O dia em que o morro descer e não for Carnaval

Temer mandou tirar a faixa presidencial do peito do Vampirão durante o desfile das campeãs; a escola arregou miseravelmente, sinal de que o terror psicológico provocou efeito. Quando o exército começar a usar toucas ninja para invadir barracos haverá revolta. E ela provocará um estado de sítio. E ele provocará a desobediência civil

Temer mandou tirar a faixa presidencial do peito do Vampirão durante o desfile das campeãs; a escola arregou miseravelmente, sinal de que o terror psicológico provocou efeito. Quando o exército começar a usar toucas ninja para invadir barracos haverá revolta. E ela provocará um estado de sítio. E ele provocará a desobediência civil
Temer mandou tirar a faixa presidencial do peito do Vampirão durante o desfile das campeãs; a escola arregou miseravelmente, sinal de que o terror psicológico provocou efeito. Quando o exército começar a usar toucas ninja para invadir barracos haverá revolta. E ela provocará um estado de sítio. E ele provocará a desobediência civil (Foto: Lelê Teles)


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Em '96, o genial e elegante sambista Wilson das Neves, falecido a pouco, compôs uma profecia em forma de samba:

"O dia em que o morro descer e não for carnaval/ ninguém vai ficar pra assistir o desfile final / na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu / vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil / (é a guerra civil)..."

Durante o carnaval desse ano uma faixa anunciava ao STF que o morro iria descer.

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E o Paraíso do Tuiuti parece ter provocado essa avalanche, o morro desceu. 

Mas ainda era carnaval.

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E, no solo sagrado da Sapucaí, com o Vampirão Mefistófeles, entre alegorias, manifestoches e fantasias, o eco do samba de Wilson das Neves se fazia ouvir: 

"O povo virá de cortiço, alagado e favela / mostrando a miséria sobre a passarela / sem a fantasia que sai no jornal..."

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Não nos esqueçamos, a Sapucaí é uma obra de Leonel Brizola e Oscar Niemeyer, ela é, portanto, uma obra revolucionária, palco central da ópera popular brazuca. 

Foi ali que, em '89, o maranhense Joãozinho 30 rasgou a fantasia glamourizada e midiática que enfeiava o carnaval e botou na avenida mendigos maltrapilhos, ratos e urubus, e um Cristo censurado embrulhado em um saco preto de lixo.

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Um tapa na cara do luxo e da luxúria.

Foi aí que a Globo intensificou o projeto de reinvenção do carnaval, apoiada pelos bicheiros e contraventores amigos, desfavelizando as escolas de samba.

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Nesse processo de alienação, as alas passaram a ser ocupadas por turistas, todos brancos, que pagavam caro pela fantasia, desfilavam para as câmeras, não sabiam sambar e nem cantar o hino da escola.

Um desastre!

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Os carros alegóricos, e os lugares de destaque na avenida, foram cedidos aos artistas da rede globo.

Atores, atrizes, apresentadores... o cacete.

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O andamento e os temas dos sambas foram se modificando.

No alto dos carros alegóricos, majestosos, reluziam as celebridades da globo e, eventualmente, de outras emissoras.

Em '92, os Racionais perguntavam: "as negras onde estão? / desfilam no chão, em segundo plano / pouco original e mais comercial a cada ano..."

A profecia de Wilson das Neves ia ter que esperar, as celebridades só querem celebrar, não há mais espaço para o discurso racional, o carnaval se empoleirou em camarotes, só se fala em fantasias, fotografias e decotes.

Resignados, os Racionais completavam: "o carnaval era a festa do povo / era...mas alguns negros se venderam de novo / brancos em cima, negros em baixo / ainda é normal, natural, 400 anos depois..."

A escravidão, antes contestada na avenida, agora passa a ser legitimada.

É aí que entra a Tuiuti.

Cheia de gente da comunidade, e "sem a fantasia que sai no jornal", fez um desfile para os Deficientes Cívicos, denunciando a opressão midiática e empresarial, a escravidão formal e gritando pela libertação do cativeiro social. 

O eco de Neves parecia provocar essa avalanche.

O mundo inteiro comentou o desfile, ressaltando a crítica política mordaz e a sátira inteligente das marionetes, patos midiotizados e vampiros que sugam dinheiro.

Os sismólogos do Planalto ouviram a terra tremer e alertaram o chefe que tremia: "ouvimos ruídos de telúrica rebelião, se não é terremoto é avalanche."

Aí, antes do desfile das campeãs, temer resolveu botar o seu bloco nas rua e provocar a avalanche reversa. 

E o fez em plena quaresma.

O Vampiro Neoliberalista, inimigo do ritmo, subiu o morro com sua escola que sangra.

O abre alas são os recrutas, molecotes de 18 anos, funkeiros, favelados e preparados para a guerra, a combater o inimigo.

O inimigo aqui são seus antigos parceiros de baile.

Fardados e ostentando fuzis enferrujados, sambam com a faca nos dentes.

Em seguida, a ala dos sargentos, marrentos e recebedores de arrego; todos de bigode. 

Esses é que rodam a baiana.

Pela sinuosa avenida de vielas, evoluem os tanques alegóricos, rangendo como cães metálicos, cérberos descerebrados.

O rata ta ta descompassado é a melodia da fuzarca verde-oliva.

Raul Jungmann, como um anão, vem no primeiro carro, atirando pra cima.

Em seguida, sem jogo de cintura, passam os tenentes; todos sentados, com os pés na mesa, jogando videogame.

Os generais estão no carro mais alto, ventres inflados.

A ala dos juízes recebedores de auxílios é vaiada pela multidão, que lhe atiram ovos e tomates podres.

Enfim, a ala dos passistas, tomando rasteira, caindo e levantando; mas sorridentes: Crivella, Big Foot, o secretário de segurança pública, os delegados, o comandante da polícia militar...

É a ala dos esfarrapados.

Lobão, roger, o pequeno kim, madureira, forta, janaína paschoal, piovani, serrado e que tais, desfilam em fio dental, manipulado pelas cordinhas dos marinho.

No último carro, o Vampirão Neoliberalista, com uma urna na mão, mendigando votos.

A bateria de salva de tiros diz que não vai ter paradinha esse ano, é acompanhar o andamento do escola.

É a escola sem partido.

O samba enredo diz que sem votos, temer, padilha, jucá e angorá não serão eleitos em 2018 e, sem mandatos, terão que cumprir os mandados. 

Por isso temer colocou seu bloco na rua.

Temer subiu antes que o morro descesse e, lá em cima, ele faz a contenção das encostas.

É uma guerra psicológica, daquelas que fazem os valentões de escola: tiram a camisa e exibem os músculos, para intimidar.

Temer mandou tirar a faixa presidencial do peito do Vampirão durante o desfile das campeãs; a escola arregou miseravelmente, sinal de que o terror psicológico provocou efeito.

Só que, quando o exército começar a usar toucas ninja para invadir barracos, estuprar adolescentes e torturar trabalhadores, como aconteceu nas outras vezes em que o exército esteve na favela, haverá revolta.

E ela provocará um estado de sítio.

E ele provocará a desobediência civil.

E, no meio do caos, alguém recitará no ouvido do vampiro a última estrofe do samba de Wilson das Neves:  

"não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga / nem autoridade que compre essa briga / ninguém sabe a força desse pessoal / melhor é o poder devolver à esse povo a alegria / senão todo mundo vai sambar no dia / em que o morro descer e não for carnaval."

Palavra sapiencial.

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