O avanço do obscurantismo no futebol brasileiro

"Não é política, Ronaldo, o que se cobra de vocês são posicionamentos sobre vida, morte, direitos humanos e democracia", escreve Bepe Damasco

Ronaldo e Neymar
Ronaldo e Neymar (Foto: REUTERS/Satish Kumar | REUTERS/Lee Smith)


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Por Bepe Damasco 

Espécie de porta-voz do que há de pior no futebol, o ex-jogador Ronaldo, nesta Copa do Mundo, tem se superado. Já debochou da fome de 35 milhões de brasileiros ao levar jogadores da seleção para comer carne banhada a ouro e dizer, pasme, que isso era um bom exemplo para os mais jovens, comandou a reação alienada dos boleiros às críticas feitas pelo comentarista Casagrande à falta de postura cidadã por parte deles e passou pano para a má performance técnica de Tite e seus comandados.

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Mas o pior ainda estava por vir. Sem qualquer constrangimento, Ronaldo defendeu a censura ao afirmar que as falas do ex-jogador e hoje apresentador de televisão, Neto, tinham que ser "proibidas." Acostumado à bajulação de boa parte da mídia, ele se enfureceu com as críticas à seleção feitas por Neto em seu programa diário da Band. 

Recebeu, porém, um troco duríssimo, de Neto: "Ronaldo, deixa eu falar para você. Primeiro, eu represento o povo. Você representa os ricos, quem compra os direitos esportivos. Você compra jogadores, falou em 2014 que não precisava de hospitais aqui. 700 mil pessoas morreram. Você não vive no Brasil (...) Eu não como carne de ouro, irmão. O povo come carne de segunda. Eu represento o povo. Você representa o ouro (...)"

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Este entrevero entre Ronaldo e Neto é apenas a ponta do iceberg do fenômeno da idiotização crescente no futebol. brasileiro. O principal alvo deste levante obscurantista tem sido o também ex-jogador Casagrande, hoje analista dos bons. Cabe lembrar que jogador brasileiro consciente de seu papel na sociedade e da importância de sua visibilidade sempre se contou nos dedos. Mas é inegável que o período de trevas bolsonaristas piorou ainda mais esse panorama.

Que fique claro: ninguém está cobrando participação política dos atletas em dimensão partidária, mas apenas um pouco de sensibilidade para o calvário vivido pelo nosso povo.

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Quando Casagrande aponta o egoísmo e o estrelismo do Neymar como prejudiciais à seleção,  Rafinha responde que "o Brasil não merece Neymar."

Quando Casagrande lamenta que craques do penta só apareçam nos estádios da Copa de terno e gravata, como empregados da Fifa, e nunca junto à  torcida, Kaká dispara que o Brasil maltrata seus ídolos e que Ronaldo é visto no Brasil "só como um gordo a mais andando pelas ruas do país."

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Quando Casagrande deplora o fato de que 700 mil brasileiros e brasileiras perderam a vida durante a pandemia, sem que nenhum craque milionário que vive no exterior tenha manifestado a mínima solidariedade às famílias enlutadas, Ronaldo reage afirmando que o problema é que "tudo agora é política."

Não é política, Ronaldo, o que se cobra de vocês são posicionamentos sobre vida, morte, direitos humanos e democracia. 

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No jornalismo esportivo, prevalece o endeusamento dos nossos jogadores com pouco senso crítico, em geral exagerando suas qualidades, ignorando suas deficiências e menosprezando adversários.

Reparem que, além de Casagrande, todos os poucos cronistas que não se curvam às imposições do mercado da bola estão fora da televisão, tais como Juca Kfouri, José Trajano, Arnaldo Ribeiro e Alberto Tirone. Por óbvio existe profissionais competentes e progressistas nos canais de esportes da TV, mas eles são obrigados, muitas vezes, a se enquadrarem nas regras das emissoras.

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Nesta Copa do Catar, várias seleções deram um jeito de protestar, de uma forma ou de outra, contra as violações aos direitos humanos cometidos pela ditadura do Catar e endossadas pela Fifa, especialmente em relação à população LGBTQIA+. Jogadores ingleses, dinamarqueses, franceses e alemães fizeram o que podia ser feito. 

Os brasileiros só tingiram os cabelos e dançaram. 

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