O dia depois de Bolsonaro

A clareza de um pesadelo anuncia o que virá se Bolsonaro for eleito presidente. Já no dia 2 de janeiro as ruas possuirão um ar tóxico, semelhante ao dos gases das câmaras de Auschwitz

O dia depois de Bolsonaro
O dia depois de Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo - ABR)


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A clareza de um pesadelo anuncia o que virá se Bolsonaro for eleito presidente.

Já no dia 2 de janeiro as ruas possuirão um ar tóxico, semelhante ao dos gases das câmaras de Auschwitz. Mas dessa vez em mortiço azul do céu do Brasil, o céu mudado da pobre pátria. Nas ruas, nas casas, nas escolas, as pessoas vão se armar contra elas próprias, para que se matem por vários motivos: de muito ódio, de pouco ódio ou por mera vontade de exercitar o gatilho. Mulheres serão mortas com a mais natural, irrefreável e absoluta impunidade, porque afinal são mulheres, pessoas fracas, filhas de cópulas fraquejadas, nascidas para o estupro e destruição. Negros, mulatos, pardos, sararás, vagabundos enfim, terão medo do espelho, porque a sua imagem revelará as feições da gentalha, da quase gente que é inimiga preferencial dos Taurus, pistolas, fuzis e metralhadoras, cujas ações subiram desde a campanha eleitoral. Se para tudo existe um tempo, este será o tempo da matança patriótica. Glória, glória. Glórias subirão dos templos.

Já no dia 2, na televisão dos canais de assinatura e sem assinatura do crime que fizeram ao pôr um fascista no Planalto , no ar comentaristas ensinarão como será o comportamento do novo presidente do Brasil. O primeiro jornalista político dirá: "Uma coisa foi a campanha, outra é a presidência, porque Ele terá que negociar". O segundo responderá: "Concordo com você. Agora, ungido pelas urnas, Ele terá o congresso que desejar. As reformas trabalhista e previdenciária avançarão negociadas. Começamos o Brasil país do futuro". Outro completará: "Vocês estão certos. Os penduricalhos da Constituição devem ser expurgados de vez. Precisamos superar a velhíssima Constituição de 1988, essa Carta de boas intenções do século passado".

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- Mas eles não têm que cumprir a que está em vigor? – perguntará o apresentador em papel de escada na tragicomédia. Ao que o outro comediante pegará a deixa:

- Sim, mas partiremos para uma nova Constituição, que será negociada com o Centrão para emendas constitucionais de peso. Ou teremos uma nova Constituinte, para mudar tudo de vez.

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- Uma Constituinte com notáveis? – o apresentador cortará a bola para os grandes analistas políticos.

E no passo seguinte, com a maior naturalidade, falarão a enfiada de nomes de notáveis, como se escalassem um time pelo notável exercício à direita: Moro, Olavo de Carvalho, generais brilhantes, que admirem o mais Brilhante Ustra. Notáveis escolhidos por destino, formação e oportunismo, que virá, com os convertidos de última hora de sempre.

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Então, já no dia 3, comandos de atirar no humanismo subirão dos quadros escolhidos nas forças armadas. Todos mui desenvoltos e à vontade. Cumprirão aquilo que um general especialista em educação já havia falado, de modo bem gentil no tempo da campanha eleitoral: "os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados". Mas de que modo serão eliminados, pela morte física dos autores ou pela queima em fogueira, dos livros? O general naqueles dias foi gentil, a seu modo e lugar de fera que apenas rosnava: "Toda a base curricular e todo o processo de formação de professores precisam ser revistos para tornar o professor qualificado para formar crianças e jovens". O que valia dizer, mas ele então calou: mudar a base curricular e a formação dos mestres brasileiros conforme o ideal das forças armadas nas escolas militares. Elementar, poderia ter sido notado naquelas horas de 2018: se os generais não têm outra experiência escolar, como poderiam pregar o que desconhecem?

Então terá início a mais infame caça às bruxas. Antes, o especialista em educação da farda bem que havia avisado: a autonomia das universidades federais tinha que acabar. Para ele, o modelo de escolha dos reitores, baseado em uma eleição interna de todos, havia de ser revisto, porque só a esquerda estava ganhando. Mas a partir de agora, não, as regras serão feitas de tal modo que a escolha não se faça por voto universal, mas por vontade ditatorial de poucos, que sabem melhor o que deve ser a universidade do Brasil. Um lugar sem Gramsci, Paulo Freire e outros anticristos.

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Enquanto isso, torturas a presos políticos serão assumidas em público, à semelhança do que se fez com Gregório Bezerra no Recife em 1964. Mas dessa vez, em 2019, como um espetáculo de arena mais democrática. Todo o mundo verá bandidos e comunistas, que virão a ser uma só coisa, espancados e mortos nas ruas, para aplausos dos apoiadores e silenciosa covardia dos liberais. Os vídeos gravados em celulares atestarão: "Se um marginal morre, alguma coisa ele fez", frase que bem conhecemos antes dessas mortes cantadas sob o hino nacional, que virão. Vídeos virais de extermínio explodirão. Um espetáculo.

Por último e por fim uma hipótese, que nada muda no quadro acima visto. Já no dia 4 ou 5 de janeiro, Bolsonaro pode vir a falecer de infecção general, ou generalizada. Mas nada mudará o que escrevemos até esta altura, porque tomará posse o seu vice, o General Mourão. O pesadelo então terá mais agudo desenvolvimento. O resto é pré-história. O resto é silêncio.

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