O Caso Wagner: Uma Semana Depois

O motim do Grupo Wagner foi um evento repentino, mas não inteiramente inesperado

Vladimir Putin e Yevgeny Prigozhin
Vladimir Putin e Yevgeny Prigozhin


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O mundo segurou a respiração entre os dias 23 e 24 de junho, conforme o Grupo Wagner marchava da Ucrânia a Rostov e Voronezh e então até Moscou, em um evento retratado pela maior parte da mídia corporativa ocidental como “tentativa de golpe contra Putin” e “início de uma guerra civil”.

Não se trata de hipérbole. Comandantes russos atuando na zona da operação militar especial russa na fronteira sudoeste relataram uma diminuição nos disparos de artilharia e nas ações ofensivas durante o clímax dos eventos. A Sputnik também revelou recentemente que o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, enviou um telegrama a todos os diplomatas estadunidenses orientando a não comentar sobre o evento. Washington certamente não dormiu naqueles dias.

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Essa apreensão global, em relação aos eventos em questão, demonstram de forma clara que, de fato, a Rússia voltou a ser um dos protagonistas da política mundial, como não era desde o fim da Guerra Fria.

Não obstante, a situação rapidamente resfriou e, ao que tudo indica, se resolveu, restando analisar o que de fato aconteceu e quais foram as consequências. Observando as narrativas reproduzidas na mídia corporativa ocidental ao longo da última semana, porém, é inevitável ficar ainda mais confuso, porque o aparato de propaganda das elites atlantistas parece ter intensificado a dimensão informacional da guerra híbrida travada contra a Rússia (imagina-se que com o objetivo de tentar tirar algum proveito de um possível estado de confusão interno).

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A Natureza da Crise

Para compreender o Caso Wagner é necessário delimitar o seu conteúdo. 

A mídia ocidental categorizou, como já comentado, por uma série de conceitos “tentativa de golpe”, “guerra civil” e indicou como principal alvo o Presidente Vladimir Putin. 

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Nenhuma dessas descrições faz sentido. 

As guerras civis derivam de uma grande ruptura social, consequência de uma polarização política cuja escalada não se consegue deter, e envolvem amplas massas civis e militares, podendo-se dar aí como exemplos históricos a guerra civil espanhola e a guerra civil russa que se seguiu à Revolução Bolchevique.

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O Grupo Wagner, por sua vez, conta com pouco mais de 25 mil homens frente aos 1 milhão e 200 mil homens das Forças Armadas Russas (sem contar os reservistas, a Guarda Nacional, as forças policiais do Ministério do Interior, etc.). Putin, por sua vez, em maio desse ano ultrapassou a marca de 80% de apoio popular. 

Existem contradições políticas e sociais na Rússia? Naturalmente. Mas existe uma polarização ameaçando uma ruptura social? Claramente não. Putin é, para todos os efeitos, um líder de consenso, concretizando os termos da “democracia soberana” de Vladimir Surkov, ou do cesarismo tal como descrito por Alexander Dugin apud Antonio Gramsci.

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Poder-se-ia, então, falar em intento de golpe contra Putin? Nesse sentido, é fundamental atentar para o fato de que em nenhum momento de suas invectivas Yevgeny Prigozhin, testa-de-ferro do Grupo Wagner, lança acusações ou críticas a Vladimir Putin. Não aparece em qualquer de suas declarações a menor sombra de intenção de uma mudança de regime, não se podendo falar, portanto, em “tentativa de golpe contra Putin”.

Isso, porém, seria óbvio para quem conhece as origens de Prigozhin. 

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A ascensão de Prigozhin é meteórica e surreal. De sua libertação em 1990 do sistema carcerário russo (no qual passou, de forma intermitente, 9 anos), Prigozhin virou vendedor de cachorros quentes na Praça Vermelha, para dono de rede de restaurantes no espaço de menos de 10 anos. Já no início do governo Putin, a empresa de Prigozhin ganhava incontáveis licitações no que concerne serviços de alimentação para instituições estatais.

