O coronavírus tornou-se um filtro da vida e da democracia
Fora de Bolsonaro não existe bolsonarismo. Sem a figura dele, seus seguidores de hoje voltariam à segregação política, tornar-se-iam novamente párias sem nenhum tipo de influência na vida democrática
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É difícil de assimilar o fato de que existem seres humanos que desprezam assim a vida alheia. Mas é justamente esse um dos eixos mais substanciais do discurso e da política bolsonarista: o desprezo pela vida alheia, ao ponto de desejar a morte dos outros, de considerá-los “mortalmente inconvenientes”. Não podemos ser tão ingênuos de ignorar que a classe conservadora ancestralmente deseja realizar uma “purga social”, exterminar aqueles que não lhes resultam úteis, produtivos. Aqueles que se negam a reproduzir o relato cristão heteronormativo. O Covid-19, então, opera hoje como um filtro. Do lado daqui, muita gente que até discorda radicalmente em muitas ideias, do lado de lá, o total desprezo pela vida e pela democracia.
Logo do mundo conhecer os dados da pandemia nos Estados Unidos (quase 4500 óbitos em um dia e se aproximando a um milhão de infectados) um bando considerável de gente inescrupulosa organizou, participou e fez acontecer carreatas em várias cidades do país. Mais uma vez, um dos pedidos mais visíveis nas pancartas foi o nada modesto “Intervenção militar” e implementação de um AI-5, ou seja, o que essa galera quer é a instauração de uma dictadura militar liderada por Jair Bolsonaro.
É preciso deixar claro que essas mobilizações acontecem quando já não existem dúvidas da tragédia mundial que tem se tornado a pandemia do Covid-19, quando resulta impossível negar que os grupos de risco não se reduzem ao grupo dos idosos. Os dados e os informes
realizados por todas a mídias e instituições ao redor do mundo, mostram que o caso norte americano é prova fidedigna de que existe um alto índice de mortalidade, por causa do Covid-19, em populações estructuralmente vulneráveis, pessoas de qualquer idade que moram em lugares precarizados em com alta densidade populacional.
Os empresários, médios e altos, que foram para a rua a pedir o fim do isolamento horizontal, são cientes de que botar o povo brasileiro a trabalhar, jogá-lo num sistema de transporte público, aglomera-lo em ônibus, metrôs ou outro tipo de transportes coletivos, é quase que sentenciá-lo a ser dizimado pela pandemia, como aconteceu e acontece hoje como o povo trabalhador no estado da Nova York. Em matéria publicada na revista Exame se aponta que nos Estados Unidos, 4 de cada 10 pessoas com sintomas evidentes de Covid-19 têm entre 24-50 anos.
É evidente que essas pessoas que pedem a intervenção do exército para forzar, sob ameaça de fusil, à população trabalhadora a voltar ao serviço, sabem que o que fazem, são cientes da barbárie que querem provocar. Não podemos ser ingênuos, portas adentro, esse pessoal especula com alegria que o Covid-19 possa dizimar a população marginalizada, os favelados, os subempregados, os moradores de rua. Não podemos negar o desejo ancestral da classe conservadora brasileira de realizar o que eles consideram uma purga social. Exterminar a maior quantidade de pobres possíveis, já que poluem com suas casas a arquitetura das cidades, pedem esmola nas ruas, não se resignam ao seu lugar de subordinados de classe. É difícil de assimilar o fato de que existem seres humanos que desprezam assim a vida alheia. Mas é justamente esse um dos eixos mais substanciais do discurso e da política bolsonarista: o desprezo pela vida alheia, ao ponto de desejar a morte dos outros, de considerá-los “mortalmente inconvenientes”.
Esse povo sabe que no seu pedido pelo fim do isolamento horizontal está implícito o pedido de uma potencial matanza da população mais carente.
O atual presidente insiste em dizer que está do lado povo e que o povo quer voltar ao trabalho. Essa forma cínica de apropriação do conceito de povo lhe permite silenciar o sentimento de indefensabilidade que a massa trabalhadora do Brasil sente. Assim se livra de entrar no debate do papel que o governo federal deve cumprir em meio a crise, do rol do estado como garantidor de direitos. O presidente não deu um passo atrás na sua decisão de governar para o bem dos setores de capital mais concentrados e alinhados aos interesses do capitalismo neoliberal com sede nos EUA e deixar os excluídos à beira da armadilha retórica conhecida como “meritocracia”.
A estratégia do Bolsonaro é a de criar a ideia de que existe um tipo de autonomia ideológica nos seus seguidores. Que os pronunciamentos antidemocráticos e apologéticos da violência provém de um desejo impulsivo do povo, desejo com o qual ele não tem vínculo nenhum, e que é consequência da indignação que essa fração “honrada” da população brasileira, sofre a causa da conspiração coordenada e compactuada por todos os espaços políticos e todas as instituições públicas e privadas que não concordam com ele. Essa patranha, essa grande fábula, só pode ser concebível por mentalidades regressivas e infantis, egoístas, narcisistas e megalómanas.
Assim, Bolsonaro, seus filhos e seu círculo íntimo, injetam através dos robots, trolls e ativistas radicalizados da internet, discursos furiosos e violentos em contra de tudo aquele que ofereça resistência à suas demenciais ideias para governar e à sua inusitada e bárbara ideia de como o estado deve agir diante de qualquer tipo de tragédia social. Porém, rapidamente, seguindo uma estratégia falaz e sumamente hipócrita, tenta tomar distância pública daquilo que promoveu em privado e através das redes sociais. Ele está criando uma grande confusão. Está tentando desorientar às instituições públicas e privadas. Ele tem mostrado uma considerável habilidade para fazer o jornalismo corporativo bater contra si mesmo (filtrando informação falsa que logo acaba desmentindo em público).
Mesmo sendo uma narrativa caricata e grotesca, não podemos negar a capacidade que o bolsonarismo teve de introduzir-se na cosmogonia cultural e política do Brasil. Explorando o microfascismo e colocando-o como pauta da macro-política (Como por exemplo o ódio irracional do pequeno burguês a pagar impostos para financiar políticas públicas de saúde e educação). Constituiu-se assim, uma máquina narrativa da qual podemos vislumbrar talvez seu defeito mais visível: a enorme megalomania do seu cérebro. Essa megalomania tem-lo isolado a tal ponto que, dia a dia, reduz sua influência na grande maioria dos cidadãos. Seguir Bolsonaro cada vez se define mais como uma empreitada messiânica do que como qualquer outra coisa, o qual resulta uma grande vantagem. Fora de Bolsonaro não existe bolsonarismo. Sem a figura dele, seus seguidores de hoje voltariam à segregação política, tornar-se-iam novamente párias sem nenhum tipo de influência na vida democrática.
Parece como se o Covid-19 estivesse funcionando como um filtro dentro do bolsonarismo. Continua ao lado do líder quem mais seja capaz de segurar seu desprezo pela vida daqueles que não formam parte do seu círculo íntimo. Continuarão dentro, os que tem a maior vontade de se violentar fisicamente com políticos e instituições que não atendam seus reclamos mais imediatos. Enquanto a democracia brasileira resista a esse poderoso vírus (o que infelizmente ainda é imprevisível), sairá fortalecida, talvez inmune a contrair novamente essa doença. O nosso dever, desde qualquer lugar de atuação, é tentar evitar a maior quantidade devastação possível.
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