O antropofágico ódio à ampla defesa, a advogados e uma democracia brazuca

A cultura do menosprezo e ridicularização às garantias de qualquer pessoa investigada por um crime é a síntese do atraso

A cultura do menosprezo e ridicularização às garantias de qualquer pessoa investigada por um crime é a síntese do atraso
A cultura do menosprezo e ridicularização às garantias de qualquer pessoa investigada por um crime é a síntese do atraso (Foto: Jean Menezes de Aguiar)


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Uma sociedade boçal odeia muitas coisas. Odeia ampla defesa de réus e acusados; presunção de inocência de quem é suspeito de prática criminosa; garantias que são dadas a investigados por um delito.

Mas também odeia gays, prostitutas, negros, velhos, pobres. Não se preocupe, a lista do preconceito e da burrice é avassaladoramente grande.

Essas sociedades aceitam, sem qualquer remorso, linchamentos no meio da rua de suspeitos e julgamentos sumários apenas pela aparência do acusado. Por um mero indício de autoria, já tem que condenar e ponto final.

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O pensamento retrógrado é assim.

A história mostra diversos países com este perfil. O Brasil viveu recente uma ditadura militar. Muitos processos judiciais eram esdrúxulos e calhordas, apenas um espartilho prostituto de seriedade excelencial para se condenar quem ‘se queria’ condenar. Em muitos casos, a acusação era mancomunada com a polícia e com o juiz. O famoso e clandestino livro ‘Brasil: nunca mais’, que não tem autor – repare-, relata mais de 700 processos judiciais de um Brasil que efetivamente não se deve tolerar novamente.

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Advogados foram presos, espancados, tiveram escritórios explodidos. Uma bomba matou uma funcionária na OAB carioca. A ‘ampla defesa’ era uma guerra, vivenciada a tapa por defensores que arriscaram a própria vida. Muitos morreram.

Confirmaram-se lições que, entretanto, não são brasileiras, mas mundiais. Qualquer livro de Direito do mundo democrático reprova sociedades assim. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo XI, 1, a que o Brasil e todos esses países são regidos, impõe:  ‘Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.’

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No Brasil atual há um curso curioso, para não dizer desesperador e antropofágico. Uma imprensa comercial, ávida por escândalos e heróis de plantão, passou a dar, assimetricamente, enormes espaços a investigadores, acusadores e julgadores, em um dos lados da balança. E ínfimos e burocráticos espaços a defensores, ou seja, a advogados, no lado oposto. É a imprensa julgando e preferindo. E preterindo.

A responsabilidade do jornalista, admitindo-se a hipótese de ele poder contrariar a ideologia do patrão e dizer verdades, seria imensa. Esta assimetria ‘jornalística’ com três pratos na balança de um lado – investigação, acusação e juiz-, e apenas um prato no outro lado, o advogado, começa a criar uma cultura infame numa sociedade já propensa a preconceitos.

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Pôr-se o princípio constitucional da ‘ampla defesa’ em xeque, aceitando-se menosprezá-lo por meio da satanização de advogados, por exemplo, é parir um tipo obtuso de democracia. É pretender o pior dos mundos: um Estado policial [nazista], ou um Estado acusador [ditatorial]. Em termos constitucionais modernos não há estupidez maior que esses modelos de Estado.

Quando o Conselho Federal da OAB, por exemplo, provoca a cúpula fiscalizatória do Ministério Público a controlar melhor a delação premiada, por suspeita de coação, ou insta o Legislativo a não invadir questões blindadas legalmente por sigilo na relação advogado-cliente – como se quer fazer esta semana-, não está buscando proteger o advogado, mas sim a democracia, o direito de toda e qualquer pessoa de conversar com segurança e imunidade com seu advogado.

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Ninguém ouve um relato possivelmente criminoso sem o ímpeto de ‘julgar’. Nem a mãe, nem um amigo. Só o advogado. Essa conquista da inviolabilidade de conversa advogado-cliente é universal. Não podem, por exemplo, parlatórios patéticos – e ilegais- de modernosas unidades policiais quererem que advogados conversem com seus clientes por meio de interfones presumivelmente censuráveis. Isto é uma piada, ilegal. Como não se pode exigir que advogados ‘contem’ o que ouviram de seus clientes.

Essas garantias não são brasileiras. São próprias de democracias. O grande risco é a sanha conservadora e autoritária oficial brasileira rangendo dentes e querendo ‘saber’ coisas diretamente pelo investigado ou por seu advogado. Que se reinstaure então o pau de arara e se rasguem as fantasias.

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A jurisprudência sobre ‘ampla defesa’ do Supremo Tribunal Federal, ligando-a ao próprio conceito de democracia é de envergonhar qualquer ‘autoridade’ autoritária ou truculenta do país. Como também a segmentos tacanhos que acham bonito enaltecer as idiotices de um Estado policial ou de um Estado acusador.

Não há que se medir esforços para se enterrar o ilegal, o atrasado, o preconceituoso e o que o mundo democrático já concluiu não ser o melhor para as pessoas, as famílias e a segurança jurídica de uma sociedade. A imprensa, os intelectuais, as universidades têm um papel importante aí.

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A cultura do menosprezo e ridicularização às garantias de qualquer pessoa investigada por um crime – que não tem relação com a proteção de vítimas que devem ser exemplarmente protegidas e assistidas-  é a síntese do atraso. Nem se precisa ir à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Uma leitura ao artigo 5º da Constituição do Brasil é mais que suficiente. Ali está o que existe de mais moderno no mundo. Ainda que desavisados e não estudiosos de plantão ‘queiram’ que não seja assim. OBSERVATÓRIO GERAL.

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