venceria o candidato situacionista Daniel Martinez, da Frente Ampla, por uma margem de diferença de votos não inferir a 5%, 6%, ou inclusive mais.
Esta expectativa estava tão enraizada que já não se projetava o prognóstico da eleição, mas sim o tamanho da folgada diferença que Lacalle Pou faria sobre Daniel Martínez.
O desalento, o desânimo e a desesperança antecipada dos setores frenteamplistas também autorizava o vaticínio de uma derrota acachapante da Frente Ampla; esperava-se uma goleada. Todas as pesquisas, indistintamente, confirmavam esse cenário.
O voto do povo na urna neste domingo, 24 de novembro, entretanto, contrariou todas estas projeções e expectativas.
Apesar de 99,49% dos votos apurados, a Corte Eleitoral não declarou o vencedor, mesmo com uma diferença de 29.799 votos a favor de Lacalle Pou, que está perfazendo 50,65% dos votos contra 49,35% de Daniel Martínez – uma escassa vantagem de 1,3%.
Ainda estão pendentes de apuração 35.102 votos recolhidos em separado [“observados”], cifra superior à vantagem de Lacalle sobre Martínez. Matematicamente, portanto, não se pode proclamar o vencedor, embora tendencialmente a probabilidade é de que será o candidato da direita. O resultado oficial será proclamado pela Corte Eleitoral somente nos próximos dias.
Se todas as expectativas e projeções eram corretas, o que então teria ocasionado mudança tão drástica dessas tendências consolidadas e que por pouco não inviabilizou a vitória cantada como líquida e certa do direitista Lacalle Pou?
A resposta pode estar no general Guido Manini Ríos.
Com seu extremismo ideológico e uma postura fascista genuína, ele assustou a população uruguaia, inclusive os setores anti-frenteamplistas que sabem, acima de tudo, que mesmo a pior democracia sempre é melhor que qualquer tirania macabra.
Na antevéspera do segundo turno, este ex-candidato presidencial e senador eleito pelo Cabildo Abierto divulgou um vídeo demonizador e infame exortando militares a não votarem em Daniel Martínez [aqui].
Na noite deste domingo, 24/11, depois de ter submergido devido à péssima repercussão do vídeo, Manini reapareceu em público a caminho do comitê de Lacalle Pou e reafirmou todas as barbaridades: “Tudo o que eu disse no vídeo é exatamente assim” [aqui]. Hitler ficaria envaidecido de discípulo tão aplicado.
No sábado, véspera do segundo turno, descobriu-se mensagem assinada pelo grupo terrorista auto-denominado Comando Barneix e disseminada através de WhatsApp com números telefônicos do Brasil, nos mesmos moldes da maquinaria empregada por Bolsonaro. A mensagem, com linguagem militar e citação bíblica, ameaçava de morte o destinatário que não votasse em Lacalle Pou [aqui].
Manini sabe que constituiu capital político e eleitoral decisivo para a vitória do seu aliado do Partido Nacional.
E, por isso, este general de extrema-direita decidiu dobrar a aposta no extremismo e na política de confrontação, de radicalização fascista, de demonização do adversário, a Frente Ampla, transformada, no debate eleitoral, no “inimigo capital”.
Este extremismo, todavia, por muito pouco não causou a derrota de Lacalle Pou. Mais um dia de campanha e muito provavelmente Daniel Martínez teria revertido votos e vencido a eleição com folga.
A repulsa a Manini Ríos parece ascendente, ganhou notável impulso. O povo uruguaio parece ter despertado bem cedo do pesadelo e escreveu, com seu voto, uma mensagem clara: fascismo não!
Lacalle Pou, se tiver confirmada a vitória, terá mais problema que solução fazendo sociedade política com este extremista de ultra-direita que corrói o Estado de Direito a partir de dentro para edificar um regime de terror de Estado.
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