O cessar-fogo na Ucrânia e a linha editorial do Brasil 247

No momento em que a guerra na Ucrânia pode caminhar para uma solução, vale reler os princípios de nossa política editorial pelo cessar-fogo e a paz

Presidentes Volodymyr Zelensky (Ucrânia), Vladimir Putin (Rússia) e a região de Donetsk
Presidentes Volodymyr Zelensky (Ucrânia), Vladimir Putin (Rússia) e a região de Donetsk (Foto: Reuters)


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Por José Reinaldo Carvalho - Antes do alvorecer deste sábado, 5 de março, exatamente às 4h05 da madrugada, o Brasil 247 estampou a manchete em letras garrafais: URGENTE: RÚSSIA DECLARA CESSAR-FOGO NA UCRÂNIA, o que foi em seguida descrito pelo diretor Leonardo Attuch em transmissão pela TV 247 como "a melhor notícia do dia". O que esperamos todos os que vivemos estes intensos dias é que o cessar-fogo abra caminho para uma solução justa e duradoura para o conflito.

No dia 26 de fevereiro, antes que se completassem 48 horas do início da Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia, o sítio de notícias Brasil 247, defendia em uma coluna por mim assinada o cessar-fogo e a paz no conflito. Fomos pioneiros, explicitando na mesma ocasião a posição contrária aos verdadeiros fautores da guerra, os Estados Unidos e a Otan. Dizíamos que era legítimo, como continua sendo, o clamor que se espalhava pelo mundo por uma solução política para o complexo problema de segurança na Europa Oriental. E deixávamos claro que a nossa opinião favorável ao cessar-fogo se opunha na forma e no fundo às manobras diplomáticas das chancelarias ocidentais, às decisões militaristas dos países da Otan, às resoluções dos estados-maiores de seguir instrumentalizando o regime de Volodomir Zelensky, às sanções econômicas severas contra a Rússia, à guerra midiática que incluiu a censura a meios de comunicação oficiais e extra-oficiais russos e ao objetivo de promover o isolamento e a asfixia totais do país das noites brancas. 

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Em distintas ocasiões, no BOM DIA 247 e nos programas semanais O Mundo Como Ele É (às quartas-feiras, 10h00) e A Semana no Mundo (aos sábados, 15h00) mostramos as duas características dessas ações dos potentados imperialistas: inócuas, porquanto não fariam a Rússia recuar, e contraproducentes porque significavam atirar combustível ao fogo. As grandes potências não querem o cessar-fogo, mas tão somente o recuo da Rússia e a preservação do regime por elas militarizado da Ucrânia. 

A pausa das ações militares cria melhores condições para desmilitarizar e desnazificar o país. Até agora a ofensiva russa consistiu na destruição da infra-estrutura militar e correlatas da Ucrânia e na ocupação de cidades estratégicas. O acordo de criação dos corredores humanitários alcançado na última quinta-feira, é revelador de que a Rússia não abriu mão dos objetivos da Operação Militar Especial e de que a Ucrânia sabe que está derrotada e prepara as condições para a rendição. O fator diferencial neste último aspecto é a posição de Zelensky, que ainda não fez sinalizações claras nesse sentido, e dos batalhões nazi-fascistas encarregados de organizar a chamada "resistência nacionalista", com direito a propaganda ao vivo de toda a mídia imperialista. Não deixa de ser curioso ver a Rede Globo ensinar como se faz uma “guerra popular”, cujo aprendizado nos manuais maoístas custou a vida de tantos camaradas nos anos 1960 e 1970, assassinados pela ditadura que a mesma emissora apoiava. 

