O Brasil pode sair melhor da crise atual

"Se conseguirmos reverter os consensos que a direita tinha reimposto, do ajuste fiscal, do anti-Estado do pró-mercado, do consumismo e dos shopping-centers, estaremos em melhores condições para sairmos bem da grande crise", avalia o sociólogo Emir Sader

(Foto: Marcos Corrêa/PR | USP Imagens)


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Se, como se repete tanto, crise é também oportunidade, temos uma gigantesca oportunidade de tirar o Brasil deste pântano e sair da crise para cima, para reconstruir um país melhor, menos injusto, mais digno e mais solidário.

A confluência das duas crises, a do governo Bolsonaro e a da pandemia, faz com que estejamos no pior dos mundos possíveis. O país já estava em uma profunda recessão antes da pandemia, com 12 milhões de desempregados e 38 milhões de precários, com o Estado em acelerado processo de desmonte, com as privatizações em andamento sem limitações, com a pior imagem que um governante já teve dentro do país e fora.

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Nesse marco extremamente vulnerável somos afetados pela pandemia, que nos pilha na pior situação possível. Com um presidente sem capacidade de comando, desmoralizado, com um governo sem unidade interna, com serviços de saúde enfraquecidos, com um situação social de desigualdade profunda e estendida por todo o país.

Os efeitos não poderiam ser piores. Já somos 62,1 milhões em situação de precariedade, praticamente a metade da população em condições de trabalhar. Só pioramos, porque temos um governo que nao faz nada, tudo o que interessa ao presidente é se safar das graves acusações que pesam sobre ele e seus filhos.

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Chegou a pandemia e todos interrompemos o que estávamos fazendo e nos pusemos à defensiva, com o objetivo fundamental de não sermos afetados pelo vírus. Buscamos não retroceder, paramos de avançar. Nos fechamos, nos isolamos uns dos outros, perdemos capacidade de acao, de articulação, de mobilização.

Frente a problemas de uma dimensão incomensurável, que parece só depender de nós no microcosmos de nos isolarmos em casa, ficamos impotentes, vendo um presidente incompetente desmoralizar ao país, vendo um sistema de saúde dessangrado lutar heroicamente sem conseguir impedir o aumento exponencial das vítimas da pandemia.

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E o Brasil, que há não muito tempo, era exemplo no mundo de luta contra a fome, contra a desigualdade social, contra a exclusão social, projetando o Lula como mais importantes líder político mundial, hoje vive a situação radicalmente oposta. O país se tornou tema de chacota mundial, de ridicularização de que assaltou a presidência, hoje se torna atenção pelo medo que se passou a ter de que nos tornemos no epicentro da pandemia em escala mundial. Até o Paraguai se protege das nossas fronteiras, porque teve uma política mais responsável de defesa contra a pandemia.

O país entrou em uma fase de maximização diária da quantidade de brasileiros que morrem. Apesar de termos o SUS, o mais democrático sistema de saúde do mundo, nos transformamos rapidamente no epicentro da pandemia no mundo. De um país orgulhosamente liderado pelo Lula a termos na presidência usurpada a um chefe de milícia.

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Mas podemos fazer da maior crise da nossa história a maior oportunidade de transformação democrática do Brasil. Nós dispomos de um povo que preserva na sua memória a ideia de que o Brasil tem jeito, de que pode ser um país menos injusto, menos violento, menos egoísta.

A profundidade da crise é tal, que não sairemos dela, como pessoas e como pais, os mesmos. Ou sairemos melhores ou piores.

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Se passar essa onda de solidariedade atual, voltaremos ao nosso egoísmo cotidiano, vamos nos prevenir o mais que pudermos para não pegarmos o vírus e trataremos de que tudo siga igual.

Mas as coisas não seguirão iguais. Se não houver fortes políticas públicas de saúde, se o SUS não receber os recursos que precisa para cuidar de todos, não adianta se querer proteger a si mesmo. Nem se se fechar numa caverna, porque só podemos nos isolar em sociedade. Ou nos salvamos todos e se salva o Brasil, ou todos estaremos sempre ameaçados por esse e por outro vírus, órfãos de governo e de políticas públicas.

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Mas podemos sair desta parada melhor do que entramos, se semearmos o sentimento de solidariedade que a pandemia necessariamente gerou. Se mantivermos firme na consciência das pessoas, as condições difíceis de vida dos mais pobres, que são maioria, e que de repente chegaram à televisão e deixaram de ser invisíveis. Se tirarmos minimamente as consequências de por que eles vivem tão mal e outros poucos tão bem. Se priorizarmos as políticas sociais que distribuem renda e direitos para todos.

Se mantivermos na consciência das pessoas que, na hora do aperto, que nos socorre a todos é o SUS, são os serviços públicos de saúde, são os centros públicos de pesquisa, são as universidades públicas, são os profissionais do setor público e não o mercado, o empresariado privado, os planos privados de saúde. E’, em suma, o Estado e não o mercado. É a ciência e não a religião.

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Se conseguirmos reverter os consensos que a direita tinha reimposto, do ajuste fiscal, do anti-Estado do pró-mercado, do consumismo e dos shopping-centers, estaremos em melhores condições para sairmos bem da grande crise. Poderemos convencer a maioria dos brasileiros que precisamos de um grande Plano de Reconstrução do País, que priorize o desenvolvimento econômico e as políticas de distribuição de renda, que fortaleça o Estado, os bancos públicos, a escola pública, tornando-os o eixo fundamental da ação política do país.

Se fizermos isso, saberemos que nunca mais podemos ter um governo que só pensa em si e nos seus filhos, que promove os interesses dos bancos privados, que desdenha nossa bandeira, que achincalha a liberdade de expressão, que envergonha o país .

O Brasil pode sair melhor ou pior da crise atual. Depende de nós, de cada um de nós, como sairemos desta – para pior ou para melhor.

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