Essa é a sua história pública, explicada pelo “espírito empreendedor”. Os céticos, porém, dizem que Prigozhin provavelmente teria sido recrutado como colaborador pela FSB em algum momento dos anos 90 e que, possivelmente, já era conhecido de Putin anos antes da ascensão deste à Presidência e do enriquecimento repentino daquele.

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Este é um ponto central que não pode ser ignorado no entendimento do Caso Wagner. Prigozhin é um “homem de Putin” e se não fosse não teria recebido o privilégio de alimentá-lo.

Assim, a melhor maneira de categorizar o evento de 24-25 de Junho é como motim, ou seja, um protesto armado por parte de uma unidade militar que, com sua desobediência, visa exigir mudanças específicas em suas condições de atuação. Historicamente, motins tendem a se resolver de forma mais ou menos pacífica com acordos envolvendo concessões entre as partes.

As Raízes da Crise

O motim foi um evento repentino, mas não inteiramente inesperado. Ele foi a culminação de visíveis tensões entre Yevgeny Prigozhin e Sergei Shoigu, Ministro da Defesa (e, em grau menor, também com Valery Gerasimov, Chefe do Estado-Maior).

Ao longo dos últimos meses, Prigozhin tem acusado Shoigu e Gerasimov de dificultar as condições materiais do Grupo Wagner, limitando o acesso do mesmo a munições e a outras facilidades logísticas. Simultaneamente, Prigozhin culpa os hierarcas militares de serem os responsáveis pela tomada de decisões ruins que levaram a mortes desnecessárias de militares russos durante a operação militar especial russa (como o caso dos russos em “fila indiana” perto de Kiev no início dos eventos).

Em um nível mais profundo, fala-se em uma disputa entre setores ou facções da elite russa, como possível continuação da luta interna para isolar e “expurgar” de suas posições de poder e influência os elementos liberais ou filoatlantistas remanescentes do período Iéltsin e que Putin teria herdado a contragosto.

O filósofo Alexander Dugin, ao comentar sobre as contradições internas da Rússia, utiliza dois conceitos: quinta-coluna e sexta-coluna. A quinta-coluna, conceito clássico derivado da guerra civil espanhola, é representada pelos elementos nacionais adeptos do entreguismo atlantista e da ocidentalização da Rússia. São os inimigos declarados de Putin e do sistema, como Navalny. A sexta-coluna, por sua vez, é um fenômeno mais sutil. Ela corresponde aos setores formalmente pró-Putin, internos ao governo e ao próprio partido governista (Rússia Unida), mas que trabalham ativamente por uma ocidentalização da Rússia, pela preservação do liberalismo russo (mas “conservador” e “patriótico”), por uma détente com o Ocidente, etc.

A quinta-coluna, na prática, já não existe mais. Restaria a sexta-coluna, os “liberais sistêmicos” responsáveis por impedir Putin de resolver a “questão do Donbass” já em 2014-2015 (quando setores importantes defendiam um nível maior de intervenção russa) e que, forçada a aceitar a condução da operação militar especial, estaria trabalhando para dificultá-la ou termina-la prematuramente (apesar de parte desses terem se desesperado e tentado fugir da Rússia nos primeiros meses do conflito).

Esses não são debates periféricos. O tema é frequentemente abordado, por exemplo, por Vladimir Solovyov, jornalista e apresentador de talk-show do canal “Rússia 1” e a percepção de que a Rússia deve trazer o conflito para o “front doméstico” e transformá-lo em uma guerra popular contra os inimigos do povo aparece também em Alexander Prokhanov, do Clube Valdai, Mikhail Khazin, do Clube Izborsk e muitos outros intelectuais públicos.

O Caso Wagner se encaixa nessa narrativa na medida em que o Grupo Wagner seria um representante do campo patriótico, enquanto o burocrata Shoigu seria um remanescente dos elementos corruptos da era Iéltsin. Nesse contexto, canais russos de Telegram inclusive expuseram as simpatias pró-ucranianas de familiares do Ministro da Defesa.

Na mídia independente russa aparecem, inclusive, “listas” em que se tenta distinguir os “patriotas”, os “traidores” e os “em cima do muro”, nas duas últimas categorias estando inclusive alguns ministros e ex-ministros.

Agora, o elemento da disputa entre elites já praticamente sendo consensual, restaria saber em que medida o Grupo Wagner agiu com ou sem aval de elementos “superiores”.

