O cativeiro doméstico
O que há de errado em se "nascer" mulher?
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Ao comemorar os 70 anos de casada, a minha avó paterna, libanesa de Beirute, fez uma afirmação melancólica e desconcertante: só fiz sofrer! Essa declaração de tristeza e desolação repercutiu na minha cabeça à vida inteira. O que leva as mulheres a se submeteram a essa espécie de escravidão doméstica?
No caso dela, que veio ao Brasil para uma viagem de núpcias e nunca mais voltou ao seu país de origem, muitos fatores explicam essa trágica condição feminina: os costumes familiares, a tradição patriarcal, o catolicismo falangista do Líbano, as incertezas do imigrante que deixa sua terra e seus familiares, o apego aos filhos. Ou seja: muita coisa.
As mulheres das gerações passadas acham que o casamento heterossexual, monogâmico é um porto seguro de respeitbilidade e seguranca. Uma mulher que não se casa com um homem, constitui família e mantém seu casamento, é como se tivesse nascido com um defeito de fabricação, inapta para vida social. Parece a Índia, onde as mulheres podem ser devolvidas a suas famílias, se não procriarem filhos homens, não obedecerem a sogra ou caírem sob a suspeição do marido.
O caso brasileiro é mais grave em razão das deformações culturais advindas da nossa formação (escravista e patriarcal). Uma lei como a da Maria da Penha (como a dos crimes raciais) é um documento precioso para entender a misoginia e o feminicídio no Brasil. Por que se odeia tanto as mulheres, sob a alegação de tanto zelo e amorosidade (na verdade, posse) ao gênero femininino? O que há de errado em se "nascer" mulher?
Infelizmente, não aprendemos o suficiente sobre os estudos de gênero e transgênero para alcançar a compreensão de que não se "nasce" isto ou aquilo, mas se constrói ao longo da socialização familiar, escolar e social uma espécie de identidade fixa, eterna e imutável. Daí as polaridades: homem x mulher, homo ou trans x heterosexual. Razão assiste as feministas americanas que defendem identidades múltiplas e móveis, desconstruindo essas polaridades fixas e essencialistas. Assim, vamos construir o perfil de uma nova sociedade solidária, plural e feliz.
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