O dia em que Dom Pedro II "bateu paiada"

No dia em que completam 100 anos a morte de Olavo Bilac, o jornalista Alex Solnik relembra uma crônica de Bilac e uma expressão que o mesmo explica; "Bilac conclui: 'ah, nós todos gostamos de bater palhada, quer tenhamos à mão o cetro de um império, como ele, quer empunhemos uma pena de cronista, como eu'. Ou um tablet de jornalista, como eu", escreve Solnik

O dia em que Dom Pedro II "bateu paiada"
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Numa crônica publicada no dia 24 de fevereiro de 1894 na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro intitulada Palhada imperial – compilada no volume I de Bilac, o jornalista, organizado por Antônio Dimas, editora Edusp – Olavo Bilac conta ter conhecido “um preto velho, descarnado e torto, sem dentes”, perto de 60 anos, de quem ouviu, pela primeira vez, a expressão “batê paiada”. Curioso, quis saber o que queria dizer.

“Qué dizê catá muiê no mato, seu dotô”, respondeu o camarada.

Os dois seguiam a cavalo, lado a lado. O camarada, segundo Bilac, “alegrava a viagem com sua tagarelice contínua e sua gíria de matuto”.

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O poeta não parava de perguntar, nem o outro de contar as suas memórias.

“Correra todo aquele sertão velho, desde pequenino, como escravo primeiro, pagem de um sinhô-moço engenheiro, como homem livre depois, camarada de exploradores de minas, de candidatos cruzando os arraiais à caça de votos e, ultimamente, agregado a uma fazenda”.

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A uma certa altura, o ex-escravo revelou ter sido cozinheiro-chefe de Dom Pedro II em uma de suas viagens pelo interior do Brasil.

“Nunca ouvi com tanta graça contada” escreve Bilac “a vertigem dessas viagens fantásticas, em que o velho monarca, devorando léguas, à frente da comitiva estropiada e exausta, arrebentando cavalos, engolindo o almoço e o jantar, sem abandonar o selim, dormindo três horas por noite, voava através de cidades, de vilas, de povoados, como um relâmpago, mal dando aos oradores das municipalidades tempo para a emissão das primeiras palavras dos discursos, e distribuindo condecorações com a profusão e a rapidez com que uma nuvem, que passa, e distribui pingos de água”.

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Entretido com a narração pontuada por anedotas e “observações cáusticas”, veio à cabeça do poeta uma pergunta que ele mesmo definiu como “estapafúrdia”:

“E o velho rei também não bateu “paiada” algum dia”?

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“Ih, seu dotô” respondeu o sujeito, para em seguida contar um episódio que ele mesmo testemunhara.

A comitiva real estava “arranchada” numa cidade do interior. Terminadas as atividades do dia, que consistiam em aclamações e hinos nacionais executados pelas bandas locais, quando a lua voava alto no céu, “o velho rei saiu, em companhia de um médico da comitiva”.

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“Eu estava assuntando sozinho na rua, seu dotô” Bilac ouviu do seu interlocutor “quando o véio passou. Foi batê numa casinha que tinha no morro e eu fui atrás dele pra vê. O véio entrou e o médico ficou na porta. Botou uma mão na aldraba da porta, botou a outra mão no relógio e ficou marcando os minutos. Daí a um pedacinho, o doutor bateu na porta: ‘sinhô, sinhô, basta de bater paiada que pode ficá doente’. E o véio saiu com cara de quem não tinha batido direito, não. Ah, pobre véio, seu dotô... pobre véio”.

Bilac conclui:

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“Ah, nós todos gostamos de bater palhada, quer tenhamos à mão o cetro de um império, como ele, quer empunhemos uma pena de cronista, como eu”.

Ou um tablet de jornalista, como eu.

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