O dia em que o professor vaiou a escola

Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso?

Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso?
Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso? (Foto: Lelê Teles)


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Eu vi com os meus próprios olhos.

O dia mal havia começado quando o amigo me ligou. Convidava-me a ir com ele a um festejo junino em Neópolis, às margens do mítico São Francisco.

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Como recusar?

Adornei-me com a indumentária de ocasião: camisa quadriculada, cinto com fivela larga, um chapéu de palha roto na cabeça, botei um cigarrim no canto da boca e pintei um dente frontal com canetinha preta, a imitar o Jeca Tatu de Mazzaropi.

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Fé em Deus e pé na tábua.

Overland, nossa Mãe Dinah do tempo, dessa vez estava certo. A temperatura era amena, mas sem chuvas. Um frescor carinhoso borrifava-se pela janela do automóvel. Estrada boa.

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No som do carro ouvíamos ora Rogério, ora Clemilda.

É o primeiro festejo junino sem a presença física dessa dupla paradigmática. Mas a safadeza de uma e o carisma do outro continuarão sempre vivos na alma de nossa gente.

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Eu pensava nisso quando chegamos à pacata Pacatuba. E a chapa tava quente por lá.

Curiosos como todo Jeca o é, paramos diante de um comboio de carros: batedores fecharam uma via, portas se abriam frenéticas, saltavam fotógrafos, repórteres com canetas e blocos à mão, cinegrafistas, fogos explodiam no ar.

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Um grupo de senhoras, todas de vermelho e com bandeiras vermelhas à mão, avançaram em direção a um dos automóveis. Avistei ali a figura do governador Jackson Barreto.

As professoras - compreendi tudo – tentavam impedir o chefe do executivo de entrar numa escola.

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Ah, desculpe-me diligente leitor, estávamos na frente de um colégio. Em uma faixa presa no muro, o prefeito agradecia o governador pela reforma completa da escola, lá dentro ouvi os estudantes entusiasmados com os novos banheiros, nova pintura, piso novo, biblioteca, sala de informática, até Messias, o padre-professor apareceu para abençoar a obra.

E as professoras, veja que coisa, queriam impedir o gov. de entrar na escola e inaugurar a obra. Foram elas impedidas de entrar, e ficaram a fazer a algazarra do lado de fora.

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Um repórter teve a paciência de explicar a esse pseudo caipira que no dia anterior, em Aracaju, foi a mesma futrica. Professores apitavam e faziam baderna tentando estragar a festa de inauguração de escolas construídas ou reformadas.

Seriam sete inaugurações em dois dias. Das 526 escolas sergipanas, disse-me um membro da comitiva – todo mundo é sempre muito atencioso com um roceiro curioso e articulado – nada menos que 200 já estavam de cara nova, o governo está construindo um novo modelo de unidade educacional, disse-me ele na certeza de que eu o compreendia, o investimento total supera os 250 milhões de reais.

E era para isso que as professoras faziam cara feia.

Voltei para minha carroça moderna, puxada por um motor de 200 cavalos puro-sangue, e segui a Neópolis.

Linda zona rural, plantações de bananeiras, gado atravessando a estrada, matutos matutando, o verde a verdejar.

Finalmente a cidade nova, Neópolis. Havia espigas de milho por todos os lugares, o cheiro de milho cozido exalava.

Paramos numa bodega para esticar as pernas e aproveitamos para tomar uma bicadinha, aquecendo o corpo.

Passou uma criança com a boca lambuzada de mungunzá, um outro atravessou a rua no lombo de um burro, duas adolescentes com uniforme escolar caminhavam mexendo nos celulares.

E de repente, olha elas de novo. As mesmas professoras embandeiradas passaram numa van. Daí a pouco, a mesma comitiva que vi na pacata Pacatuba.

Resolvemos seguir o cortejo, mazzaropicamente.

A cena se repetiu. O carro do gov. parou, as professoras o cercaram, ofenderam o cabra, afrontaram o secretário de educação, xingaram membros da comitiva de puxa-saco, desafiaram os seguranças a lhes darem catiripapos: "bata, bata em mim pra você ver".

Não bateram.

Entrei na escola, uma escola enorme e tradicional chamada Caldas Júnior.

Vi ali o tal novo modelo de unidade educacional: uma moderna quadra poliesportiva coberta e com estrutura em concreto, azulejos nas paredes dos corredores, um pátio grande com três quiosques cobertos como área de convivência, um refeitório todo organizadinho, laboratório de informática com wi-fi liberado, biblioteca enlivrada, sala dos professores arejada e com iluminação natural, rampas de acessibilidade, banheiro para cadeirantes e - qual não foi minha surpresa - um auditório com cadeiras confortáveis.

Um troço desse não só inibe a evasão escolar, estimula a invasão escolar, quem não quer estudar ali?

Um líder estudantil secundarista agradeceu ao governador, em nome dos alunos, por essa grande conquista.

O prefeito Amintas Diniz estava emocionado, ele foi um dos primeiros alunos daquela escola.

Ali, disse a diretora, estudaram médicos, advogados, engenheiros, várias gerações vitoriosas, mas ninguém teve a sorte de estudar naquela escola com tanto conforto e com condições tão favoráveis ao aprendizado.

Os únicos a reclamar ali eram os professores. Sinceramente, faziam um papel ridículo. Pareciam discordar daquilo tudo.

Na verdade não eram "os professores", eram os sintesianos, aqueles que submeteram toda a categoria ao vexame de uma greve iniciada na tora e declarada ilegal por ilegal ter sido; agora estavam novamente a fazer política de forma irresponsável, querendo levar tudo no grito, na galhardia, no apitaço.

Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso?

Talvez a minha condição de matuto ocasional tenha em impedido de compreender a demanda dos mestres.

Fui até eles.

Uma me disse que era professora aposentada, mas estava na luta pela valorização dos novos professores, veja que coisa. A outra foi ainda mais enfática, "sou professora e nunca pude viajar, ganho pouco, é uma miséria".

Mas com mil diabos, essa senhora estava a excursionar pelo interior do estado tentando sabotar o projeto do governador e implorando para ver a cabeça do secretário numa bandeja de prata.

Por que não foram à beira do rio comer uma peixada fresca e apimentada? Vão dançar um forró, minha gente, é tempo e festa.

Ou melhor, por que não aplaudiram as novas escolas, bonitas, modernas, com salas arejadas, com a luz natural a penetrar na mente das crianças?

Por que não foram lá e disseram, "tudo muito bom, tudo muito bem, mas ainda está faltando um detalhe, oi nóis aqui".

Qual nada.

Foi a primeira vez em minha vida que vi professores vaiando uma escola novinha em folha, com as melhores condições de trabalho que um profissional poderia querer.

Com mil diabos, o que querem essas pessoas?

Palavra da salvação.

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