O Brasil no tempo dos vírus
O coronavirus entra em um Brasil onde saúde pública é mercadoria, e cujo governo acredita e pratica a política do Estado mínimo, de um liberalismo predatório
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Dois espectros virais rondam o Brasil: o bolsovirus e o coronavírus.
O primeiro ameaça as instituições, chamando manifestações para fechar o Congresso Nacional e afirmando ter havido fraude nas eleições de 2018. O segundo assombra a população, em um país que teve o corte de 13,5% do orçamento da saúde para o ano de 2020, pela regra do teto de gastos da Emenda Constitucional nº 95.
As duas tragédias que se abatem sobre o nosso país são difíceis de combater, sobremaneira porque uma se alimenta da outra. Uma é recente, a outra já encontrou assento e busca permanecer.
O coronavirus entra em um Brasil onde saúde pública é mercadoria, e cujo governo acredita e pratica a política do Estado mínimo, de um liberalismo predatório. Aqui, os agentes infecciosos corroem a máquina pública, e encontram apoio no comércio dos donos dos planos de saúde.
Em outra ponta, os dados mostram que, de 2015 para 2019, o orçamento das agências de fomento à pesquisa e produção tecnológica ligadas ao governo federal caiu de R$ 13,97 bilhões para R$ 6,08 bilhões, um recuo de 56,5%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.
Para 2020, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) tem no orçamento, na parte discricionária, 32% e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 11,5% a menos do que foi executado em 2019.
Em paralelo, tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição nº 187/2019, que consta no chamado “Plano Mais Brasil” do governo Bolsonaro, que extingue fundos públicos, entre eles, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (FNDCT), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que apoia financeiramente programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais.
Em tempos de pandemia, em que os estudos científicos assumem crucial importância, nossos institutos de pesquisa estão sucateados e ameaçados de extinção.
A devastação que pode ser causada pelos dois vírus é de proporção tal, que ainda não se pode mensurar. Mas se sabe, desde sempre, que a vítima potencialmente afetada por ambos é a população pobre e mais desprovida de recursos do país, aquela que carece de um Sistema Único de Saúde forte, de uma politica fiscal que sirva para efetivar programas para reduzir a desigualdade e promover justiça social.
Lado a lado com os vírus se espalha o medo. E o medo que conduz ao pânico faz com que nos tornemos mais egoístas e individualistas. As recomendações públicas sobre o coronavírus atemorizam: “não beije, não abrace, não toque na outra, no outro, nos outros. Afaste-se, não espirre, não tussa, não tenha contato”. O isolamento do indivíduo, mesmo que superficial, vira condição para sua sobrevivência e dos outros. “Ninguém solta a mão de ninguém” depara-se com a antítese “não dê a mão a ninguém”. No paradoxo, o afeto e o cuidado se encontram no distanciamento. A contradição, no entanto, é apenas aparente. Há amor em não beijar.
Por outro lado, o bolsovírus aprende rápido a usar o coronavírus para melhorar sua imagem perante a sociedade, e se refazer das implicações causadas por suas ações.
Um dia após o Congresso Nacional impor uma derrota ao governo, derrubando o veto ao projeto que eleva o valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), em evidente mensagem de demonstração de força, Bolsonaro gravou um vídeo e pediu aos seus seguidores o cancelamento do ato que defendia o fechamento do parlamento, utilizando o coronavírus como pretexto. Pouco importa que dias antes tenha dito tratar-se de um exagero da imprensa.
O uso da máscara na gravação não fez apenas alusão ao fato de que o segundo foco do coronavírus em Brasília foi trazido de Miami, por seu secretário de comunicação em viagem oficial, mas joga com o imaginário de que poderia, naquele momento, o próprio presidente estar infectado, como um cidadão comum que se contamina, uma vítima como qualquer outra.
O horror das duas doenças que ameaçam o Brasil só pode ser enfrentado em conjunto. Não existem vacinas, temos que combatê-las com os remédios que possuímos e a força de nosso organismo denominado sociedade civil organizada. Os antivírus se chamam democracia, igualdade, solidariedade, amor.
A evidência de que um serviço público de saúde precisa ser fortalecido pelo Estado, e de que os cortes jogam contra a sociedade, precisa ser enfrentada. Não mais pode ser um discurso de retórica. A chegada de um vírus como o corona e o apelo do ministro da Saúde para que o Congresso libere R$ 5 bilhões em caráter de emergência, joga luz sobre os efeitos da negligência de uma política fiscal que privilegia interesses privados em detrimento de um direito humano fundamental.
A clareza de que as instituições precisam reagir de forma enérgica ante os discursos e abusos cometidos pelo governante, sua família e seus ministros está posta. Não é mais possível tolerar tantos desatinos em nome de uma dita estabilidade e governabilidade.
Precisamos livrar o país desses vírus, antes que a doença se agrave e nos coloque em coma.
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