O cinema do Quênia

Quatro filmes do Quênia estão no streaming, uma raríssima imersão no cinema daquele país. Comento aqui "Minha Vida em Nairóbi" e "Supa Modo"

(Foto: Divulgação)


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A plataforma Filmicca vem prestigiando filmes africanos que não costumam chegar até nosso circuito. No catálogo se encontram, por exemplo, Juventude, o primeiro longa-metragem produzido no Djibuti, o belíssimo Liyana, da pequena Essuatíni (ex-Suazilândia), e Nakom, de Gana. Na semana passada, estrearam quatro filmes do Quênia, uma raríssima imersão no cinema daquele país.
Subira, da diretora Sippy Chadha, trata de uma jovem muçulmana dividida entre o sonho de competir na natação e o casamento arranjado por sua mãe. Katikati, de Mbithi Masya, é a história de uma mulher que chega em uma hospedaria e descobre que o local é habitado por almas à espera de redenção. Eu já tive oportunidade de ver Minha Vida em Nairóbi, um novo clássico que passou pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2015, e o engenhoso Supa Modo. Comento os dois a seguir.

Entre o teatro e o roubo 

Minha Vida em Nairóbi (Nairobi Half Life) fez uma pequena revolução no cinema do Quênia em 2012. Conquistou um público avesso ao cinema nacional e inspirou outros cineastas. O diretor David "Tosh" Gitonga, um fã de Cidade de Deus, não nega a influência sobre essa aventura de um jovem fã de cinema e candidato a ator que decide trocar sua aldeia pela capital para tentar a sorte. As habituais ocorrências mudam seu rumo: é assaltado logo ao chegar, preso por engano e envolvido com uma gangue de ladrões de autopeças.
Seria apenas mais um conto do gênero, como tantos outros, se Mwas, o protagonista, não insistisse no sonho de subir ao palco. Ele passa a viver duas vidas, transitando entre o teatro de denúncia social e o roubo nas ruas. Essa dicotomia ganha um momento radiante na sua primeira discussão com a trupe teatral, quando ele assume o ponto de vista do ladrão numa peça que pretende discutir as profundas diferenças de classe à moda do filme Edukators.
Ancorado na atuação carismática de Joseph Wairimu, o filme leva essa equação até um final previsivelmente positivo, mas ainda assim cativante. É um ótimo exemplo de colaboração entre a África e a Europa que não corrompe o sabor original. A coprodução com a Alemanha, capitaneada por Tom Tykwer (também creditado como supervisor da direção), certamente injetou qualidade na mise-en-scène e no excelente acabamento, mas preservou um misto de ingenuidade e rusticidade que, acredito, reflete o modo de ser e a cultura da chamada Nairobbery.

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Super-heroína terminal

Supa Modo também faz parte de um projeto alemão de incentivo a realizadores emergentes da África. Depois de alguns curtas e séries de TV, este é o primeiro longa do diretor Likarion Wainaina, nascido em Moscou e estabelecido no Quênia. Ele exibe muito cuidado cênico e alta noção de síntese na história de Joana (a encantadora Stycie Waweru), uma menina com doença terminal que só tem dois meses de vida.

Esse tipo de personagem costuma ser uma senha para filmes de sentimentalismo fácil, mas aqui não é bem o caso. Jo é fascinada por narrativas de super-heróis – e o filme faz crer que todas as crianças quenianas o são. Quando, diante do diagnóstico sem esperanças, a mãe resolve tirá-la do hospital para que ela tenha dias mais felizes em casa, toda a população da aldeia se empenha em "produzir" efeitos especiais para que ela se sinta super-poderosa. Os truques vão desde os mais simplórios até ardilosos planos coletivos e a realização de um filme estrelado por ela no papel de "Supa Modo". 

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Combinando realismo e fantasia, o filme se situa a meio caminho. Jo às vezes demonstra ter consciência de estar sendo alvo de uma farsa. Em outras ocasiões, seus poderes parecem de fato produzir milagres. Essa ambiguidade é conduzida com engenho e graça. 

Em paralelo ao entrecho principal, é interessante registrar algumas peculiaridades locais. Uma delas é o papel do conselho comunitário, que apoia os moradores, mas também tenta influir nas decisões individuais. Outra é a associação dos super-poderes pop às práticas de feitiçaria, tema que é subexplorado talvez para não impactar o caráter de filme infantil.  

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Uma ingenuidade cativante, a boa qualidade técnica e a agilidade narrativa fazem de Supa Modo um filme agradável para todas as idades e imune à pieguice. Afinal, como todos sabem, super-heróis nunca morrem.

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