O bolsonarismo e a corrupção no Ministério da Educação

"Muito mais necessário é mudar as políticas que estão causando a miséria do povo brasileiro. E esta é uma luta muito mais difícil", escreve Jair de Souza

Lambe lambe na Avenida Paulista x Rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 24 de junho de 2021.
Lambe lambe na Avenida Paulista x Rua Haddock Lobo. São Paulo, SP. 24 de junho de 2021. (Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas)


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Por Jair de Souza 

As recentes revelações dos escândalos de corrupção no Ministério da Educação comandado pelo pastor bolsonarista Milton Ribeiro não deixam dúvidas para ninguém, nem mesmo para os mais fervorosos seguidores do capitão, que este é um dos governos mais corruptos de que se tem notícia ao longo de nossa história republicana.

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No entanto, neste momento em que mais uma leva de hipócritas que se apresentavam como combatentes contra a corrupção foi pega com a boca na botija e desmascarada, creio que deveríamos aproveitar a oportunidade para debater se a corrupção é de fato o principal fator gerador das mazelas que nos afligem.

Todo nosso raciocínio vai ser exposto com a finalidade de deixar claro para todos que não basta lutar para acabar com a corrupção. Queremos consolidar o entendimento de que não ser corrupto é uma obrigação e um dever de todos, mas não um mérito que precise ser alabado e tido como salvador. Nossa intenção é mostrar que, mesmo em situações onde aparentemente não existe corrupção, os trabalhadores podem estar sendo vítimas de exploração violenta.

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A vida prática nos mostra que os hipócritas pseudo-moralistas são os que costumam se apegar com mais insistência ao tema do combate à corrupção quando desejam impedir que as causas reais do sofrimento do povo sejam debatidas.

Sabemos que países onde predomina o capitalismo, como o nosso Brasil, estão estruturados com base em classes sociais, as quais disputam entre si o usufruto de todas as riquezas neles existentes ou produzidas. Cada classe trata de garantir para si o máximo possível do total disponível de riquezas e, para tal, lança mão de todos os recursos e artimanhas que seu poder de fogo lhe permite dispor. É neste embate de forças entre as diferentes classes de uma sociedade que a repartição do conjunto das riquezas vai se efetivar.

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Portanto, a questão nevrálgica em torno da qual tudo mais vai funcionar em uma determinada sociedade capitalista se relaciona com a luta de classes e a maneira como esta se desenvolve.

Mesmo imaginando que a corrupção pessoal venha a ser completamente eliminada, isto não indica necessariamente que a sociedade como um todo passe a ser beneficiada. Poderíamos até admitir um caso hipotético em que o nível de corrupção praticado por uma determinada gestão de governo seja zerado e, ainda assim, as condições reais de vida das maiorias trabalhadoras se tornem comparativamente piores do que as existentes sob uma administração anterior considerada mais corrupta.

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Também poderíamos supor o inverso, ou seja, termos um governante ainda mais corrupto, mas que, ao elevar a participação percentual dos trabalhadores na apropriação dos rendimentos, acabe por possibilitar que, no final, o montante referente aos assalariados seja maior.

As classes sociais vão ser beneficiadas ou prejudicadas em função das várias medidas de caráter econômico-social tomadas pelos governantes em exercício. Quanto a isto, não devemos levar em conta apenas os valores nominais dos salários ou dos lucros dos proprietários, mas também os rendimentos indiretos que podem ser gerados através dos serviços proporcionados pelos órgãos de assistência do Estado (educação pública, assistência médica pública, auxílio moradia, construção de estradas, geração de infraestrutura para apoio à economia, etc.).

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Não há dúvidas de que seria melhor para todos se não existisse nenhum tipo de corrupção na sociedade. Porém, temos de admitir, a corrupção quase nunca é o fator principal para justificar que uma sociedade seja mais ou menos justa em relação ao usufruto geral de suas riquezas. Via de regra, a existência de corrupção é mais uma consequência da desigualdade do que sua causa.

Consideramos de vital interesse a compreensão deste ponto para que não permaneça nenhuma dúvida a respeito. O atual governo bolsonarista é provavelmente o mais corrupto que o Brasil já teve desde o início de sua era republicana. No entanto, ele não poderia vir a ser considerado bom para o povo mesmo que as abundantes evidências de corrupção explícita noticiadas não tivessem existido e sido reveladas.

