O confinamento sobrevive -- por enquanto

"Empenhando-se até a medula contra o confinamento, Bolsonaro assumiu uma causa sem saída -- apenas uma derrota do país na maior catástrofe sanitária de nossa história pode interessar a seu projeto político," escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Presidente Jair Bolsonaro ajusta máscara de proteção durante coletiva sobre medidas para evitar a disseminação do coronavírus
Presidente Jair Bolsonaro ajusta máscara de proteção durante coletiva sobre medidas para evitar a disseminação do coronavírus (Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia A permanência de Luiz Henrique Mandetta no ministério da Saúde indica que pelo menos desta vez Jair Bolsonaro não foi capaz de impor sua orientação ruinosa à luta dos brasileiros e brasileiras contra o novo coronavírus.

A versão que chegou a este reporter é que neste fim de semana a queda do ministro Mandetta chegou a ser cogitada no Planalto, inclusive com um sucessor indicado.  

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Mas acabou descartada pelo receio de que uma  operaração com essa gravidade abriria uma crise política sem precedentes, em plena batalha contra o covid-19, podendo abrir uma divisão insuperável entre as autoriades brasileiras -- comunidade médica, governadores de Estado, governo federal, além das Forças Armadas. 

Nos últimos dias ficou claro que o comando do Exército, escudo essencial na sustentação de governo socialmente isolado, que alimenta-se num pasto de provocações permanentes,   está muito longe de comungar com as ideias de Bolsonaro sobre o covid-19 e seu impacto na vida dos 210 milhões de brasileiros.

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Numa visão em desacordo estridente  com a "gripezinha" do presidente da República, o comandante do Exército, general Edson Pujol,  gravou um vídeo, sublinhando a importância do combate ao  coronavírus como "talvez a luta mais importante de nossa geração".

Um dia depois, o general Mourão, vice-presidente da República, tratou a oposição de Bolsonaro  ao internamento social como simples problema de interpretação. Muito cuidadoso com as palavras, disse talvez "tenha se expressado de uma forma, digamos assim, que não foi a melhor".

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Na mesma declaração, Mourão  assegurou, para não deixar dúvidas, que "a posição de nosso governo é uma só: isolamento e distanciamento social".  

Hoje, em entrevista de página e meia na Folha, Mourão fala em tom apaziguador, evitando qualquer gesto exibicionista que pudesse ser visto como vontade de tripudiar sobre a permanencia do ministro que se tornou porta-voz do confinamento e, portanto, adversário de  Bolsonaro no próprio  governo. Cauteloso, recomendou o "individualismo" e "buscar o meio-termo e a igualdade".

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Numa prolongada entrevista coletiva na tarde de ontem, Mandetta deixou claro que, apesar da oposição presidencial, o isolamento horizontal segue a orientação básica de luta contra o covid-19. 

Divulgada pelo Estado de S. Paulo e relatada por uma fonte presente a um  encontro de ministros com o presidente, no sábado, uma frase agressiva e dura de Manetta explica-se nesse contexto desfavorável a Bolsonaro. "Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?"

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A ideia hoje é clara: o Brasil segue alinhado com a visão que, baseada nas tragédias da Itália e da Espanha, recomenda  aquilo que se chama de "internamento social" para evitar uma catástrofe em larga escala.

Mas uma  dúvida persiste: mesmo mantendo-se no terreno adequado,  o ministro tem-se mostrando permeável além da conta no jogo de pressões do  Planalto.    

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É difícil compreender a derrota de Bolsonaro sem o estado de espírito em vigor fora em esferas situadas fora do governo e seu bloco político. A proposta de convocar protestos na linha "O Brasil não pode parar" foi alvejada por uma tempestade de proibições judiciais. No Rio, a juiza federal Laura Bastos Carvalho proibiu a União de divulgar a campanha do slogan "O Brasil não pode parar", orçada em R$ 4,8 milhões.  

Numa decisão redigida de forma a não deixar margem à ambiguidades, a magistrada determinou que a “União se abstenha de veicular, por rádio, televisão, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital, peças publicitárias relativas à campanha “O Brasil não pode parar”, ou qualquer outra que sugira à população brasileira comportamentos que não estejam estritamente embasados em diretrizes técnicas, emitidas pelo Ministério da Saúde, com fundamento em documentos públicos, de entidades científicas de notório reconhecimento no campo da epidemiologia e da saúde pública”. 

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Os poucos sinais já captados sobre a opinião do cidadão comum a respeito da luta necessaria contra uma pandemia  capaz de eliminar milhares de vidas apontam na mesma direção. 

Nos últimos dias, circulou uma pesquisa telefônica Travessia/Valor Econômico, com 1 000 entrevistas, feitas há uma semana, que deixaram mensagens  de apoio ao confinamento e uma visão crítica de Bolsonaro.   

Com todas as reservas que podem ser feitas às  pesquisas de opinião, parece claro que a maioria da população acompanha a crise do coronavírus com a atenção merecida e tem opiniões contundentes a respeito do papel  das principais forças politicas no caso.

Questionados sobre a atuação de Bolsonaro no combate ao coronavírus,  os entrevistados disseram desaprovar a atuação do presidente por 50% contra 30%. Diante da pergunta "você confia na capacidade do presidente Jair Bolsonaro em gerenciar a crise do coronavírus? ", 64% disseram "não confio," contra 24%  que responderam "confio". 

A leitura do levantamento contém respostas que  conversam entre si, mostrando que a população está construindo uma visão coerente  sobre uma das mais graves crise da história brasileira.

Os mesmos entrevistados que condenam Bolsonaro e apoiam o confinamento, têm uma opinião positiva dos governadores de Estado, que, por amplíssima maioria, foram capazes de confrontar-se com o Planalto.

Assim, 84% dos entrevistados -- contra 12% -- disseram estar de acordo com "as determinações impostas" pelo confinamento.

Diante da pergunta "como você tem avaliado a ação do governador do seu Estado diante da crise gerada pelo coronavírus", nada menos que 70% disseram aprovo, contra 19% "desaprovo". Basta recordar os conflitos públicos entre Bolsonaro e os governadores, para entender o peso dessa avaliação negativa.

Em situações normais, essa maioria deveria ser suficiente para criar um novo ambiente, favorável a uma mobilização de todo o país para enfrentar um vírus ameaçador e desconhecido. A experiência com o bolsonarismo obriga a duvidar dessa possibilidade.

Seus quinze meses de governo ensinam que Bolsonaro continuará a espreita de uma nova oportunidade, de qualquer brecha, para um novo ataque ao confinamento.

É seu destino e seu feitio fazer o possível para impedir qualquer iniciativa construída com apoio da maioria da sociedade brasileira. Como demonstram o estímulo ao terraplanismo e o culto a violência como método de ação política, tanto o respeito     à ciência como a devoção aos valores democráticos são estranhos a sua prática política.

Empenhando-se até a medula contra o confinamento, Bolsonaro assumiu uma causa sem saída -- apenas uma derrota dos brasileiros e brasileiras na maior catástrofe sanitária de nossa história pode interessar a seu projeto político. 

Por isso, a luta continua.

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