O Ciro de Nazaré
"Cavalo paraguaio, Ciro sempre começa razoavelmente bem, mas depois de muitos galopes e relinchos, passa a distribuir coices verbais a torto e a direito e acaba por empacar"
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Teremos um novo Ciro em vinte e dois?
Penso que se o Ciro não deixar de ser o que sempre foi, não deixará de estar onde sempre esteve, no folclore político nacional.
Antes, um adendo, com as devidas vênias: Ciro foi prefeito, governador e ministro, mostrou-se um cabra preparado e respeitado em todos esses cargos.
Ponto.
Portanto, não falo deste Ciro, falo do candidato à presidência.
No último pleito, ele apresentou doze propostas para mudar o Brasil e saiu com 12% de votos; um ponto pra cada proposta.
Parece que não levaram o sujeito muito a sério.
Antes de partir novamente para Paris, o flaneur Ciro Gomes vai encarar, mais uma vez, o primeiro turno de uma eleição presidencial.
E não nos enganemos, seu único adversário será Lula ou Haddad.
Cavalo paraguaio, Ciro sempre começa razoavelmente bem, mas depois de muitos galopes e relinchos, passa a distribuir coices verbais a torto e a direito e acaba por empacar.
Boca suja, verborrágico e falastrão, o cabra gosta de um pugilato verbal e de espargir perdigotos em seus adversários.
Ninguém domina um repertório tão vasto de adjetivos quanto Ciro.
É um estilo, cada um tem o seu.
Mas precisamos falar em estratégia.
Por um tempo, esse Ciro de cabeça quente – uma versão adulta do Garoto Enxaqueca - foi o boneco de ventríloquo dos tresloucados que se encantavam com seu vão palavrório, sua macheza de auditório e suas acrobacias pseudoacadêmicas.
Até que, na eleição passada, Bolsonaro lhe roubou o trono.
O capetão foi muito mais autêntico, adotou uma arminha como símbolo - uma corruptela sagaz do L de Lula invertido -, e disparou impropérios de corar Ciros: ameaçou metralhar a petralhada, socou um parlamentar, minimizou o estupro, elogiou torturadores, ofendeu sem terras, sem tetos e sem dentes; xingou negros, mulheres, gays, punks, prostitutas... o diabo.
Raiz, Bolsonaro demonstrou ao gado mocho que tinha muito mais culhão que o valentão de Sobral.
Sobrou ao Ciro reinventar-se.
Ciro já deve ter sacado que o lugar que ele ocupava já tem dono; levantou e perdeu o assento.
Se não quiser voltar mais cedo à Cidade Luz, terá que dar um cavalo de pau semântico, sintático e lexical.
Parece que dará.
Do seu casulo, o cearense de Pindamonhangaba chamou João Santana para ajudar na metamorfose.
João sabe que a saúde mental das pessoas não anda nada bem. Os eleitores que chegarem vivos em vinte e dois estarão cheios de traumas: confinamentos, desemprego, falências, fome, divórcios, luto por parentes e amigos, ódio mortal a Bolsonaro e ao bolsonarismo.
As pessoas querem afeto, afago e um aflato/sopro de esperança que lhes devolvam a capacidade de voltarem a sonhar.
Ninguém vai estar a fim de assistir a briga de rua.
Por isso mesmo, surgiu a ideia do tal centro, uma narrativa marota para isolar o que chamam de dois extremos.
E, para ocupar esse espaço, já cogitaram o Marreco, o Botafogo, o Mandetta, o Huck, o Fiuk...
Serve qualquer macho branco que se encaixe no perfil do burguês moderado.
Essa fantasia não serve em Ciro, fica muito apertada.
Mas nada que um experiente marqueteiro e um bom tempo de treinamento não possa resolver por algum tempo.
Acaba logo, o personagem deve durar apenas por dois turnos.
Faz-se uma dieta verbal, um regime de logorreia, uma ginástica lexical, ingere-se umas palavras suaves e veganas e temos um corpo pronto pra entrar no figurino.
Aí teremos um novo Ciro.
Lula já fez isso; deu certo.
Em 2002, quando estava com cerca de 37% de intenção de voto, Lula assistia, de camarote, ao pugilato entre Ciro e Serra, tecnicamente empatados.
Enquanto os dois trocavam xingamentos e acusações, o Sapo Barbudo dava seus pulos.
No Acre, em um lance genial de improviso, Lula criou para si um slogan e um conceito de campanha: o Lulinha Paz e Amor.
Serra sentiu o golpe e reclamou que o leão passara a comer alface.
Como sabemos, a dieta de Lula lhe fez bem.
Pois bem, Santana terá que ensinar o velho Ciro a dar uma marcha à ré na sua retroescavadeira verbal.
Ao invés de sair distribuindo pernadas, cabeçadas e rabos de arraia, Ciro terá que prometer a cura de enfermos e a se comprometer com distribuição de pães e peixes.
Os tempos são bicudos.
Portanto, ninguém se espante se, de uma hora pra outra, aparecer a aparição deste novo personagem, sereno, cafunoso, competitivo e atento ao espírito do tempo, vestido num vestidão de algodão cru, calçado numas sandálias de couro de bode – as sandálias da humildade – com uns mullets pendendo por trás da calva e uma barba hirsuta lhe sujando a cara.
Nascerá, aí, o Ciro de Nazaré.
Palavra da salvação.
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