O Bom Senso e o rito das Medidas Provisórias
'O problema é que as MP viraram rotina para aprovação de leis ordinárias. É motivo de colidências entre Câmara e Senado', escreve o colunista Cândido Vaccarezza
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A semana passada foi quente. Entre as discussões corriqueiras da política; as possibilidades de ampliação de negócios para o Brasil, com a mega viagem do presidente à China; as ações dos bancos, incluindo os públicos, para sabotar o limite imposto aos extorsivos juros cobrados aos aposentados que precisam do crédito consignado; a âncora fiscal para substituir o teto de gastos; a absurda indignidade nas prisões do RN; a altercação entre o presidente da Câmara e o presidente do Senado, sobre o trâmite de votação das Medidas Provisórias, tem potencial de gerar uma crise de governabilidade de baixa para média intensidade. Crise de baixa intensidade é marolinha, por assim dizer, mas no primeiro trimestre de um governo… Desconfio que não caiu a ficha, ou pelo menos este assunto ainda não está sendo tratado com a devida atenção pelo Governo Federal.
Medida Provisória e seu trâmite de votação sempre foram motivos de tensão. Um país de dimensão continental, com pouca experiência democrática e com imensas disparidades sociais e regionais, regido por um arcabouço jurídico positivo, exige, em casos de relevância e urgência, que o Presidente da República, possa adotar medidas provisórias, com força de lei, a serem posteriormente avaliadas pelo Parlamento. O problema é que as MP viraram rotina para aprovação de leis ordinárias, me refiro às leis mais comuns, e de forma ordinária passaram a servir de barriga de aluguel para os famosos "jabutis"; este emprenhamentos e o processo de votação das MPs, são os motivos de colidências entre Câmara e Senado.
Em matéria do dia 17/03 da Agência Câmara de Notícias, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que “o bom senso vai prevalecer” na discussão sobre a tramitação de medidas provisórias no Congresso Nacional. “Minha proposta é que haja a alternância no modelo atual”, disse o presidente da Câmara. “Modifica-se a Constituição, faz-se nova resolução, e as MPs seguem nesse rito mais democrático, mais amplo, com a alternância [nas Casas], umas começarão na Câmara, outras no Senado, sem nenhum tipo de crise”, defendeu. Com a pandemia, as MPs vinham sendo votadas diretamente pelo plenário da Câmara, a maioria das vezes virtualmente, agora os deputados estão pressionando para que as MPs voltem a ser avaliadas pela Comissão Mista antes de ir ao plenário.
A tensão começa a subir, a Câmara acha que não é um “bom senso” a comissão mista ser paritária, pois os 12 deputados representam menos de 2 % da Câmara e os 12 senadores representam 15% do Senado. O Senado não acha um “bom senso” que a Câmara, que já tem a vantagem de iniciar todas as discussões sobre as MPs, consuma quase todo o tempo de validade e que a MP chegue ao Senado com um prazo considerado exíguo pelos senadores.
"O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo os mais difíceis de contentar em qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm”. (Descartes)
“As medidas provisórias, quando editadas pela Presidência da República, precisam ser votadas pela Câmara e pelo Senado em até 120 dias. No entanto, os deputados passam praticamente todo o prazo com o texto e o enviam para o Senado na véspera de caducar sem que eles possam fazer qualquer alteração no texto (Agência Senado)”.
Em outras oportunidades, já me manifestei sobre alterações de leis por pressões de ocasião e, sobretudo, alterações da Constituição. O Artigo 61, que trata da lei de iniciativa popular, e o artigo 64, que trata da iniciativa de projeto de lei do Presidente da República, do Superior Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, terão, por definição da Constituição, início na Câmara Federal. Não é uma cláusula pétrea, mas tem uma base filosófica. A Câmara representa a sociedade e ela deve iniciar todo o debate e decisão legislativa que tiver iniciativa extraparlamentar; o Senado, que representa os Estados da federação, deve ter um papel revisor destas matérias. Não é um privilégio da Câmara, é um dever Constitucional, como é um dever do Senado sabatinar indicados ao TSE. Infelizmente, por incompreensão política, temos alguns “puxadinhos” aprovados na Constituição. Considero que o atual trâmite de votação das Medidas Provisórias precisa de ajustes, mas o debate, no calor que está, pode ter componentes ainda não manifestados.
Mas e a crise de governabilidade, mesmo que de baixa intensidade, anunciada no início do texto?
No dia 12/06/2019, às 20h40, foi aprovada, em segunda votação, a PEC 91/19, texto que vinha da Câmara, muito festejado pela oposição de então. Estabelecia novas regras para as MPs. O Presidente do Senado fez publicar no Jornal da Casa que a Emenda Constitucional iria para a promulgação. Foi uma espada de Dâmocles na cabeça de Bolsonaro, nunca foi sancionada, mas permaneceu lá. Esta Pec, entre outras coisas, estabelece que o prazo de vencimento de uma MP seria fatiado da seguinte forma: 40 dias para discussão na Comissão Mista, vencido o prazo, vai para a Câmara com ou sem votação da Comissão; 40 dias para discussão e votação na Câmara, vencido o prazo sem deliberação a MP perde validade; 30 dias para discussão no Senado, vencido o prazo a MP perde validade. Assim, o prazo de validade de uma MP é de 120 dias; nesta PEC pode ser de 80, ou 110 ou 120, a depender das votações na Câmara e no Senado. Somente a título de exemplo, o presidente Lula já editou 26 MPs, destas apenas 2 estão no Senado; se a PEC 91/19 tivesse sido promulgada, parte dessas MPs já teria caducado e só poderia ser reeditada em 2024. Considero que esta PEC alterou o conteúdo da votação da Câmara, portanto, em vez de ser promulgada deveria voltar à Câmara conforme parâmetros constitucionais. Não sei se o governo trabalha com a ideia de que o Céu de Brigadeiro no Congresso está e será eterno.
Permitam-me um comentário quase chulo de tão batido e simplório: “o pau que dá em Chico, dá em Francisco”.
Em 11/12/19 a Agência Senado registra: “Durante a sessão deliberativa desta quarta-feira (11), o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou questão de ordem à Mesa do Senado na qual pediu a promulgação da chamada PEC das MPs (PEC 91/2019), aprovada pelo Senado há seis meses, mas ainda não incorporada ao texto constitucional.
Para Paim, a demora não é razoável e a PEC 91/2019 já deveria ter sido promulgada, até porque outras PECs aprovadas posteriormente já o foram.
A espada de Dâmocles continua lá, mudou a cabeça…
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