O ano partido ao meio

Em 2013 o Brasil resolveu lavar a roupa suja em público faltando exatamente um ano pra Copa do Mundo



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No final de janeiro de 2013 o Brasil acordou em choque: um incêndio na boate Kiss em Santa Maria (RS) matou o número astronômico de 242 pessoas. Passado o trauma, veio o grito dos indignados: contra a negligência dos fiscais e dos bombeiros, contra incompetência dos gestores públicos, contra a ganância e a burrice dos empresários.

De repente, o brasileiro tornou-se um vigilante. Reportagens mostraram hordas de fiscais com seus bloquinhos inspecionando casas noturnas e de espetáculo, agentes da vigilância sanitária visitando cozinhas e refeitórios. O ano patinou meio zonzo até a metade – nesse meio tempo um meteorito caiu na Rússia e se falou muito na blogueira cubana Yoany Sanchez, no escândalo da "amiga" do Lula Rosemary Noronha, na morte de Hugo Chavez e nos blefes da Coreia do Norte contra os Estados Unidos – e desaguou nos já históricos "protestos de junho." Dali pra frente, tudo foi diferente.

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O país acelerou. Ao conseguir barrar o aumento das passagens de ônibus, o pessoal do Passe Livre trouxe junto toda uma geração de adolescentes que nunca tinha ido a uma passeata, um protesto. No mesmo barco veio o pessoal da Mídia Ninja, do Fora do Eixo e dos Black Blocks. Novo atores entraram em cena. Novas demandas surgiram. Dilma propôs um monte de coisas: uma Constituinte, um zilhão pra mobilidade urbana e um gás no programa Mais Médicos. O Papa veio ao Brasil e falou aos jovens católicos. Um grupo de artistas protestou sensualizando com objetos sacros e vários articulistas lembraram que o Brasil é um país laico.

A decisão de chamar médicos cubanos pra trabalhar em rincões que nem os médicos brasileiros queriam causou um debate intenso e com acusações por todos os lados, indícios e acusações de fraude, xenofobia e trabalho escravo. A classe dos médicos ficou em evidência. Junto com ela vieram os enfermeiros, os dentistas, os fisioterapeutas e os psicólogos. Todo mundo tinha algo a dizer sobre o Mais Médicos.

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O movimento Passe Livre legou ao Brasil muito mais do que o lema dos 20 centavos. Ele mostrou que é possível ter Passe Livre também no alto escalão do governo, que os jovens não são mera paisagem a contemplar as maravilhas obradas pelo lulismo. Vários se reuniram com Dilma pra discutir o transporte público e houve quem saísse falando que ela mal entendia do assunto.

Junto com a pauta dos médicos, pipocou a questão do futebol e da Copa do Mundo. Provaram por a + b que os estádios custaram os tubos e que foram custeados com dinheiro público. Acusaram a FIFA, o Corinthians e a Globo. Esculacharam o Galvão ao vivo. Vaiaram a Dilma. Botaram água no chope do governo.

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Nessa altura, o ano já estava a mais de trezentos por hora, voando. O relógio passou a correr mais rápido também pros réus do mensalão, que já anteviam o fim do julgamento. Se Dilma queria mostrar trabalho, Barbosa decidiu fazer o mesmo. No plano internacional, a Coreia do Norte desapareceu do noticiário quando revoltas cabeludas pipocaram (de novo) no Egito e armas químicas foram usadas contra civis na Síria, resultando em centenas de mortos.

Mortos inocentes deixam um clima de incerteza, de que o mundo é um lugar perigoso. E é mesmo. Foi partindo dessa constatação que o tema Copa do Mundo se espalhou pelas áreas do turismo, defesa e contraterrorismo. Bateu o medo: e ser der alguma merda na Copa do Mundo? Seremos capazes de gerir um evento desse tamanho, cheio de gringos? Alguém aí sabe como andam nossas baterias antiaéreas, nossas tropas de elite e antissequestro? Era o Brasil passando pelo processo doloroso de virar adulto, de ser responsável por descascar um monte de pepinos.

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2013, o ano da maioridade? De certa forma o gigante acordou sim nesse ano, mas pelo fato do Brasil ser um país continental e não pela suposta grandeza desse povo que deu o grito. Porque esses movimentos que chacoalham as estruturas são recorrentes nas democracias. E o Brasil vivia uma pasmaceira desde 1992, na época do Fora Collor. Desde então, os tucanos contiveram a inflação os petistas "acabaram" com miséria e a fome. São conquistas notáveis, mas longe do que queremos. Uma nova oposição surgiu: Marina Silva se bandeou pro lado de Eduardo Campos, levando ao PSB, pelo menos na teoria, um monte de votos.

Ainda assim, a parceria Eduardo-Marina foi apenas mais um assunto nesse segundo semestre em que se falou tanto. Porque assunto não faltou nesses meses em que se discutiu apaixonadamente a quebra do império de Eike Batista (grana do BNDES), o grampo de Obama no e-mail da Dilma e no celular da Angela Merkel, as biografias não autorizadas e a caretice de Caetano e Roberto Carlos, os testes com cobaias nos laboratórios e as graves denuncias de corrupção no metrô de São Paulo. Se no começo do ano a oposição batia em Rosemary, uma notável do segundo escalão do governo, agora falava-se em demitir ninguém menos que o ministro da justiça.

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Pelo direito à privacidade e à livre expressão. Pelo rigor dos trâmites burocráticos. Pelos bons tratos aos animais. Pela dignidade dos passageiros que se espremem no ônibus. Pelos beagles, pelos mensaleiros. Opa, mensaleiros? No 15 de novembro, dia da proclamação da republica, Barbosa manda prender a cúpula do PT – menos o Lula - e os banqueiros e publicitários que se envolveram nos empréstimos fraudulentos. (O dinheiro da Visa Net é dinheiro "público"?)

Estou meio confuso, mas mal dá tempo de interpretar os editoriais da Veja e da Carta Capital. Acabou de cair um pedaço do estádio estádio do Corinthians. Quanto vão pagar às famílias dos coitados que morreram esmagados? Como a BBC e a CNN vão comentar esse fato desagradável? (Ouvi falar que santistas e são-paulinos também estão pagando). Pior, um helicóptero ligado a um deputado mineiro caiu com quase meia tonelada de cocaína.

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Dessas imagens todas, a que mais me causa espanto é a de José Genoíno sendo preso e erguendo o punho pro alto, se declarando "preso político." Vou me lembrar de usar esse argumento sempre que tiver um problema com a Justiça: é o juiz que está me perseguindo! O pior é que foi o próprio governo petista que indicou a maioria dos ministros. É impressão minha ou está todo mundo contra todo mundo?

Quase trezentos mortos incendiados, dez anos de cadeia pro Zé Dirceu, dois milhões nas ruas protestando, quatrocentos e cinquenta quilos de cocaína no helicóptero do deputado, vinte e oito bilhões (por baixo) via BNDES pra fazer a Copa, três a zero (fora o baile) na Espanha, campeã do mundo. Romário jurou que tem ladroagem no evento. Felipão chamou a responsa e disse que vai ganhar o campeonato. Pelé e Ronaldo botaram panos quentes, pedindo pra não misturarem futebol e política, como se fosse possível. A imagem abaixo, capa da Placar de abril de 1984, dispensa comentários. Será que em 2014 Pelé pretende fazer a cabeça de novo? Já pensaram, ele com uma camisa onde se lê FORA FIFA? Eu não duvido.

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