O AmarElo e o preto

"Além de ser um belíssimo documento sobre o samba, a negritude, o hip-hop e a historia de cultura brasileira, revela um artista sensível, talentoso e extremamente generoso na sua concepção artística", escreve o cartunista Miguel Paiva sobre o documentário do rapper Emicida

(Foto: Miguel Paiva)


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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

Ontem assisti ao maravilhoso documentário AmarElo, Tudo para Ontem do cantor e compositor Emicida. Depois, gravei um vídeo para o meu canal, constrangido e envergonhado, em parte por ser branco e em parte, por viver neste pais tão racista e elitista. Recebi muitas manifestações solidárias. Além de ser um belíssimo  documento sobre o samba, a negritude, o hip-hop e a historia de cultura brasileira, revela um artista sensível, talentoso e extremamente generoso na sua concepção artística.

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Que pais é esse em que vivemos e que tem uma história, até recentemente, marcada pelo elitismo, pela segregação sem nem ter motivos para isso. Uma elite branca falida sem personalidade que só sabia, e mal, imitar a elite europeia. O povo mesmo, os pretos e pobres, ficavam à deriva sem participar nem do processo politico nem do processo econômico. A cultura nativa ia se fazendo porque essa acontece mesmo não se querendo, mesmo sendo reprimida ou ignorada.

Eu que sou branco, descendente de espanhóis e portugueses mas de pele morena sofri uma espécie de bulling no colégio e olha que era o Colégio de Aplicação da UFRJ de onde vieram muitos dos principais jornalistas, intelectuais e economistas deste pais. Eu era chamado de Disco, preto e chato. Disco naquela época era de vinil, de cor preta com um buraco no meio para se colocar na vitrola. O chato eu entendo, era mais chegado nas meninas, gostava de poesia, não era atleta nem coçava o saco. Agora preto? Nunca entendi e nem me senti vítima de racismo porque nunca fui preto. Essas coisas você sente na pele quando a história do teu povo está escrita na tua pele. Não era o meu caso. Mas vocês imaginam o quanto desse racismo estrutural já não estava escrito na pele desses brancos que me sacaneavam.

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Não faz sentido mesmo. Ser preto nesse país, como bem mostra o Emicida é tarefa para fortes. Ver seu show no Teatro Municipal de São Paulo que na sua história tem a famosa manifestação pela semana de arte moderna de1922 é um marco. Emicida lembra disso e surfa nessa maré transformadora sabendo muito bem que onda pegar. Abre espaço para os novos, homenageia os velhos e dá lição de História para todos nós. O Brasil de hoje que tem na Fundação Palmares um negro racista, mas racista contra os próprios negros, merece ver e refletir sobre este filme e sobre toda a nossa realidade.

Temos que retomar logo o rumo que estávamos antes desse cataclisma politico que nos aconteceu e antes que esse pais se veja obrigado a assumir, contra a natureza e contra a História, a característica de branco europeu.  Tenho vontade de sentir orgulho da minha cor, de contar a historia da minha gente, das lutas e das conquistas. Não dá mais para fazer isso com a nossa origem branca. Ela me envergonha apesar de todas as pessoas e fatos históricos que tenham me dado orgulho também. Mas enquanto não resolvermos essa questão do racismo estrutural vai ser difícil reencontrar o caminho da democracia.

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Torço para que isso aconteça logo, que eu ainda esteja vivo para poder festejar com meus amigos pretos o que a Historia deve a eles.

Voltando ao meu apelido de Disco, preto e chato, esqueço o chato e assumo o preto, mesmo que simbolicamente, para poder sentir, nessa época de tão poucos motivos de alegria, um pouco de orgulho alheio.

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