Breve Origem e Natureza do Grupo Wagner

Sobre o Grupo Wagner, é fundamental entender que não se trata de simples “grupo mercenário” como a falecida “Executive Outcomes” e outras “empresas” de sua geração.

As origens e toda a operação da Wagner envolvem uma “porta giratória” de spetsnaz (as forças especiais da GRU, a inteligência militar russa). O caminho para a fundação de uma “operação” como a do Grupo Wagner vem de muitos anos antes das próprias unidades de blackops da GRU, entre os quais atuou Dmitry Utkin, considerado fundador do Grupo Wagner e um de seus principais comandantes militares.

O Grupo Wagner surge entre 2013 e 2014 no contexto da crise ucraniana iniciada pelo golpe do Maidan. De fato, Utkin comandou o nascente Wagner na libertação pacífica da Crimeia, junto de unidades regulares das Forças Armadas da Federação Russa. E segundo interceptações telefônicas da época, Utkin reportava diretamente à GRU (além de compartilhar com a GRU a sua principal base, em Krasnodar).

O modus operandi e o treinamento dão todas as indicações de que os oficiais e talvez até boa parte dos operativos (pelo menos dos primeiros anos) do Grupo Wagner vêm das forças especiais russas, especialmente da GRU.

O propósito da criação de uma operação como a do Grupo Wagner seria, segundo vários estudiosos, a de projetar a influência russa por meio do apoio militar indireto a países aliados ou em áreas estratégicas em que se fazem presentes interesses geopolíticos russos. Como o Wagner não está oficialmente registrado em lugar algum e como há um certo manto de segredo que o encobre, o Estado russo poderia, então, utilizá-lo como ferramenta geopolítica, ao mesmo tempo dispondo de uma “negação plausível” a nível jurídico-formal. Trata-se de soft power através de hard power e blackops.

Ademais, é também informação pública que os inscritos no Grupo Wagner fazem um juramento de lealdade à Rússia e aos interesses russos, o que não combina minimamente com o conceito tradicional de “grupo mercenário”.

Prigozhin, nesse contexto, seria o CEO e o RP da operação. Mas não se sabe em que medida ele já estava ali em sua fundação ou se ele foi “acrescentado” posteriormente como a face pública da companhia. 

É por isso que permanece a questão: considerando o histórico apresentado aqui, todo o evento do “motim” Wagner foi efetivamente autônomo ou há algo escapando à nossa visão?

Elementos Controversos e Teorias

Durante o desenrolar dos fatos dos dias 23 e 24 de junho emergiram inúmeras informações que dificultam a plena compreensão dos eventos e que indicam que, em verdade, ou nunca saberemos a história completa ou só saberemos dela muito depois.

Prigozhin apresentou um vídeo de um suposto ataque missilístico russo a um acampamento Wagner, em que teriam morrido muitos combatentes. Esse teria sido o estopim do motim. O vídeo, porém, é tremido e embaçado, não mostra nada de evidente e já parece ter caído no túnel do esquecimento. Isso teria se dado meses após aquela altercação pública durante a Batalha de Artemovsk (Bakhmut) em que Prigozhin acusava o Ministério da Defesa de não entregar munição suficiente e ameaçava retirar suas tropas da cidade. Um dia depois, a Wagner realizou um grande ataque de artilharia contra as tropas ucranianas “encorajadas” pela suposta retirada e alguns dias depois Artemovsk estava liberada. Maskirovka? Tudo indicava que sim.

Prigozhin também afirmou estar acompanhado de 25 mil homens, a quase totalidade dos Wagner presentes na Ucrânia, porém posteriormente foi revelado que boa parte dos combatentes Wagner não entraram com Prigozhin na Ucrânia. No mesmo contexto, é confuso definir com certeza absoluta se o “motim” levou ou não levou a mortes tanto entre combatentes Wagner como entre tropas regulares. Inicialmente dizia-se que sim, no desenrolar do desfecho declarou-se que tudo se deu sem derramamento de sangue e agora as informações oficiais dizem que houve mortos entre os Wagner e as forças regulares.