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Por isso, vamos esboçar algumas situações hipotéticas, imaginárias e simplificadas, para que nos seja possível entender que a luta contra a corrupção precisa vir acompanhada da luta contra as desigualdades e por justiça social.

Vamos montar um quadro ilustrativo com os seguintes dados:

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Uma sociedade composta de 100.000 habitantes, dos quais 90.000 são trabalhadores assalariados e 10.000 são patrões empregadores.

Vamos imaginar também que o rendimento anual total gerado pelas atividades econômicas desta sociedade hipotética equivale a R$ 2.000.000.000,00. A partir destes dados, faremos as seguintes elucubrações:

Hipótese A: Existe um governo que, por meio de corrupção, se apropria de 5% de toda a renda gerada. Em razão da correlação de forças existente nessa sociedade, o restante da renda será dividido entre patrões e assalariados na base de 50% para cada classe.

Nesta situação, a divisão vai resultar nos seguintes valores:

— Ganhos dos governantes corruptos: R$ 100.000.000,00 (5% de 2.000.000.000,00);

— Ganhos dos patrões: R$ 950.000.000,00 (50% de 1.900.000.000,00)

— Ganhos dos assalariados: R$ 950.000.000,00 (50% de 1.900.000.000,00)

— Ganho médio dos assalariados: R$ 10.555,55 cada (950.000.000,00 / 90.000)

— Ganho médio dos patrões: R$ 95.000,00 cada (950.000.000,00 / 10.000)

Hipótese B: O governo do exemplo anterior é substituído por outro totalmente incorruptível, que não se apropria de nada da renda total gerada. Mas, por ser um governo neoliberal, tem mais afinidade com as classes dominantes e promove políticas trabalhistas e sociais que favorecem aos patrões, alterando a proporção da distribuição de modo a garantir que os patrões fiquem com 60% dos rendimentos e os assalariados com os 40% restantes.

Esta nova conjuntura vai apresentar como resultado o seguinte quadro:

– Ganhos dos governantes por meio de corrupção: R$ 0 (acabou a corrupção)

– Ganhos do setor patronal: R$ 1.200.000.000,00 (60% de 2.000.000.000,00)

– Ganhos dos assalariados: R$ 800.000.000,00 (40% de 2.000.000.000,00)

– Ganho médio dos assalariados: R$ 8.888,88 cada (800.000.000,00 / 90.000)

– Ganho médio dos patrões: R$ 120.000,00 cada (1.200.000.000,00 / 10.000)

O que os exemplos de acima nos indicam é que não é tão somente a corrupção que faz com que a situação de vida do povo melhore ou piore. Além de não permitir que haja desvios indevidos de recursos para benefícios ilegais, é fundamental que os trabalhadores não se deixem enganar pela retirada de rendimentos que se dá dentro de uma aparência de legalidade. Portanto, o fundamental é observar como as políticas estão sendo aplicadas no reparto do rendimento total para saber em favorecimento ou detrimento de quais classes o governo está operando.

Para os trabalhadores, a corrupção nunca é favorável. Qualquer apropriação indevida de recursos públicos implica numa diminuição dos montantes que seriam usados para atender necessidades básicas das camadas populares. Sem corrupção, um governo mais afim aos interesses dos trabalhadores terá mais condições de pôr em prática medidas que garantam a eles um nível de vida mais elevado: melhores salários, melhor saneamento básico, melhor sistema de atendimento médico, melhores condições de moradia, etc.

Por sua vez, os banqueiros, os rentistas e todos os grandes capitalistas também levam isto em consideração na hora de escolher o governante de sua preferência. Se puderem encontrar um político que atue em conformidade com seus interesses, sem exigir nenhuma propina por fora, muito melhor. Mas, se precisarem apelar a subornos, desvios, propinas, ou seja lá o que for, para garantir que a parcela da renda a ser apropriada pelas classes dominantes não seja rebaixada, eles vão aceitar de bom grado qualquer governante por mais corrupto que seja.

É por tudo o que acabamos de mencionar que precisamos compreender que não basta tirar do governo figuras reconhecidamente vistas como corruptas. Isto é necessário, sem dúvidas. Mas, muito mais necessário é mudar as políticas que estão causando a miséria do povo brasileiro. E esta é uma luta muito mais difícil.

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