O assobio do Bolsonaro à matilha
"Com o assobio à matilha fascista representado na convocação de manifestações hostis ao Congresso e ao STF, Bolsonaro confirma seu desapreço pela débil institucionalidade ainda vigente", escreve o colunista Jeferson Miola
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Com o assobio à matilha fascista representado na convocação de manifestações hostis ao Congresso e ao STF, Bolsonaro confirma seu desapreço pela débil institucionalidade ainda vigente no regime de exceção e sulca o caminho para o avanço ditatorial.
O assobio do Bolsonaro à matilha tem similitude histórica com o processo de esgarçamento institucional, político e social por meio do qual Hitler se alçou ao poder e implantou o regime nazista na Alemanha dos anos 1930.
Ante esta realidade ameaçadora, é preferível exceder-se nas preocupações do que subestimar as tendências ditatoriais e militaristas que adquiriram contorno bastante nítido no início do 2º ano da barbárie bolsonarista.
Este artigo, escrito em 2 partes, pretende abordar o significado do assobio do Bolsonaro à matilha à luz da experiência histórica do avanço nazista. Afinal, o parentesco ideológico do bolsonarismo com o nazi-fascismo é cada vez mais notório. Não somente devido às semelhanças temperamentais e pessoais dessas 2 figuras abjetas que são Bolsonaro e Hitler, mas porque ambos representam saídas escolhidas pelas próprias classes dominantes em momentos de crise do capitalismo.
Parte 1 – o incêndio de Reichstag, a adesão da burguesia e o ascenso de Hitler
No livro A ordem do dia, o escritor francês Éric Vuillard ilustra como a adesão política e financeira de líderes empresariais e dirigentes de grandes indústrias foi fundamental para a ascensão de Hitler e dos nazistas ao poder.
Vuillard mostra que atuais multinacionais alemãs como Allianz, Basf, Bayer, Thyssenkrupp, Opel, Krupp [atualmente ThyssenKrupp] e Siemens corresponderam aos apelos de Hitler e doaram dinheiro para a campanha do Partido Nazista no pleito de novembro de 1932.
Naquela eleição parlamentar, o Partido Nazista obteve a maior votação proporcional, porém não suficiente para indicar Hitler como Chanceler [Primeiro-Ministro] da Alemanha. Mas em 30 de janeiro de 1933, com o apoio e a pressão da burguesia alemã, Hitler ascendeu ao cargo.
O incêndio de Reichstag [Parlamento alemão] na noite de 27 de fevereiro de 1933, falsamente atribuído ao Partido Comunista [PC], foi aproveitado por Hitler para consolidar seu poder e, assim, avançar na implantação do regime nazista. “Se esse incêndio tiver sido obra dos comunistas, como acredito, precisamos exterminar essa peste assassina com punho de ferro”, alardeava o Führer.
De acordo o ministro de propaganda nazista Goebbels o objetivo era, “por meio do incêndio e do terror, causar tumultos e, em meio ao pânico geral, tomar o poder”. E de fato foi o que aconteceu à continuação, com a consolidação da ditadura nazista que, poucos anos depois, arrastou o mundo aos horrores da 2ª guerra mundial.
Na mesma noite do incêndio de Reichstag, parlamentares, funcionários e dirigentes do PC foram ilegalmente presos e torturados pelas SA, as milícias paramilitares nazistas, em prisões clandestinas, onde alguns deles morreram em consequência dos suplícios sofridos.
No dia seguinte, 28 de fevereiro, no embalo da propaganda nazista da “ameaça comunista”, o presidente Paul Von Hindenburg assinou Decreto que extinguiu a liberdade de imprensa, de expressão e de reunião; proibiu jornais independentes e autorizou a intervenção do governo central nos governos regionais para “garantir a paz e a ordem”.
O Decreto foi uma arma sob medida para Hitler ampliar a perseguição e aniquilamento dos seus “inimigos”. Estudos documentam que em abril de 1933, menos de 2 meses depois do incêndio, cerca de 25 mil pessoas haviam sido detidas. Muitas delas, inclusive, em campos de concentração.
A “ameaça comunista” serviu como anestésico para a população; mas, sobretudo, foi usada como insumo para a retórica agressiva das elites e da imprensa dominante contra a resistência e a oposição democrática e popular ao nazismo.
Nos anos posteriores, esta propaganda foi ampliada com o anti-semitismo, o racismo aberto, a misoginia, preconceitos e perseguições de toda ordem, levando ao holocausto milhões de pessoas, principalmente judeus.
Com a imprensa burguesa funcionando como repetidora da retórica nazista e com a imprensa independente proibida, grande parte da população se convenceu que o PC tentara um golpe e que Hitler salvaria o povo alemão da “ameaça comunista” e da degradação racial.
O jornalista britânico Chris Harman no livro Trotsky – Como esmagar o fascismo, anota que mesmo com o avanço do terror nazista, “os líderes sociais-democratas decidiram que como Hitler havia chegado ao poder ‘legalmente’, eles não poderiam agir agora”.
Estes setores iludiam-se que “diante do governo e suas ameaças de golpe de Estado, os sociais-democratas e toda a Frente de Ferro mantém-se firme no solo da Constituição e da legalidade’ [sic]”.
O autor afirma ainda que “Apesar das contínuas ameaças, seus líderes faziam discursos corajosos no Reichstag – e depois garantiam que a oposição ao governo nazista seria ‘constitucional’”.
A candura da maioria do Reichstag e a complacência da social-democracia e da elite com Hitler – considerado o antídoto eficaz ao comunismo – cobrou um altíssimo preço histórico. As cicatrizes da crueldade e da barbárie nazista ficarão inapagáveis por toda a eternidade da existência humana.
No ensaio O que é o nazismo, escrito em 1934, Trotsky foi profético ao interpretar o nazismo como hipótese totalitária intrínseca ao próprio capitalismo em momentos de crise exacerbada e que, em vista disso, conta com a adesão das oligarquias dominantes e suas distintas frações:
“Absolutamente falsas são as esperanças de que o governo Hitler cairá amanhã, se não hoje, vítima de sua incoerência interna. Os nazistas necessitavam de um programa para chegar ao poder; mas o poder serve a Hitler nem um pouco para aplicar seu programa. Suas tarefas são dadas pelo capital monopolista.
[…] O fascismo alemão, assim como o italiano, se ergueu ao poder nas costas da pequena-burguesia, que foi tornada bode expiatório contra as organizações da classe trabalhadora e as instituições democráticas. Mas o fascismo no poder é tudo menos o governo da pequena-burguesia. Pelo contrário, ele é a ditadura mais impositiva do capital monopolista.
Mussolini tem razão: as classes médias são incapazes de políticas independentes. Durante os períodos de grande crise, são invocadas a seguir os absurdos das políticas de uma das duas classes fundamentais. O fascismo conseguiu colocá-los a serviço do capital”.
A analogia da realidade brasileira com a tragédia da Alemanha dos anos 1930 alerta para a necessidade urgente de um padrão distinto de enfrentamento, para impedir que o Brasil tenha a mesma evolução insana com Bolsonaro. Antes que seja tarde demais.
[continua na parte 2]
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