Outros elementos desconexos da barragem de informações é a de que Prigozhin teria estado com Putin alguns dias antes do motim, bem como a informação de que Utkin, Mikhail Mizintsev (vice-ministro da Defesa da Rússia até abril!) e Anton “Lotus” Yelinov, comandantes militares da Wagner, teriam assinado contratos com o Ministério da Defesa. 

A questão dos contratos com o Ministério da Defesa é relevante aqui porque semanas antes do motim, havia sido determinado pelo Ministério da Defesa que todas as companhias militares privadas, milícias voluntárias, etc., teriam que assinar contratos com o Ministério da Defesa e se submeter à sua disciplina. O Grupo Wagner teria sido o único a não assinar. Prigozhin teria solicitado, em “contraproposta”, autorização para que a Wagner se vinculasse à Guarda Nacional Russa (Rosgvardia), uma força militar sob o comando pessoal do Presidente, e não ao Ministério da Defesa, o que teria sido negado por Shoigu.

Durante os eventos, Sergey Shoigu não foi visto. Ele não apareceu para dar qualquer declaração, mesmo que apenas por vídeo. O QG do Distrito Militar do Sul, em Rostov, foi ocupado sem incidentes. A impressão transmitida pelas fotos e gravações é de um “evento turístico”. 

A marcha até Moscou é, porém, interrompida por um telefonema do Presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, que negocia com Prigozhin, chega a um acordo com ele e o convence a encerrar o motim e retornar para uma das bases Wagner. Improvável que Lukashenko tenha agido sem coordenação com Putin. 

Apenas parte dos termos do acordo é pública: 1) Prigozhin irá para Belarus; 2) Os membros do Grupo Wagner que participaram do motim irão com ele; 3) Os membros do Grupo Wagner que não participaram do motim poderão seguir atuando na operação militar especial, mas sob contrato e sob autoridade do Ministério da Defesa ou da Guarda Nacional; 4) Ninguém será processado ou punido pela participação no motim.

O motim acaba em menos de 24 horas. O espectro da “guerra civil” se esvanece no ar. Terá sido tudo um psyops com fins militares? Jogada política entre elites? Tentativa abortada de golpe? Realmente apenas um motim reivindicatório?

Consequências e Avaliações

Agora, 1 semana depois do motim, podemos tentar desenhar os resultados e consequências dos eventos. Mas primeiro, podemos resumir as avaliações ocidentais.

A mídia de massa ocidental, analistas de laboratórios de ideias, jornalistas e lideranças políticas, inclusive no Brasil, interpretaram os eventos como tendo enfraquecido o poder e a imagem de Putin. Putin teria sido o “líder fraco” que foi chantageado e pressionado por um líder mercenário qualquer e que cedeu a ele.

Vejamos: 

Prigozhin está já em Belarus, com pelo menos parte do Grupo Wagner. A presença do Grupo Wagner em Belarus, perto da fronteira norte ucraniana, lançou um sinal de alerta em toda a OTAN, fazendo a Polônia dizer que a OTAN se sentiria forçada a deslocar forças para contrapor a presença Wagner. O Grupo Wagner está, agora, a 100km de Kiev.

Quanto a isso é importante levar em consideração que Belarus estava sendo ameaçada com ações de guerrilha e sabotagem por grupos neonazistas vinculados à oposição belarussa, e que atuam na Ucrânia. Ademais, Belarus acaba de receber armas nucleares russas, que estarão posicionadas em seu território.

Nesse sentido, a presença Wagner, além de despertar preocupações ocidentais e ucranianas e forçar essas partes a aplicarem forças de contraposição (que poderiam ser usadas em outro lugar), pode servir para estabilizar Belarus e dissuadir ou contrapor ações híbridas no sentido de infiltração ou revolução colorida (recordemos, aqui, as raízes do Wagner na inteligência militar).

O próprio Lukashenko, que possui boas relações com Prigozhin, comentou que o Grupo Wagner ajudará a treinar as Forças Armadas de Belarus com o conhecimento adquirido na operação militar especial.

