O capitão pugilista esmurra nosso futuro

O colunista Roberto Amaral denuncia os desmandos do governo Bolsonaro. Ele diz: "os alquimistas do "Posto Ipiranga" propõem um corte dos recursos destinados à educação, reduzindo-os, de R$ 103 bilhões em 2020, para R$ 102 bilhões no próximo ano. Pela primeira vez o dispêndio com defesa será maior que o alocado para a educação, nó górdio de nosso desenvolvimento"

A era da mediocridade: um país que estrebucha entre o apocalipse e a melancolia
A era da mediocridade: um país que estrebucha entre o apocalipse e a melancolia (Foto: Isac Nóbrega/PR)


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Quando todo o mundo, espicaçado de último pela pandemia, se volta mais e mais para investimentos em ensino e pesquisa de qualidade, o governo que nos malsina, após  desestruturar o sistema nacional de ciência e tecnologia, dedica-se, de corpo e alma, com eficiência não revelada  em outras áreas, à desmontagem do ministério da educação, concluindo a obra de vandalismo do ex-ministro homiziado em uma sinecura no Banco Interamericano de Desenvolvimento.

O gap tecnológico, que tanto nos distancia do mundo capitalista desenvolvido, breve será observado vis a vis outros países emergentes, como já nos separou, em poucas décadas, de países como a Coreia do Sul e a Índia, para não falar da China, que no início dos anos 1950, saindo de uma longa guerra civil e de uma sequência de invasões estrangeiras, era um país paupérrimo, de economia agrária, devastada, dependente científica e tecnologicamente. Hoje é essa admirável potência que desperta tanta admiração. Naquela altura a China era um projeto de execução temerária, enquanto nós já posávamos como  país urbano, em processo de industrialização. E, ao contrário da China, da Coreia (devastada por uma guerra que a decepou) e da Índia, mal saída das lutas pela independência e dividida por um número incontável de línguas, seitas, religiões e castas, o Brasil orgulhava-se de sua integridade territorial incontestada, de sua unidade linguística e cultural, e da imensidão do território, cheio de riquezas, todo útil, todo agriculturável o ano inteiro,  ao contrário do que ocorre com a China, com suas montanhas, seu gelo, seus desertos.

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 Todas as atuais potências militares e industriais, militares por força de seu desenvolvimento industrial autônomo, são, antes, potências nos campos da ciência e da tecnologia, e emergiram após décadas de investimento massivo, maciço e sistemático em educação. Vítima de sua classe dominante, alienada e forânea, antinacional e anti-povo, o Brasil, porém, se destaca, no século do conhecimento, da ciência e da tecnologia, da robótica e da informática, da quarta revolução industrial, por destruir as bases daquele desenvolvimento que cimentou o progresso da humanidade até aqui: a educação, notadamente a educação pública, gratuita e de qualidade. Lamentavelmente, há uma lógica nesta aparente loucura, porque essa educação contraria os interesses da casa-grande, pois, se cria riqueza, promove o ser humano, dá-lhe consciência de seu papel histórico. Uma coletividade de cidadãos jamais aceitaria os termos abjetos da desigualdade social que impede que sejamos uma nação, o que, em outras palavras significaria o confronto com a classe dominante.

Nosso atraso, pois, é fruto de engenho e arte dos procuradores da casa-grande. Porque, como denunciava Darcy Ribeiro, “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. Hoje, mais do que nunca.

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Não é mero acaso o fato de esse consórcio de militares e representantes da especulação financeira haver destruído o ministério da cultura, como desfez o do trabalho. Igualmente não é acaso  contarmos, hoje, com o quarto ministro da educação, um pastor “terrivelmente evangélico”, antecedido por um pobre idiota, um celerado e um estelionatário. Não é mero acaso que, em plena pandemia, o ministério da saúde esteja sob o comando, numa interinidade sem fim, de um general intendente, após as demissões de dois médicos. Não é por “acidente de percurso” que o neoliberalismo governante abandonou a educação básica – sem a qual não há educação qualquer –, estrangulou e perseguiu as universidades públicas e os institutos federais de ensino, ou que, em plena pandemia, sufoque os hospitais universitários e reduza os recursos destinados à saúde. Não é “um ponto fora da curva” o fato de as dotações orçamentárias destinadas à pesquisa e à inovação, à formação de professores e pesquisadores estarem caindo, ano a ano, como caem as da educação. Assim, os recursos destinados ao CNPq, à CAPES e ao FNDCT, que, em 2015 somavam R$ 12,04 bilhões, estão hoje reduzidos a R$ 4,40 bilhões (fonte: SIOP).

Em 10 anos, as universidades públicas perderam 73% das verbas disponíveis para novos laboratórios, obras e computadores.