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Na última quarta-feira (2 de março), a direção do Brasil 247 publicou uma orientação editorial sob o título "Pela paz, pelo cessar-fogo, pelo diálogo, pela neutralidade do Brasil e contra as sanções econômicas", em que ressalta: "Somos contra a guerra e defendemos o cessar-fogo imediato, assim como a busca de uma saída diplomática". A nossa concepção de fundo sobre os conflitos internacionais é a "defesa de um mundo multipolar, com maior equilíbrio entre os países, para que todos possam atingir plenamente seus potenciais de desenvolvimento". Esta visão é sustentada nos textos e imagens que publicamos, enfatizando sempre o empenho para que o Brasil persiga, como manda a Constituição em seu artigo IV, uma política externa independente, consoante os interesses e aspirações fundamentais do povo brasileiro. 

Não adotamos a visão das potências ocidentais, suas narrativas unilaterais, o método da desinformação, característicos do império da mentira comandando desde Washington e Bruxelas. 

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Simultaneamente à defesa que fazemos do cessar-fogo e da paz, apresentamos a análise objetiva dos fatos e do seu contexto histórico. Não somos cabalísticos, nem conspiradores. Não estamos em busca das supostas misteriosas razões deste ou daquele estadista. Tampouco estamos aqui para reproduzir as versões do Departamento de Estado dos EUA sobre os entendimentos que manteve com o último governo soviético no momento da extinção da URSS. O que há de mais relevante é o fato objetivo e insofismável de que os Estados Unidos e as potências ocidentais aliadas empreenderam ao longo de um quarto de século, pelo menos, a expansão da Otan, ampliaram e adensaram seu conceito estratégico, tornando mais graves as ameaças à paz e à segurança de países e povos. Não só da Rússia. Que o digam o Iraque, o Afeganistão, a Líbia e os povos da Iugoslávia, destruída pela Otan. A anarquia no sistema internacional não ocorreu neste limiar de 2022, o direito internacional não foi violado agora, a Carta das Nações Unidas não foi vilipendiada em primeiro lugar pelo atual chefe do Kremlin, a diplomacia e o multilateralismo não foram abandonados apenas recentemente como método de política externa. Faz tempo que o mundo está de cabeça para baixo ou até mesmo sem cabeça. 

A "ordem" internacional e a paz não foram rompidas em 24 de fevereiro de 2022. A guerra no Leste Europeu, e especificamente na Ucrânia, começou em abril-maio de 2014, com o golpe anti-Rússia realizado por nazifascistas ucranianos,  apoiados diretamente pelas embaixadas dos EUA e de países membros da União Europeia em Kiev. Esta mesma guerra teve continuidade durante oito anos com os massacres contra as populações das províncias de Donetsk e Luganski. A Operação Militar Especial decretada há dez dias por Putin foi, de facto,  a última tentativa do Kremlin de parar a guerra por procuração da Ucrânia contra a Rússia.

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Nossa opção editorial não comporta a aceitação acrítica da versão dos EUA e da Otan de que não estava em seus planos incorporar a Ucrânia na Aliança Atlântica. A ofensiva de Putin paralisou a tempo a Otan, o que a colocou na circunstância incômoda de não poder mais atender ao apelo desesperado de Zelensky de participação direta do pacto agressivo na guerra contra a Rússia. 

Temos firme convicção de que o mundo não vive mais o momento histórico em que não havia substituto nem contendor, contrapeso ou opositor à hegemonia absoluta dos Estados Unidos. Lembra-me como hoje o patético discurso - que contudo permanece espalhando em almas pobres e corações fracos efeitos diversos, do fascínio ao medo - quando o patriarca do clã Bush levantou as mãos aos céus para dar graças a deus por ter-lhe conferido o privilégio de derrotar o "império do mal" soviético e impor a liderança dos Estados Unidos como única potência mundial com poder inexpugnável. 

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Ao apostar no mundo multipolar - sem dúvida não isento de contradições e mesmo conflitos - estamos convictos de que o imperialismo é forte mas não é invencível. 

Por isso será sempre inócuo tentar demonizar e tirar de cena o presidente russo. Vale mais aceitá-lo como incontornável protagonista da conjuntura internacional, concordando ou discurdando dele. 

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