O Chile em chamas

"Até quando o governo direitista e neoliberal de Sebastián Piñera continuará a fingir que tudo não passa de um bando de vândalos descontrolados? Até quando vai achar que inundar as ruas de tropas é a solução? ", questiona Eric Nepomuceno, do Jornalistas pela Democracia

Chile, manifestações
Chile, manifestações (Foto: Esteban Felix, Sputnik)


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Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia - O estopim da explosão que o Chile vive desde a semana passada foi o aumento nas passagens de metrô. Mas o conteúdo explosivo desse barril começou a ser preenchido muito antes, e o que se vê nas ruas de Santiago e de um sem-fim de cidades chilenas é o resultado daquilo que vem sendo acumulado há décadas.

Até a manhã da segunda-feira 21 de outubro onze pessoas tinham morrido. Outras 1.462 estavam presas, das quais 614 em Santiago e 848 em outras cidades do país. Pelo menos duzentas estavam feridas, algumas em estado grave.

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Pelas ruas, uma cena que não era vista desde os tempos da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990): tropas militares, blindados e tanques. Piñera impôs o toque de recolher, cujo horário varia dia a dia. 

Em vão: ao contrário do que acontecia nos tempos pinochetistas, muita gente desrespeita a ordem de não sair de cada. 

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Chama a atenção a atitude do presidente direitista: em vez de propor saídas para a crise, propõe que as pessoas não saiam às ruas. 

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É verdade que ele revogou o tal aumento nas passagens do metrô. Ou seja, apagou o estopim. Mas o barril continua explodindo, e ele não diz como pretende aplacar seus efeitos.

A questão central do que o Chile vive não foi sequer roçada pelo presidente: o descalabro social. Apesar de ter uma economia sólida e que vem se mantendo entre as de crescimento mais sustentável na região, também cresce o número de pobres e de miseráveis, com destaque para os aposentados. As desigualdades sociais se agravaram ainda mais no seu segundo e atual mandato presidencial.

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O sistema previdenciário imposto ainda em tempos de Pinochet, aquele que Paulo Guedes (que foi funcionário do ditador mais sangrento da história do país) e o tresloucado Jair Bolsonaro pretendem copiar no Brasil, produziu efeitos arrasadores nas aposentadorias dos chilenos. 

A imensa maioria recebe menos de um salário mínimo, e quase a metade dos aposentados do Chile vivem abaixo da linha de pobreza.

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Além disso, as privatizações desenfreadas – outra obsessão do especulador Guedes e do desequilibrado Bolsonaro – levaram às nuvens o preço de serviços públicos essenciais, da água à energia elétrica, passando pelo gás e pelos transportes. 

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Como se fosse pouco, a descabelada especulação imobiliária fez com que os preços – tanto de compra como de aluguel – mais que dobrassem em cinco anos. Para completar o cenário, o custo de vida no Chile é dos mais altos da América Latina, comparáveis aos do Brasil.

Saúde e educação também se encontram em situação mais que precária. Várias medidas adotadas pela ex presidenta Michelle Bachelet foram revogadas por Piñera, e o resultado está agora nas violentas manifestações de fúria espalhadas pelas ruas do país.

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Pelo menos 70% das famílias chilenas estão endividadas e em situação de moratória irremediável. São dívidas impagáveis, que se multiplicam e se acumulam sem que haja saída à vista. 

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Enquanto um por cento da população chilena fica com 26% das riquezas que o país produz, a metade fica com dois por cento. Em semelhante cenário de desigualdade, como surpreender-se com a explosão social?

Analistas creem que os atos de violência irão se repetir, embora perdendo força aos poucos. E alertam que a inércia do governo, cujo discurso continua centrado em apelos para manter a ordem e respeitar a lei, reflete apenas a pouca atenção dada pelo presidente e sua equipe às reais razões do caos que o país enfrenta.

O grau de violência registrado em saqueios ao comércio e na destruição de um grande número de estações do metrô chama a atenção, principalmente por se multiplicarem num país que parecia ostentar um clima de concórdia. A imagem de um povo cuja elite se orgulhava de ser ‘uma espécie de ingleses da América Latina’ foi pelos ares.

A grande dúvida agora é o que vai acontecer daqui em diante. Até quando o governo direitista e neoliberal de Sebastián Piñera continuará a fingir que tudo não passa de um bando de vândalos descontrolados? Até quando vai achar que inundar as ruas de tropas é a solução? 

A única saída efetiva seria rever, rápida e profundamente, o modelo econômico de um neoliberalismo fundamentalista. O único meio de se chegar a soluções seria entender que por trás do vandalismo existe uma poderosa onda de rebelião contra os estragos feitos pela imposição do modelo econômico dos tempos da ditadura pinochetista. 

Mas Piñera é um dos homens mais ricos do Chile. E ele e os da sua estirpe continuam achando que por trás do vandalismo só existem vândalos. E que contra eles a única solução é a violência fardada.

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