O Grupo Wagner, porém, não foi extinto, ao contrário do que também foi difundido nos meios de comunicação ocidentais. Os vários escritórios da formação militar continuam abertos e atuando em território russo. Há especulações sobre a possibilidade de mudança de nome do grupo ou outras possíveis alterações, mas qualquer pessoa mais perceptiva entenderá que qualquer mudança será cosmética e que mesmo que Prigozhin seja retirado da jogada isso não significa muita coisa. Prigozhin é “sacrificável” enquanto ativo, o projeto da “companhia militar privada” como agente híbrido internacional a serviço da geopolítica russa não.

Nesse sentido, também foi espalhada a informação falsa de que o Grupo Wagner teria se retirado ou sido expulso dos países africanos e Síria, onde atuam. Essas informações também são falsas. Porém, os clientes do Grupo Wagner estão em contato com a Rússia para verificar sobre a continuidade das operações Wagner.

Bastante importante é o fato de que a Guarda Nacional Russa, comandada por Viktor Zolotov, finalmente receberá tanques e outros equipamentos pesados, demanda antiga da formação. A Guarda Nacional, como já comentamos, é a tropa pessoal de Vladimir Putin. Fortalece-se, assim, o poder de Putin em paralelo com as instituições militares.

Ademais, em uma derrota para Shoigu, os combatentes Wagner poderão, como eles queriam, se vincular à Guarda Nacional para continuar atuando na zona da operação militar especial. Há, ainda, várias unidades Wagner atuando no território ucraniano. 

Um evento relevante, porém pouco comentado, é que os batalhões Akhmat enviados por Kadyrov para “desarmar os Wagner” em Rostov foram imediatamente enviados para a zona da operação militar especial durante a resolução do motim.

Essas informações são importantes porque durante o evento toda a atenção dos burocratas, generais, diplomatas e oficiais de inteligência do Ocidente ficou fixada no motim. E ao seu fim, a Rússia havia deslocado o Grupo Wagner para o norte da Ucrânia e os Akhmat para o sul. Na era da vigilância por satélite encobrir manobras sob outros pretextos é fundamental, vide as manobras de “treinamento” que precederam o início da operação militar especial.

Agora, talvez o que é mais importante entre todos os outros detalhes: durante o motim, foram ampliados os poderes de lei marcial e foi decretada uma operação antiterrorista em Moscou, como medidas de emergência. Essas medidas dão poderes extraordinários a Vladimir Putin. No momento em que este artigo está sendo redigido, esses poderes não foram revogados.

Deputados da Duma solicitaram uma investigação sobre burocratas e oligarcas russos que possam ter tentado fugir do país durante o motim, e que eles sejam punidos. Isso também vale para as redes de sabotagem e terrorismo infiltradas na Rússia, que podem ter sido em alguma medida expostas pelo motim Wagner. Durante o evento, algumas poucas figuras russas se pronunciaram a favor do motim. Imagina-se que serviços de inteligência ocidentais contataram ativos infiltrados na Rússia para que tirassem proveito do caos, e que essas comunicações apressadas teriam sido detectadas pela FSB/GRU. 

Simultaneamente, todas as autoridades relevantes, bem como muitas figuras políticas de renome, declararam publicamente apoio pessoal a Vladimir Putin como Comandante-em-Chefe. Entende-se que isso representa uma consolidação e solidificação da autoridade pessoal do Presidente, o que é confirmado pelo fato de que o apoio popular a Putin, que já estava em 80%, teria subido para aproximadamente 90% após o motim.

São, porém, falsas (por enquanto) as informações de que o General Surovikin, comandante da operação militar especial, teria sido preso. 

Enfim, o motim Wagner certamente ainda gerará muitas consequências nas próximas semanas, especialmente no que concerne “expurgos silenciosos” retratados como meras “aposentadorias” e “transferências”, e ainda continuaremos acompanhando a saga Wagner (e seus eventuais sucessores). 

O que é certo, porém, é que se a maior desvantagem russa nessa guerra contra o Ocidente até então estava no âmbito informacional, com o Ocidente tendo toda a iniciativa e a Rússia em uma postura puramente reativa, durante 24 horas a Rússia deu as cartas no campo informacional e o Ocidente ficou paralisado, boquiaberto, sem saber o que fazer e tropeçando nos próprios pés.

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