O Brasil sem futuro e o Judiciário sem pudor
"Nenhum país que tenha a imensa maioria de sua população pobre ou empobrecida, como é o caso do Brasil, terá futuro. Nenhum país brutalmente desigual como é o Brasil - o nono mais desigual do mundo - será um país social e politicamente pacificado" diz o colunista do 247 Aldo Fornazieri; para ele "o Brasil não superará a pobreza e a desigualdade se não surgir uma nova geração de políticos radicalmente reformistas, capazes de criar uma maioria social favorável à supressão das instituições iníquas que mantêm a pobreza do povo brasileiro"; "É neste contexto que o Judiciário perdeu todo o pudor e toda a vergonha ao achar o país com um aumento de 16,5% auferindo um salário de R$ 39,2 mil", ressalta
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Nenhum país que tenha a imensa maioria de sua população pobre ou empobrecida, como é o caso do Brasil, terá futuro. Nenhum país brutalmente desigual como é o Brasil - o nono mais desigual do mundo - será um país social e politicamente pacificado. A paz sem justiça e elevados níveis de igualdade é uma mentira, é um discurso demagógico de políticos para enganar o povo. Sem superar a pobreza e a desigualdade o Brasil não será um país desenvolvido, grandioso, próspero e feliz. E nenhum país superará a pobreza e a desigualdade se não fizer um ajuste de contas com os mecanismos de concentração de riquezas, a exemplo do sistema tributário; se não fizer um ajuste de contas com os privilégios do setor público, se não fizer um ajuste de contas com a sonegação e com a corrupção. O Brasil não superará a pobreza e a desigualdade se não surgir uma nova geração de políticos radicalmente reformistas, capazes de criar uma maioria social favorável à supressão das instituições iníquas que mantêm a pobreza do povo brasileiro. Não haverá felicidade se a imensa maioria da população não estiver ao abrigo das misérias e das necessidades básicas.
Os dados divulgados pelo IBGE na semana passada, acerca do aumento da pobreza, deveriam cobrir o Brasil inteiro e todos nós cidadãos de vergonha e opróbrio. São 54,8 milhões de brasileiros que vivem na pobreza e 15,3 milhões que vivem na extrema pobreza. Isto quer dizer: são 54,8 milhões de pessoas que vivem com até R$ 406 por mês e 15,3 milhões que vivem com até R$ 140 por mês. O rendimento médio domiciliar é de R$ 1.511. Já 26,9 milhões de pessoas vivem com menos de 1/4 do salário mínimo ou com menos de R$ 234,25 por mês. Os 10% mais ricos recebem 17,6 vezes mais que os mais pobres e concentram 43,1% de toda a massa de rendimentos contra apenas 12,3% da massa de rendimentos dos 40% mais pobres. O que mais violenta o futuro do Brasil é que 5,2 milhões de crianças vivem na extrema pobreza e 18,2 milhões vivem na pobreza. Os brancos ganham 80 vezes mais do que os pretos e pardos e os homens ganham 30 vezes mais do que as mulheres. Nos últimos dois anos a pobreza deu salto de 4%. É um gigantesco retrato de uma enorme tragédia, um aterrador retrato de uma insuportável injustiça.
Dentre os vários males que agravam a pobreza e a desigualdade no Brasil um deles está nos privilégios do setor público, particularmente do Judiciário, incluindo o Ministério Público. A diferença salarial entre o setor privado e o setor público é enorme; o setor público tem um regime previdenciário generoso, tanto no cálculo das aposentadorias quanto na idade; os salários das elites funcionais dos três poderes não só são injustos, mas são criminosos, escandalosos e configuram um crime de corrupção, ao menos do ponto de vista moral. Além de todos esses privilégios, gratificações os vários tipos de penduricalhos tiram ainda mais recursos das necessidades básicas da população.
É neste contexto que o Judiciário perdeu todo o pudor e toda a vergonha ao achar o país com um aumento de 16,5% auferindo um salário de R$ 39,2 mil. Mesmo assim, associações ligadas ao poder Judiciária e a própria procuradora geral da República pleiteiam a continuidade do auxilio moradia. Desta forma, o salário de um juiz é 280 vezes maior do que o que recebem as 15,3 milhões de pessoas que vivem na pobreza extrema; é 96,5 vezes maior das 54,8 milhões de pessoas que vivem na pobreza e é 41,83 vezes maior que o salário mínimo, que é até o que recebem mais de 106 milhões de pessoas. O salário do Judiciário brasileiro é de 3 a 4 vezes maior daquele recebido pelos Judiciários da maioria dos países ricos. Junto com os deputados, os procuradores e a alta cúpula do funcionalismo do Executivo, do Legislativo, das polícias e das Forças Amadas, o Judiciário compõem uma verdadeira casta de marajás que suga o sangue do povo brasileiro.
É preciso dizer ainda que são poucos os partidos e os parlamentares dos partidos progressistas e de esquerda que se colocam na linha de frente no combate a esses privilégios. Há um suspeito silêncio nesses meios. Não há como combater a pobreza e a desigualdade, não há como pugnar pela justiça e pelos direitos, sem proclamar uma guerra contra os privilégios do setor público. Se esta bandeira não for empunhada pelas esquerdas será empunhada por alguém, pois, aos poucos, a sociedade vai tomando consciência de que esta situação é inaceitável.
O Judiciário, um poder que viola sistematicamente a Constituição, a viola também na questão salarial. Os seus salários legais ferem os princípios da moralidade pública e da equidade. Não bastasse os salários escandalosos e inescrupulosos que os juízes recebem, estudos indicam que cerca de 70% deles recebem acima do teto salarial constitucionalmente estabelecido. Que moral têm os juízes e os procuradores em se apresentarem como paladinos do combate à corrupção se eles praticam uma corrupção legalizada?
O que se vê no Brasil dos últimos anos é o seguinte: avanço das formas de corrupção legalizada através de salários escorchantes e privilégios criminosos no alto funcionalismo do setor público; descrença da sociedade em relação ao sistema político e aos partidos; um poder público incapaz de solucionar de forma satisfatória os inúmeros problemas da população, o que caracteriza uma aviltante ineficiência do setor público; aumento generalizado da violência e da degradação social; aumento da pobreza e das desigualdades; recuo dos direitos sociais em geral; com a eleição de Bolsonaro, recuo dos direitos humanos e perspectiva de aumento da degradação ambiental e da violência contra o ativismo social e político.
Diante deste quadro de recuo histórico e retrocesso civilizacional, que deverá se agravar com as dificuldades contradições que o governo Bolsonaro enfrentará, inclusive com a tendência do aumento da violência política e social, não basta colocar como tarefas a formação de uma frente democrática para defender a soberania, as liberdades e os direitos sociais; não basta desenvolver a campanha Lula Livre, não basta defender os interesses populares. Existe uma tarefa central que os progressistas e as esquerdas vêm negligenciando: a organização de base, a organização das periferias e a constituição de força organizada para resistir e lutar. Sem força organizada, as palavras de ordem, as táticas, podem ser palavras jogadas ao vento. Sem força organizada, ou se dependerá da sorte, da falta de virtude dos inimigos ou se colherá derrotas. Sem força organizada não há poder de mobilização e sem poder de mobilização não ocorrem lutas, enfrentamentos no plano capaz de produzir mudanças nas relações de força. É esta capacidade que os progressistas e as esquerdas perderam nos últimos anos e que precisam recuperar com urgência.
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