O desinteresse político da sociedade e o terrorismo eleitoral da ultradireita no Chile

"Desinteresse pela política, que se reflete na apatia eleitoral, é um fator chave na possibilidade ou impossibilidade de mudança", diz Jeferson Miola

Candidatos à presidência do Chile, Gabriel Boric (à esquerda) e José Antonio Kast, posam para foto antes de debate em Santiago
Candidatos à presidência do Chile, Gabriel Boric (à esquerda) e José Antonio Kast, posam para foto antes de debate em Santiago (Foto: Pool)


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Por Jeferson Miola, enviado do 247 a Santiago

A eleição chilena chega na sua reta final em situação de empate entre Gabriel Boric/Frente Ampla e José Kast/Partido Republicano. Uma eleição disputadíssima, das mais acirradas da história recente do Chile. Uma disputa voto a voto em cada cidade, em cada palmo do país.

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Este acirramento, entretanto, não se reflete em engajamento político de massas e tampouco é visível na engrenagem social do dia a dia.

Isso se explica, em grande medida, pela baixa participação da cidadania chilena nas eleições, fenômeno que se acentuou sobremaneira a partir de 2012 com o fim do voto obrigatório.

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Nas últimas eleições, a abstenção tem sido superior ao comparecimento às urnas – em média, apenas cerca de 47% dos chilenos votam. O plebiscito para decidir a realização da Assembleia Constituinte, ocorrido em 2020, teve leve aumento da participação eleitoral, atingindo 51%.

Nas ruas da capital Santiago o clima é de rotina cotidiana e aparente normalidade, como se o país não estivesse a poucos dias de se decidir entre duas propostas antagônicas de futuro.

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Não há publicidade de campanha, não se vê militantes distribuindo panfletos ou abordando transeuntes. Muitas pessoas com as quais conversei, ou manifestaram indiferença e desinteresse em relação ao pleito; ou dizem que os dois candidatos representam “a mesma coisa” – ou seja, a política e tudo o que de sentido ruim é atribuído à política.

A insatisfação social difusa e uma existência cada vez mais “invivível” não é, contudo, garantia de atitude política, em que pese o padrão de desigualdade social no Chile e a inexistência de um sistema robusto de seguridade social.

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O Chile é uma espécie de “mercado a céu aberto” no qual serviços e direitos sociais não são bens públicos, porque foram privatizados e mercantilizados com a imposição selvagem do ultraliberalismo durante a ditadura de Pinochet.

Apesar desta realidade, o desinteresse pela política, que se reflete na apatia eleitoral, é um fator chave na possibilidade ou impossibilidade de mudança profunda do país.

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Mesmo a Assembleia Constituinte, com a maioria expressiva dos assentos [78%] ocupados por representantes do campo progressista e da esquerda que representam a perspectiva de mudanças, é um espaço de poder que não foi eleito por outra metade da população chilena.

A acomodação e a alienação políticas conformam um senso comum conservador, refratário a mudanças e, em decorrência disso, mais sensível a retóricas que incutem pânico e medo.

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A campanha do ultradireitista José Kast explora com eficiência este conservadorismo “inato”. A chave-mestra deste dispositivo de medo e pânico é a anacrônica retórica anticomunista.

A vilania política contra Boric – acusação de assédio sexual, de uso de cocaína etc – que Kast perpetra abertamente em público é, todavia, exponenciada nos ambientes escuros e desregulamentados das redes sociais.

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No ecossistema digital Kast opera segundo a conhecida cartilha da extrema-direita internacional, nos mesmos moldes de Trump, Bolsonaro e quejandos.

A relativa eficiência deste terrorismo eleitoral não deixa de ser paradoxal. O próprio Kast, ele mesmo uma figura que inspira e transpira terror e que carrega no seu DNA ideológico o gene do nazismo [seu pai foi oficial nazista], deveria ser totalmente desacreditado.

Mas, aparentemente, não parece ser. Pior: os anti-valores dantescos que Kast evoca têm significativa audiência na sociedade chilena. Pelo menos é o que mostra sua competitividade eleitoral.

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