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Para o ataque à razão e ao conhecimento, parece não haver sido satisfatória a sequência de ministros extraordinariamente incompetentes e mal intencionados.  Trata-se, agora, de impor a paralisia da máquina, mediante a sangria de seus recursos. É o atual ministro da educação quem propõe o corte no seu próprio orçamento para possibilitar à defesa o aumento dos gastos das escolas comandadas por militares sem formação pedagógica, que assim saltarão dos atuais R$ 54 milhões para R$ 108 milhões.

Se os números destinados à educação na proposta orçamentária para 2021 são inferiores aos da proposta de 2020, esta já correspondia a apenas 75% da dotação de 2015! Para educação básica, o valor real destinado em 2020 corresponde a 54% dos recursos de 2013. A educação superior também foi alvo de cortes.  Os recursos de 2020 correspondem a 75% da dotação de 2015. Relativamente à educação infantil, o quadro é desesperador: os recursos totais de 2020 correspondem a 2% do valor alocado em 2014. São R$ 80 milhões contra R$ 5,074 bilhões (dados corrigidos pelo IPCA a preços de maio de 2020).

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Mas há, sempre, um outro lado. Nos termos do que a imprensa tem revelado,  a proposta orçamentária a ser enviada ao congresso, para o exercício de 2021, prevê, para o ministério da defesa,  um aumento de 48,8% sobre o orçamento do ano passado, passando de R$ 73 bilhões para R$ 108,56 bilhões. Esses números,  engendrados por burocratas solícitos, todavia, ainda não satisfariam  o capitão, muito cioso em manter bem oleada sua retaguarda. Segundo o Estadão (19/8/2020), Bolsonaro teria ordenado, sobre esses números, um aumento de R$ 2,27 bilhões, elevando a proposta de orçamento da defesa para, em números redondos,  R$ 111 bilhões. Só que ao preço de adiar para 2022 o Censo de 2020 (programado para 2021), a mais importante pesquisa estatística do país.

Isto, sem que se conheçam ameaças palpáveis ao nosso território.

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O pouco que se sabe não é nada bom.

O ministério da defesa empenhou R$ 145 milhões para a compra  (sem licitação, segundo O Globo, 24.8.20) de pequenos satélites destinados à monitoração do desmatamento da Amazônia, função do INPE --- instituição científica cuja excelência é reconhecida internacionalmente --  que a executa mediante satélites de tecnologia mais avançada dos que estão sendo adquiridos, e com a expertise que falta aos militares. Posto que não se dispõe a acabar com a devastação, o governo controlará os dados a ela relativos.  

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Enquanto isso, os alquimistas do "Posto Ipiranga" propõem um corte dos recursos destinados à educação, reduzindo-os,  de R$ 103 bilhões em 2020,  para R$ 102 bilhões no próximo ano. Pela primeira vez o dispêndio com defesa será maior que o alocado para a educação, nó górdio de nosso desenvolvimento.

A irresponsabilidade vai em frente.

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A área de saúde, que já perdeu R$ 22,5 bilhões, desde que a estúpida regra do teto de gastos entrou em vigor, em 2017, está ameaçada de novos cortes. Apesar da pandemia,  a tecnocracia neoliberal pretende uma redução do orçamento do ministério da saúde de R$ 174,8 bilhões em 2020 (alcançados após liberação de crédito para enfrentar a pandemia) para R$ 134 bilhões.

Enquanto 2021 não chega, preparemo-nos para o réveillon, e seu rol de quebradeiras, desemprego, fome e mortes.

 Segundo dados do IBGE, nada menos que 715 mil empresas fecharam suas portas até junho último. Os desempregados das estatísticas já seriam 13 milhões; outros 19 milhões deixaram de procurar emprego por conta da pandemia; 16,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras assinaram acordos de redução de salários. Não se conta nesses números o exército de falsos empregados, uberizados, “autônomos” e “precarizados”. Famílias e empresas sairão mais endividadas e com menor renda. E a pandemia ainda nos maltratará com algumas dezenas de milhares de mortes evitáveis.

Como pouco nos cabe em todo o imbróglio, resta torcer para que as forças populares, dispersas, compreendam o processo eleitoral iminente, e o usem como o grande e privilegiado momento de diálogo com as massas, até aqui e sempre interditado pelo bloqueio da imprensa controlada pela casa-grande. Porque será lamentável se os candidatos e partidos de esquerda, e principalmente os candidatos da esquerda socialista,  não se valerem da campanha eleitoral e dos meios que ela enseja para divulgar seus programas e suas teses, e, sem qualquer restrição, retomar o há tantos anos esquecido discurso ideológico, de denúncia do caráter do capitalismo e de seu modelo neoliberal, que tão bem se identifica com o bolsonarismo, sua versão degenerada.

Pergunta que não pode ser evitada: capitão Jair Messias Bolsonaro, por que sua esposa Michele recebeu 89 mil reais do miliciano Fabrício Queiroz?

Pergunta que não pode calar: quem mandou matar a vereadora Marielle Franco?

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